O artigo “Dois mitos sobre o cessar-fogo em Gaza”, assinado por Gilbert Achcar, e publicado na International Viewpoint neste 23 de janeiro, é um exemplo de falência política e subserviência ao imperialismo de determinados setores da esquerda, mesmo desse, que se diz filiado à Quarta Internacional de Leon Trótski. Basicamente o que se diz no texto é que os palestinos não deveriam lutar contra os sionistas, o que configura uma enorme capitulação.
No olho da matéria se lê que “Há dois mitos evidentes sobre o cessar-fogo em Gaza que entrou em vigor no último domingo: que foi devido à pressão de Trump sobre Netanyahu e que foi uma vitória alcançada pelo Hamas”. Mas é óbvio que Trump pressionou Netaniahu, não por apreço aos palestinos, mas porque a situação dos sionistas estava insustentável, e principalmente muito cara, acumulando pesadas baixas e a crise se avolumando dentro de “Israel”.
Quanto à vitória do Hamas, basta ver a festa que a população fez com o cessar-fogo e aos ataques que a Autoridade Palestina, serviçal dos sionistas, junto com as forças de ocupação israelenses, estão promovendo na Cisjordânia. Trata-se de uma tentativa desesperada para conter o avanço do Hamas e da Resistência no território. A influência do Hamas há muito tempo ultrapassou Gaza e a repressão é uma prova de que a AP está perdendo completamente sua influência.
Para o autor da matéria, é “claro, a equipe de Trump exerceu pressão real para chegar a uma trégua (que é o nome apropriado para o que começou no domingo), mas o mito está em retratar essa pressão como consistindo em torcer o braço de Netanyahu, a ponto de Trump ser retratado por várias fontes como um herói que alcançaria uma paz justa para o povo palestino”.
Segundo diz, a vitória da Resistência Palestina seria apenas uma trégua, o que dá a entender que os sionistas controlam totalmente a situação. E também não acredita que Trump tenha feito uma grande pressão sobre o primeiro-ministro sionista, mas deveria pensar no porquê de aceitar um acordo que humilha o regime sionista.
Há uma crise aberta no governo, a imprensa israelense diz que essa é a primeira derrota que seu exército sofre. Trump ameaçou parar de mandar armas para “Israel”, o que mudaria a situação de péssima para insustentável.
Gilbert Achcar não acredita que “esse homem, o líder da extrema direita global e um político mergulhado em política reacionária sem fundo, tivesse magicamente, ou talvez divinamente, se transformado em um antissionista e um apoiador do povo palestino”. Mas não é disso que se trata, Trump está preocupado em sustentar essa crise gigantesca em seu governo. Cortou o fluxo de dinheiro e assim a guerra acabou, por que o Hamas conseguiu se impor.
Os sionistas não conseguiram nenhum de seus objetivos em Gaza, sofreu grandes perdas no sul do Líbano e agora tenta avançar na Síria. Mas eles não têm real capacidade de manter essas frentes. Mesmo o cessar-fogo no Líbano está por um fio, devido às milhares de violações que os sionistas vêm praticando.
É preciso colocar em cena também a importante ação dos iemenitas, que além de atacarem a marinha dos EUA no Mar Vermelho, faliu o porto de Eilat e atingiu até mesmo Tel Aviv. Trump sabe que prolongar o conflito em Gaza tem o potencial de deflagrar toda a região, apesar da subserviência dos governos árabes e do Egito.
A matéria diz que “Netaniahu, que visitou Trump em sua mansão na Flórida após sua visita a Washington, prometeu a este último que lhe concederia uma trégua se ele vencesse as eleições”. Mas por que faria isso se um acordo colocaria seu governo em risco? Não faz o menor sentido. E, efetivamente, há enormes rachaduras na base governamental, como a saída de Ben-Gvir.
