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Síria

Se a queda de Assad é revolução, 1964 também foi

LIQ comemora queda de Bashar Al-Assad junto do imperialismo como um todo, depois acusa quem está contra o imperialismo de aliança com "imperialismo russo"

No dia 2 de janeiro, o portal da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT-CI) publicou um texto intitulado “A queda de Al Assad é uma vitória para o povo sírio e para os oprimidos do mundo!”, que também é assinado por outras organizações, como Unidade Internacional dos Trabalhadores-Quarta Internacional (UIT-CI) e Corrente Comunista Revolucionária Internacional (CCRI).

O texto apresenta ideias fantasiosas sobre o que aconteceu na Síria com a queda do governo de Bashar al-Assad, a começar por chamar o golpe de Estado orquestrado pelo imperialismo de “Revolução Síria”, ignorando por completo toda a propaganda internacional do imperialismo em relação à queda de Assad, os recentes encontros dos diplomatas norte-americanos com o novo governo do país e as declarações dos novos governantes em relação a Israel, além das próprias declarações de Netaniahu a favor da queda de Assad, além da anexação de mais territórios sírios pelas forças israelenses, como é o caso do Monte Hermon, e dos bombardeios israelenses com a anuência do novo governo em áreas militares.

Apesar de ser um governo burguês, o governo da família Assad era um governo da burguesia nacional síria, que se opunha ao imperialismo em uma série de fatores. Da mesma forma era o governo de Gadafi na Líbia, em que a história é praticamente idêntica à derrubada do governo sírio, com a diferença do tempo necessário para o golpe de Estado. De lá para cá, a Líbia, que na época tinha um grande desenvolvimento e chegou a ter um IDH maior que o do Brasil, praticamente desapareceu do mapa. O resultado na Síria é muito similar.

Principalmente após o surgimento do Estado Islâmico (também conhecido como Daesh ou ISIS), que serviu de pretexto para que os Estados Unidos enviassem tropas para a Síria, a Rússia passou a ajudar o governo de Assad, construindo bases militares na região, treinando o exército sírio e dando suporte aéreo contra os grupos chamados de “rebeldes” pela imprensa da burguesia. Além disso, os russos e os iranianos foram fundamentais para os acordos firmados com a Turquia e que geraram uma trégua entre as forças internas no país.

O problema é que o texto em questão não se preocupa em ter uma teoria política sólida e trata qualquer país atacado pela imprensa burguesa como sendo imperialista. É o caso da Rússia, que é chamada de imperialista. A tese de que a Rússia é imperialista não é marxista. O imperialismo foi formado ainda no final do século XIX e foi completado ainda na Primeira Guerra Mundial, época em que a Rússia teve sua revolução, que colocou a classe operária no poder e deu um salto gigantesco em seu desenvolvimento, mas que nunca conseguiu alcançar o desenvolvimento dos países capitalistas.

Apesar das sanções que quebraram a economia síria, da guerra promovida pelo imperialismo e da tomada de postos de petróleo pelos Estados Unidos, o que impedia qualquer tipo de desenvolvimento da economia do país, em determinado ponto do texto é dito que os principais responsáveis pela destruição da Síria são o Irã e a Rússia. Por que é que as organizações que assinam o texto têm tanto ímpeto para esconder os feitos do imperialismo de verdade e atacar o Irã e a Rússia?

O texto afirma: “embora tenhamos apoiado, desde 2011, a luta de libertação contra o regime de Assad, nunca tivemos ilusões nem demos apoio político às direções do movimento para a sua queda. Agora partilhamos a alegria das massas pela queda da ditadura, mas não despertamos confiança nem damos apoio político ao novo governo liderado por Al Golani. Reconhecemos que o HTS de Al-Golani e outras facções são forças nacionalistas e islâmicas pró-burguesas. A derrubada abriu um processo revolucionário no país em que as massas tentam espontaneamente organizar e punir os assassinos e torturadores do antigo regime. Contudo, os novos governantes de Damasco opõem-se a um aprofundamento deste processo revolucionário e querem construir um regime burguês que seja aceite à mesa das potências imperialistas e regionais. Para fazer isso, Al-Golani tenta pacificar o processo revolucionário e desarmar e desmobilizar as massas.

Depois, o seguinte parágrafo: “denunciamos os partidos “socialistas”, “comunistas” e bolivarianos que apoiaram a ditadura de Assad como uma suposta “força anti-imperialista”, e que agora lamentam a sua queda. Espalharam calúnias contra a queda de Al Assad, alegando ridiculamente que teria sido uma conspiração entre os Estados Unidos e Israel. Estes amigos do imperialismo Russo e dos seus aliados “esquecem-se” que o regime de Assad nunca disparou um único tiro contra o Estado sionista de Israel durante mais de meio século. E se Israel tivesse orquestrado a queda do regime, porque é que o ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel denuncia os novos governantes de Damasco como um “gangue terrorista”? E se os sionistas dariam a bem vinda ao novo governo, porque é que a sua força aérea está lançando centenas de ataques contra alvos civis e militares na Síria para desarmar as forças revolucionárias? Na verdade, o Estado israelita do apartheid teria nitidamente favorecido a continuação da existência do regime de Assad. Não é segredo que ele manteve laços estreitos com o aparelho de inteligência de Assad, como vários meios de comunicação, como o Middle East Eye e até mesmo o reacionário sionista Israel Hayom, relataram recentemente. Será sempre uma vergonha para o estalinismo que os dois partidos “comunistas” sírios tenham feito parte do regime de Assad até ao amargo fim e apoiaram a sua guerra contrarrevolucionária contra o povo sírio desde 2011.”.

