No artigo Collor: o preso sorridente de um país desigual, publicado pela revista Movimento, o advogado Leandro Santos Dias comemora a prisão do ex-presidente Fernando Collor (ex-PRD). O periódico pertence ao Movimento Esquerda Socialista (MES), corrente interna do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Não por acaso, o mesmo MES — e, em especial, sua dirigente Luciana Genro — foi um dos grupos que mais defendeu a Operação Lava Jato durante todo o período do golpe de Estado de 2016.
O artigo tem início com uma breve descrição da prisão de Collor:
“Às 11h34 da manhã da última sexta-feira, ocorreu a audiência de custódia do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Sorridente, sereno, ele afirmou que sua prisão foi legal, sem qualquer abuso. E não é difícil entender o motivo do bom humor: Collor sabe que, mesmo condenado por corrupção milionária, ficará no máximo um ano preso — isso se não conseguir, antes disso, converter a pena em prisão domiciliar por “idade avançada e problemas de saúde”.
Esse é o desfecho de um processo que se arrasta desde 2015, quando o ex-presidente foi acusado de desviar mais de R$ 29 milhões em um esquema de corrupção numa subsidiária da Petrobras. Um entre tantos episódios que marcam sua trajetória pública desde os anos 90.”
Fato é que a investigação que levou à prisão de Collor é a mesmíssima que serviu de base para uma campanha contra o governo de Dilma Rousseff. Collor é, portanto, vítima de um processo reconhecido internacionalmente como viciado. Um processo teleguiado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos e que tinha como objetivos derrubar o governo do Partido dos Trabalhadores (PT), prender o hoje presidente Lula e destruir a indústria nacional.
Apresentar a prisão de Collor sem fazer qualquer menção à Operação Lava Jato é uma cretinice. Visa tão-somente poupar o MES de ser lembrado como um dos grandes apoiadores da operação. E mostra que, mesmo passados dez anos da operação, mesmo ela ter sido exposta em incontáveis vazamentos, mesmo seus processos sendo anulados, o MES continua a defendê-la.
Em março de 2021, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou os três processos de Lula na Lava Jato. A medida era uma resposta à situação política imediata, uma vez que a prisão de Lula e a sua inelegibilidade haviam contribuído muito para aumentar a polarização no País, que, naquele momento, já vivia uma forte crise social causada pela pandemia de coronavírus. No entanto, a decisão no caso de Lula já serviria para anular toda e qualquer processo no âmbito da Lava Jato, uma vez que eles todos partiram de premissas ilegais.
O que também chama a atenção no texto do MES é que, conforme o seu próprio autor narra, o processo vinha se arrastando por dez anos. E quando Collor foi finalmente preso, isso não ocorreu porque haviam se esgotado todas as suas possibilidades de defesa. A prisão do ex-presidente ocorreu de maneira repentina e inesperada, em um gesto que a própria jornalista Eliane Cantanhêde, notória porta-voz da burguesia, admitiu que se tratava de um movimento político: foi um recado de Alexandre de Moraes a Jair Bolsonaro (PL) e ao próprio Lula. Collor, que se manteve fora das grades tantos anos, só foi preso porque sua prisão se tornou conveniente para o STF, que pretende aumentar a sua lista de ilegalidades no futuro próximo.
Quanto ao uso da Justiça para fins políticos, nenhuma palavra de Leandro Santos Dias. Em vez disso, o autor alega que:
“A justiça que o alcança agora é tardia, tímida e desigual. Enquanto isso, nas periferias do Brasil, jovens negros e pobres seguem sendo presos sem julgamento, mortos em operações policiais mal explicadas, abandonados por um sistema que só funciona com eficiência para punir os de baixo. Collor sorri porque sabe que será tratado com todas as garantias. Ele não verá camburão, cela superlotada, nem audiência atrasada por falta de defensor. Sorri porque entende, como poucos, que no Brasil, a justiça é seletiva: para os ricos, um direito. Para os pobres, uma exceção.”
Dias tem razão quando diz que o sistema “só funciona com eficiência para punir os de baixo”. O Brasil tem mais de 800 mil pessoas presas e a só esmagadora maioria é pobre — parte delas, inclusive, sequer foi julgada. No entanto, o que o autor ignora é que quando alguém poderoso tem seus direitos políticos atropelados, isso não é positivo para a população pobre. Nem é indiferente. Se as garantias de alguém “de cima” são pisoteadas, as da população pobre serão pisoteadas com muito mais força.
Se for provado que de fato Collor cometeu alguma ilegalidade, cabe à Justiça puni-lo. No entanto, isso não poderia acontecer nem em meio a um processe viciado — como a Operação Lava Jato — e o devido processo legal deve ser respeitado. Assim como devem ser levadas em consideração as alegações da Defesa de que o ex-presidente tem comorbidades.
Do contrário, não será Collor o principal punido. Reviver a Lava Jato poderá causar um verdadeiro inferno para o governo Lula, que já se encontra em uma situação muito difícil. Da mesma forma, a prisão arbitrária e por razões políticas afetará muito mais a esquerda e os movimentos populares do que um político burguês como Collor.