Esquerda brasileira

Quem critica o Plano Haddad é de direita?

Não criticar a frente ampla e a política direitista adotada pelo governo é o que realmente impulsiona a direita

No artigo A imagem de Lula, publicado no portal de esquerda Brasil 247 no último dia 3, o sociólogo petista Emir Sader traz a tese de que “quem ataca o Lula, por uma ou outra razão, faz o jogo da direita, queira ou não”. Segundo o sociólogo, “a polarização no país ficou restrita àquela entre a direita e a extrema direita, de um lado, e o PT, do lado da esquerda”, razão pela qual, por exemplo, quem critica o Plano Haddad e reivindica que a política econômica do governo pare de organizar o arrocho contra os trabalhadores, seria direitista. Será?

Partindo do fundo social da batalha política em curso, devemos lembrar que a direita é o campo da reação da classe dominante contra os interesses progressistas das classes oprimidas, em especial a mais importante de todas: o proletariado. Essa consideração deve ser feita para não perdermos de vista o fato de que a luta entre direita e esquerda é real, tem substância, não se deve a uma mera disputa entre indivíduos ou grupos, mas de estruturas sociais com interesses antagônicos.

Isso dito, quando o digníssimo ministro da Fazenda Fernando Haddad vai à Folha de S. Paulo (um dos principais órgãos de imprensa do imperialismo no País) dizer que “é legítimo considerar com seriedade” as preocupações da “Faria Lima”, o que ele está fazendo é defender os interesses dos banqueiros (a “Faria Lima”) e não apenas isso, mas sem nenhuma vergonha, diga-se de passagem. Os banqueiros, não devemos esquecer, são parte do setor mais poderoso da burguesia, a classe dominante da sociedade capitalista, politicamente representada pelos partidos de direita. À luz desse fato, quem está fazendo “o jogo da direita”, quem defende políticas dedicadas a preservar os privilégios de seu setor mais poderoso ou quem critica isso?

O plano de Sader é colocar na defensiva quem aponta essa contradição do governo Lula, eleito pelos trabalhadores para atendê-los, mas que em mais de três anos no Palácio do Planalto (sede do governo federal), não fez outra coisa além de tentar se equilibrar entre atender o setor mais poderoso da burguesia (o imperialismo) e não se queimar demais com sua base social de apoio, o proletariado brasileiro. Dada a impossibilidade de se unir raposas e galinhas sem que as últimas acabem severamente prejudicadas, o resultado lógico apareceu na forma de uma queda brusca, acentuada e constante nas avaliações do governo Lula medidos pelos institutos de pesquisa da burguesia, que se bem não merecem muito crédito pelo que dizem de fato, devem ser considerados como um aviso de que o Planalto está cada vez mais fraco.

Para o acadêmico pequeno-burguês, porém, não é lógico que os problemas oriundos do governo fazer o jogo da direita sejam os responsáveis pela perda de apoio popular. Longe disso, Sader considera que o governo faz “um bom governo”, tornando um “enigma” o derretimento da avaliação da população a Lula. Eis sua avaliação:

“O PT faz um bom governo, mas não tem conseguido que isso se reflita na opinião pública. Embora o Bolsonaro esteja derrotado, o bolsonarismo sobrevive, com um apoio difícil de compreender, dado que o governo deles não deixou nenhuma herança positiva no país.

É o maior enigma que é necessário compreender. É certo que se forjou um forte sentimento anti-Estado e antipolítica, que termina recaindo sobre o PT, por ter o governo e por se valer do Estado para implementar suas políticas.

O desgaste da imagem do Lula provém daí. Ele é o presidente, representa a política e o Estado diante da sociedade. Resta ainda a sistemática campanha anterior de acusações – todas infundadas – de vinculação do PT à corrupção.”

Ora, faz um bom governo para quem? Para uma pequena burguesia ávida por cargos, certamente, para a classe dominante, se bem não é o governo dos sonhos, estão ganhando muito a política de Haddad, Tebet, Alckmin e Galípolo. Para os dois terços da classe trabalhadora que não estão verdadeiramente empregados, porém, a história é outra.

Sem um emprego formal, com o custo de vida disparando, os impostos crescendo e as constantes tentativas da equipe econômica de assaltar ainda mais o bolso dos trabalhadores, não deveria ser nenhum “enigma” o fato de a maior da população desaprovar o governo. Enigma mesmo é onde Sader está vendo esse “bom governo” que dezenas de milhões de brasileiros não estão vivendo

Não é preciso recorrer a explicações transcendentais mirabolantes para explicar o enfraquecimento do governo. Tampouco existe “sentimento anti-Estado e antipolítica” que prospere quando o padrão de vida da população melhora de fato. Acusações de corrupção (infundadas ou não) não impediram o presidente Lula de se reeleger em 2006 e nem de terminar seu último mandato com mais de 80% de aprovação, porque a melhora do padrão de vida era real.

Como ensinou o norte-americano James Carville,”é a economia, estúpido” e não um abstrato “sentimento” o que leva os trabalhadores a avaliarem um determinado governo, porque esse é o campo fundamental onde os interesses de cada classe social afloram. Quando Haddad aparece taxando tudo, cortando gastos sociais e pendido sensibilidade com os banqueiros, quando Tebet antecipa que para 2027, os cortes serão ainda maiores e enquanto Galípolo eleva a taxa básica de juros para a estratosfera, fazendo o Brasil ter o maior juro real do planeta, não é um “sentimento” o que eles estão atendendo, mas os interesses dos banqueiros, fazendo assim o jogo da direita.

Criticar a equipe econômica e as demais medidas destinadas a agradar a base social da direita é justamente o que precisa ser feito para que o governo mude a trajetória, atenda sua base operária e supere a crise. Quando um petista como Sader se dedica a criticar não a política direitista adotada pelo governo, mas os críticos dela e da frente ampla – política de aliança com o imperialismo responsável por essa catástrofe -, o acadêmico também está “fazendo o jogo da direita”.

 

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