Oriente Próximo

Queda de Assad foi um desastre para Erdogan

Orquestrada pela Turquia para resolver a instabilidade na fronteira, a ascensão do HTS em Damasco acabou virando o principal fator de desordem para o governo turco

A derrubada do governo sírio de Bashar al Assad, consumada por um golpe de Estado que entregou o poder às forças mercenárias do HTS – organização vinculada ao Estado Islâmico, produto direto do imperialismo –, revelou-se uma catástrofe para o presidente turco Recep Tayyip Erdogan. O que a Turquia imaginava ser um passo rumo ao controle regional transformou-se num atoleiro de proporções imprevisíveis. O imperialismo e seu enclave na região – a ditadura sionista de “Israel” -, avançam sem freios, enquanto Erdogan assiste um desenrolar imprevisto no país árabe, ameaçando a própria estabilidade do regime turco.

Esse desfecho na Síria surpreendeu pela rapidez e pela confusão que gerou. Sustentado pela Turquia, o HTS assumiu o comando em Damasco, mas a vitória foi uma miragem. Erdogan planejava utilizar esse grupo para neutralizar as milícias curdas na fronteira e afirmar a influência turca na região. O resultado, porém, foi desastroso.

Apoiados pelo governo dos Estados Unidos, os curdos mantêm-se firmes, com bases militares norte-americanas garantindo sua posição. A ditadura sionista de Benjamin Netaniahu, fiel ao imperialismo, intensificou sua ofensiva, atacando alvos na Síria e no Líbano na última terça-feira (1º) com violência escancarada, evidenciando que a Turquia perdeu as rédeas da situação.

A fronteira entre a Turquia e a Síria, há tempos uma região de alta tensão, tornou-se o ponto fraco de Erdogan. Ele investiu numa política ousada, armando o HTS para derrubar Assad e tentar estabilizar a área, mas o plano desandou. O imperialismo, com os curdos e o enclave imperialista de “Israel” como aliados, domina grande parte do cenário.

Agora no poder, o HTS revela uma força frágil, pressionada por todos os lados: enfrenta a resistência ligada ao governo anterior, a hostilidade disfarçada dos Estados Unidos e a agressão direta de “Israel”. O governo russo, que mantém sua base em Hmeymim, pode até se alinhar ao HTS contra os curdos e o imperialismo, mas essa possibilidade só reforça o quanto a Turquia está encurralada.

Erdogan cometeu um erro de cálculo gravíssimo. A Turquia, já às voltas com uma economia em crise e um povo propenso a uma insatisfação capaz de evoluir para uma rebelião aberta, não tem condições de bancar um conflito prolongado.

Se o HTS entrar em confronto com os curdos ou com as forças sustentadas pelos Estados Unidos, o governo turco terá de escolher entre mergulhar em uma guerra de grande escala – enfrentando potências que não hesitarão em retaliar – ou recuar, expondo sua fraqueza. Na atual conjuntura crítica, o recuo poderia animar a agitação curda e provocar até mesmo a perda de porções do território turco, um desfecho mais extremo, mas de maneira nenhuma fora dos planos do imperialismo.

A ditadura imperialista, por sua vez, colhe os frutos dessa bagunça. O governo norte-americano – que o presidente Donald Trump prometeu livrar das guerras intermináveis -, está atolado na Síria. O país artificial de “Israel”, executor dos interesses imperialistas na região, ocupa áreas do território sírio e bombardeia o país árabe sem cerimônia, como fez no último dia 31 próximo a Damasco.

O Hesbolá, mesmo após a perda de Hassan Nasseralá, resiste no Líbano, mas não altera o domínio imperialista. Erdogan, que almejava ser o grande protagonista, foi reduzido a um equilibrista em uma situação onde a ofensiva está do lado de seus inimigos nos EUA, na Europa e “Israel”.

O mais irônico é que a queda de Assad, orquestrada pela Turquia para resolver a instabilidade na fronteira, acabou virando o principal fator de desordem para o governo Erdogan. Dependente do apoio turco, o HTS não tem força para governar ou enfrentar seus adversários.

O governo russo, que permaneceu na Síria a pedido do HTS, agora se torna fundamental para a sobrevivência de Erdogan. Enquanto isso, os curdos, com o respaldo dos Estados Unidos, seguem como uma ameaça constante. Se a Turquia insistir em combatê-los, pode perder terreno ou ver sua unidade nacional abalada – um preço que Erdogan não imaginava pagar.

A crise síria é uma bomba prestes a explodir nas mãos da Turquia. Se o conflito ganhar corpo, a pressão interna no país vai atingir níveis insustentáveis, agravando uma situação já delicada. Erdogan, que se apresentava como um líder astuto, agora colhe o fracasso de uma aposta arriscada.

A derrubada de Assad, que ele viu como um trunfo, transformou-se no estopim de sua desgraça. Enquanto o HTS vacila e o imperialismo avança, a Turquia paga caro por uma política que prometia glória, mas agora, ameaça entregar apenas a ruína.

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