Pressão contra o Hamas
Tentando aliviar a ameaça que Netaniahu sofreu, Achcar diz que “a imprensa ficou em silêncio, ou quase em silêncio, sobre a pressão real que estava sendo exercida sobre o Hamas através do Egito e do Catar”. Que pressão foi essa? Terá sido maior do que enfrentar a destruição e o assassinato de mulheres e crianças por parte de um exército covarde? Os acontecimentos mostram que o Hamas se preparou para um longo confronto, e foi isso que desgastou o inimigo.
Segundo a matéria, “Todos sabem que este acordo nada mais é do que uma trégua temporária que permitirá a libertação dos reféns civis, e que o exército continuará sua campanha depois disso”. Mesmo que fosse verdade, isso não seria pouco. A população de Gaza pode finalmente receber ajuda, prisioneiros estão sendo libertados, e a face genocida do sionismo ficou escancarada para o mundo.
“Israel” investiu durante décadas na propaganda, comprou e treinou jornalistas, investiu em publicações, no cinema, utilizou o Holocausto, o identitarismo, e tudo isso se perdeu.
Para os pseudo-trotskistas do International Viewpoint, era melhor não ter lutado, pois “todos sabem que este acordo nada mais é do que uma trégua temporária que permitirá a libertação dos reféns civis, e que o exército continuará sua campanha depois disso”. Seria preferível que a população de Gaza baixasse a cabeça e aceitasse tranquilamente a vida em um campo de concentração. Felizmente, o povo palestino tem dignidade e não pensa assim.
Crítico da Resistência
Segundo o International Viewpoint, o segundo mito seria “retratar a ‘trégua’ atual como uma grande vitória alcançada pelo Hamas”. Vitória que a imprensa sionista e crise no governo comprovam.
A crítica à Resistência confirma a covardia e cegueira desse grupo de esquerda, que diz que “o movimento emitiu um comunicado à imprensa no qual afirmou: ‘A Batalha de Al-Aqsa Flood nos aproximou do fim da ocupação, da libertação e do retorno, se Deus quiser’. Este é um novo exemplo do pensamento mágico irracional que acompanhou a operação de 7 de outubro de 2023”.
Chamar de irracionalidade a operação Dilúvio de Al-Aqsa é digna dos piores sionistas. E é claro que é uma aproximação da libertação do povo palestino, é o início de uma revolução, de uma insurreição, pois um povo resolveu enfrentar não apenas os sionistas, mas todo o imperialismo, que financiou, armou, e efetivamente participou dos ataques contra Gaza.
A culpa é do Hamas
Falando em irracionalidade, o autor da matéria que Dilúvio de Al-Aqsa “levou ao colapso dos aliados do Hamas no ‘Eixo da Resistência’: o Hesbolá recebeu um golpe decisivo no Líbano, o regime de Assad entrou em colapso na Síria e o regime iraniano ficou aterrorizado”.
Fica difícil de saber qual teria sido o tal “golpe decisivo” que o Hesbolá tenha recebido, sendo que os sionistas estavam tomando a terceira surra, como as de 2000 e 2006, e foi foram obrigados a logo aceitar um cessar-fogo. O colapso de Assad não é obra do Hamas e regime iraniano estão tão “aterrorizado”, que fez o imperialismo gastar US$ 1,3 bilhão para tentar proteger “Israel” de seus bombardeios retaliatórios.
Apesar do estrago evidente que os iemenitas promoveram contra “Israel” e forças imperialistas, Gilbert Achcar trata isso como uma “fanfarronada árabe”.
Fechando o artigo, Gilbert Achcar diz que “diante dessa enorme catástrofe, para qualquer um alegar que o que aconteceu é uma vitória para o povo da Palestina que os trouxe ‘mais perto do fim da ocupação, libertação e retorno’ é mais do que um absurdo, uma manifestação de falta de vergonha e decência”.
Na verdade, lendo seu artigo, ficamos cientes de que Gilbert Achcar não tem autoridade para falar em vergonha e decência. Ele propõe que o povo palestino se ajoelhe diante dos carrascos porque estes podem provocar destruição. Mas é justamente aí que reside a diferença entre os palestinos e o senhor Achcar. Eles têm vergonha, decência, e por isso lutam.