Ou seja, em um primeiro momento do texto, quem o escreveu coloca ressalvas sobre o caráter do novo governo sírio, dizendo que não são de confiança, para depois alegar que se o novo governo não merecesse confiança, “Israel” não o teria bombardeado.

Acontece que “Israel” não ataca a Síria por medo do novo governo atualmente, mas com o que pode acontecer no futuro, já que uma parte da população síria pode se rebelar. É por isso que os sionistas destroem as forças militares sírias. Da mesma forma, durante o governo Assad, várias vezes “Israel” bombardeou o país, o que, se fosse parâmetro para se dizer o quão é revolucionário um governo, teria de feito com que as organizações que assinam o texto declarassem Assad como revolucionário.

O texto mostra que quem o escreveu não sabe se deve apoiar o novo governo ou não. Não sabe quais são as forças que estavam em luta na Síria e sua análise se baseia em um modelo pré-concebido, a ideia de que qualquer tipo de manifestação tem de ser apoiada, contra qualquer governo que seja. Não passa de um idealismo sobre a luta política.

O que, exatamente, seria uma calúnia sobre a participação do imperialismo na queda de Assad? Não é verdade que os Estados Unidos tomaram os campos de petróleo, que o imperialismo promoveu uma série de sanções que destruíram a economia síria? Não é verdade que Netaniahu, apoiado por todo o imperialismo de conjunto, comemorou a queda de Assad? Não é verdade que o novo governante sírio, Al Golani, está participando de uma série de entrevistas e programas da imprensa burguesa imperialista? O quê, exatamente, seria mentira em tudo isso?

Não concordamos com aquelas organizações socialistas que, opondo-se à ditadura de Assad, se recusam apoiar a Revolução Síria, uma vez que denunciam a luta entre os rebeldes e o regime como um conflito entre “forças reacionárias” em que os socialistas não podem tomar partido , como se a revolução fosse um mero golpe de Estado que separa a profunda luta popular e democrática de massas iniciada em 2011 do seu resultado: a guerra civil e a ofensiva final dos rebeldes do 27 de novembro a 8 de dezembro de 2024, que foi apoiada e aplaudida por milhões de pessoas nas ruas. Negam erradamente o fato de que a vitória popular contra Assad é uma revolução democrática inacabada que os socialistas precisam de impulsionar no processo de revolução permanente. É dever dos revolucionários apoiar os processos revolucionários, mesmo que tenham um caráter inacabado e limitado, diferenciando-se dos seus direções.

No parágrafo acima, faz-se menção a um certo caráter inacabado da “revolução” na Síria e a necessidade de que os revolucionários de todo o mundo devem apoiar qualquer revolução, ainda que inacabada. Concordamos com o que é dito, isso nada tem a ver com o que se passa na Síria, pois, não se trata de uma revolução.

O caso de uma revolução inacabada se encaixaria em casos como os do Afeganistão, quando expulsou os Estados Unidos do país, o caso da própria Revolução Russa com a subida de Kerenski e tantas outras, mas não é o caso da Síria.

Também, em nosso caso, nunca dissemos que se tratava de uma luta entre duas forças reacionárias. A Síria tinha um governo nacionalista e, se tratando de um país atrasado, esse governo era semi-oprimido e semi-opressor, assim como é o governo de qualquer país da América Latina, da África ou da Ásia, com exceção do Japão, além do Leste Europeu. Já as forças que tomaram o poder na Síria sim são reacionárias por levarem adiante o programa do imperialismo para a região. Nenhuma força no mundo é tão reacionária quanto o imperialismo.

O seguinte ponto do texto também demonstra o quão confusas estão as organizações que o assinaram: “A principal tarefa das massas agora é defender, aprofundar e expandir o processo revolucionário sírio. Deve defender-se contra os ataques contrarrevolucionários dos remanescentes do regime de Assad. Todas as tentativas reacionárias de fomentar o sectarismo e de discriminar as minorias étnicas e religiosas devem ser rejeitadas através da mobilização popular. Da mesma forma, as liberdades democráticas recentemente alcançadas devem ser defendidas contra as medidas autoritárias do novo regime. Para resistir às tentativas do novo governo Al-Golani de sequestrar a revolução, as massas têm de construir as suas próprias organizações independentes, regressando à experiência dos comitês de coordenação dos inícios da revolução de 2011, nos locais de trabalho, bairros e cidades, milícias armadas subordinadas aos referidos conselhos, junto aos sindicatos, associações estudantis, organizações de mulheres, etc. Como socialistas revolucionários, defendemos a formação de um governo da classe trabalhadora e dos sectores populares que nacionalize sectores-chave da economia sob o controle dos trabalhadores e abra o caminho para uma Síria socialista.”.

