No universo literário, o que conta é o quanto o autor vai gerar de lucro para a empresa. Ponto. O resto é muito menos importante. Não acredito quer qualquer autor seja desmerecido apenas por ser “negro”, gay, asiático, trans, mulher, etc. Estes escritores são desmerecidos quando suas vendas não são do agrado de quem enxerga no livro a possibilidade de gerar dividendos; essa é a regra do sistema no qual estamos inseridos. Se isso não fosse verdade, jogadores de futebol, sambistas, porta-bandeiras, e demais posições sociais marcadamente ocupadas por negros seriam objeto de discriminação. O mesmo com estilistas de moda e cabeleireiros no mundo gay. Por que aqui o racismo e a homofobia não funcionam? Conseguem imaginar no Brasil a torcida de um clube de futebol se manifestando contra a contratação de um ídolo de pele escura?
Na verdade, estes personagens – jogadores, mulheres, cabeleireiros, sambistas – que pertencem às “minorias” até são discriminados nos campos em que atuam, mas com uma forma positiva de discriminação – até as mulheres. Em profissões historicamente femininas, como educadoras e enfermeiras, mulheres têm clara vantagem sobre os homens nas escolhas. Quando eu advoguei em nome do direito de homens serem “doulas” (auxiliares de mulheres durante o parto) fui duramente atacado por identitárias que acreditavam que o parto e seus cuidados eram um terreno restrito às mulheres. Sim, e fui cancelado duramente por falar em nome da… diversidade. Desta forma, não acredito num racismo que se sobreponha os cânones do capitalismo; não faz sentido e não se observa na realidade à nossa volta. Por isso eu digo: o racismo – que realmente existe e machuca – é o filho dileto da sociedade de classes e da propriedade privada. Qualquer tentativa de atacar o racismo com mensagens moralistas ao estilo “somos todos iguais” se choca com o real da economia, onde as populações negras são condenadas a viver em uma sociedade que as excluiu em função da escravidão a que foram submetidas a algumas poucas décadas.
Vejo como justa a reclamação sobre as “panelas”, mas permitam que eu diga que não há absolutamente nada no universo da literatura que não exista em qualquer outro campo de ação humana. Durante mais de 40 anos transitei no ambiente da Medicina e posso lhe afirmar que pouca coisa é tão cheia de favorecimentos injustos e até ilícitos quanto as posições de poder conquistadas pelos médicos através dos hospitais, clínicas, Academia, corporações médicas e suas associações. Sempre que eu vejo uma pessoa do povo elogiando um profissional da Medicina dizendo ser ele “um grande médico” pode ter certeza que o doutor foi colocado nessa posição no imaginário popular por forças bastante distantes da qualidade do seu trabalho e dos resultados de sua ação. Como qualquer outra atividade humana, a rede de contatos, as facilidades de acesso, o sobrenome, os recursos financeiros, a sedução e as portas que são deixadas abertas são os mais valiosos elementos para garantir o sucesso; o talento pessoal, apesar de não ser desprezível, ocupa uma posição bastante tímida nesse contexto.
Por fim, acredito que a reclamação contra os preconceitos faz sentido; entretanto, a ideia de que existem preconceitos raciais, de gênero, de orientação sexual ou de origem que sejam tão ou mais importantes que o poder financeiro – a ponto de se tornarem superiores aos mandamentos primeiros do capitalismo – é um exagero. Nenhum editor recusaria as “Memórias do Neymar” ou se negaria a produzir um filme sobre “Liberace” baseado em suas posturas racistas ou homofóbicas. O que manda em nossa sociedade ainda é o dinheiro, e aqueles que o controlam. Inobstante carregarem seus preconceitos pessoais, se preocupam primeiramente em manter seus bolsos recheados, mesmo que às custas de explorar a arte e o talento de mulheres, negros, gays, etc.