Quais liberdades democráticas foram conquistadas, exatamente? O texto todo não fala sequer de uma das supostas liberdades democráticas atingidas. Na sequência, o texto pede que a população construa organizações para que a “revolução” não seja sequestrada por Al Golani. Mas a queda de Assad não foi uma conquista das massas, foi uma conquista de mercenários financiados pelos EUA. A população não estava mobilizada e não tende a criar organizações populares.

No sexto parágrafo do texto, vemos uma série de exigências que sequer a própria população síria está fazendo, mas que as organizações que assinaram a nota pensam que seria o melhor para a Síria. Ou seja, por não se tratar de uma revolução de verdade e pelo novo governo não ter o mínimo de interesse de realizar a vontade da população síria, mas sim do imperialismo, a carta tenta exportar algumas reivindicações para a Síria, na tentativa de transformar o que aconteceu em uma revolução de verdade:

Neste caminho devemos apoiar a luta do povo sírio pelas medidas emergenciais promovidas pela mobilização popular. Entre estas medidas está a exigência de julgamento e punição dos torturadores, a criação de condições para o regresso de milhões de refugiados, o pleno direito de protestar e de se organizar política e socialmente, a realização de eleições livres e democráticas, garantindo a plena igualdade das mulheres em todas as áreas da sociedade e reconhecer os direitos das minorias étnicas e nacionais – como o povo curdo – de terem autonomia ou mesmo de um Estado separado, se assim o exigirem, de que os direitos de todas as comunidades religiosas do país sejam respeitados, Entre as medidas urgentes devem incluir a nacionalização sem indemnização de todos os ativos da oligarquia de Al Assad, o cancelamento das dívidas com o Irão e a Rússia – os principais responsáveis ​​pela devastação do país -, a expropriação sem indenização de empresas relacionadas com estes países, a suspensão do pagamento da dívida pública para utilizar esses recursos para satisfazer as necessidades imediatas do povo sírio.” É o que eles querem que aconteça, não o que está acontecendo. Rússia e Irã os principais responsáveis pela destruição da Síria, após o Estado Islâmico, após os EUA tomarem o controle de postos de petróleos sírios e após mais de uma década de pesadas sanções que destruíram a economia síria, enquanto a própria burguesia síria não permitia a modernização de seu exército e o resgate econômico do país pelos russos, chineses e iranianos.”.

Por fim, mais reivindicações, dessa vez, pedindo que o que aconteceu na Síria, ou seja, a vitória do imperialismo em um país, se espalhe para o restante de todo o Oriente Médio:

O destino do processo revolucionário sírio está intimamente ligado às lutas de libertação em todo o Médio Oriente e à emergência de uma alternativa política revolucionária na Síria. Portanto, é essencial que a Revolução Síria se ligue à luta de libertação palestina e declare o seu apoio inequívoco à heroica resistência contra a ocupação sionista. Da mesma forma, precisa chegar às massas oprimidas no Egito, Jordânia, Irã, Turquia e em toda a região e apoiar o seu desejo de liberdade, justiça e dignidade. Abaixo todos os faraós, reis e sultões! Esmagar o Estado Sionista, os porta-aviões do imperialismo na região! Por uma Palestina livre, secular e democrática, do rio ao mar.

No entanto, o governo que ora eles dizem ser revolucionário, ora dizem ser reacionário, já declarou que não tem problema algum com “Israel”. O texto cita o fato de que Assad não entrou em guerra contra “Israel”, mas não liga para o fato de que apesar de Israel ter bombardeado massivamente a Síria, incluindo um possível teste com armas nucleares, o governo da revolução nada fez e não ligou para a anexação do Monte Hermon.

Repare o leitor que o parágrafo também pede que o mesmo se passe no Irã, um país que de fato enfrentou “Israel” e, após dois ataques sionistas israelenses, retaliou com bombardeios no território da Palestina ocupada. Lembre também o leitor que, no mesmo texto, um dos motivos para a necessidade de derrubada de Assad era a de que Assad não teria disparado sequer um tiro contra “Israel”. Ou seja, somente em relação à Síria era necessário atacar “Israel”? Quando Irã o faz, é reacionário e precisa ser derrubado?

Por fim, não há sequer uma nota sobre como a resistência no Líbano, ou seja, o Hesbolá, que impôs três derrotas históricas a “Israel”, sendo a última ainda no ano passado, enfrentará mais dificuldades agora, já que a Síria era uma rota importante na entrega de armas do Irã para o Líbano.

Fica a dúvida sobre como pode ser positivo para a luta contra “Israel”, que o principal partido fora da Palestina na luta contra os sionistas se veja agora com mais dificuldade para conseguir armas para combater os sionistas.

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