No último dia 27 de outubro, Emir Sader publicou uma coluna no sítio Brasil 247 intitulada: “Aventuras e desventuras da esquerda na América Latina” na qual tenta traçar um paralelo entre as diferenças da esquerda no Brasil e na Argentina.
O texto se inicia com:
“Depois que o continente teve uma década plenamente neoliberal, no fim do século passado, passou a viver um período dominado pelo antineoliberalismo. A esquerda passou a protagonizar a história do nosso continente, até projetando os mais importantes líderes políticos deste século no mundo.”
Fica um pouco confuso, pois, não dá para saber a qual década ele se refere. Da maneira como Sader fala em seu texto, dá a entender que está falando da década de 90 e da chamada “Onda Rosa” que se seguiu à primeira onda neoliberal na região. Se for isso, o artigo esquece de citar os golpes de Estado que deram fim a essa onda de governos nacionalistas. Se não, uma outra hipótese é que se refira ao período de tempo mais ou menos entre 2016 (ano do golpe contra Dilma) e o ano atual.
De qualquer forma, ele aponta para dois exemplos dentro da esquerda latino-americana na política atual, um de sucesso e outro de fracasso. O exemplo de sucesso seria o da esquerda brasileira, com Lula no governo novamente:
“A esquerda brasileira é um caso de experiência que está dando certo, depois dos tropeços que o país teve. O diferencial mais importante do Brasil é a existência do PT e do Lula. Foi uma esquerda que, primeiro, criticou Getúlio, depois soube reconhecer os avanços dele, mas com relativa distância.”.
Ele então passa a comentar sobre como a esquerda entendia Getúlio Vargas, com a tentativa de Brizola de “retomar o getulismo”. Não entraremos nisso neste texto. Ele continua com o seguinte:
“Em primeiro lugar, o núcleo central da classe operária se havia deslocado das estatais, no Rio de Janeiro, para São Paulo, com a nova geração da classe operária, procedente do Nordeste – da qual fazia parte Lula –, que deu origem ao PT. Brizola nunca entendeu o PT, chegou a se aliar a gente de direita, no fim da vida, em oposição ao PT.
O PT soube se renovar, se adaptar aos tempos novos, e Lula foi fundamental nesse processo. Ele se deu conta, por exemplo, da importância do controle da inflação e a incorporou a seu governo.
O PT e Lula nunca foram getulistas. A direita explora sempre um certo antipetismo, mas que não impediu as várias vitórias do partido e de Lula.”
O texto se torna muito confuso. Tudo bem, a classe operária se desenvolveu muito em São Paulo durante o século passado, construindo uma metrópole com mais de 20 milhões de habitantes.
No entanto, por que a política atual do PT estaria sendo vitoriosa? Ele cita como exemplo o fato de que o PT passou a se preocupar com a inflação nesse período, algo parecido com os elogios que o governo recebe pelos índices econômicos que a burguesia utiliza.
No entanto, é necessário pontuar que, embora a inflação seja um dos principais males para os trabalhadores, o aumento inflacionário pode, dependendo do caso, indicar um certo desenvolvimento do país. Uma das principais causas de pânico da inflação por parte dos bancos, por exemplo, é que ela demonstra a necessidade de produzir mais no país.
Um país com uma produção que dê conta de todos os anseios da população, com bom escoamento de produtos, poderia acabar impedindo o aumento da inflação por outros meios que não os utilizados pela burguesia de hoje, que foca em diminuir os salários e aumentar o desemprego para, dessa forma, forçar a população a não gastar e, assim, diminuir a inflação às custas da fome do povo.
O que Sader parece estar querendo dizer é que o PT e o governo Lula se beneficiam de uma política pragmática, aceitando a cartilha econômica da burguesia em uma série de aspectos, como, por exemplo, o da inflação, para pelo menos garantir o governo e conseguir manobrar, conseguindo algumas poucas migalhas da burguesia.
O exemplo oposto apresentado por Sader, seria o da esquerda argentina:
“A esquerda argentina contemporânea, com razões, incorporou-se ao peronismo, no kirchnerismo. Mas essa incorporação tem um ônus e um bônus. Tiveram incorporado, ao mesmo tempo, a rejeição do peronismo, que é bem maior do que a rejeição ao petismo. Cristina Kirchner, por exemplo, apresenta 30% de apoio e 30% de rejeição nas pesquisas.
A surpreendente vitória de Javier Milei foi produto, entre outras coisas, da retomada do fantasma do suposto risco do retorno do peronismo. Da mesma forma que sua eleição foi produto também dessa exploração contra o candidato peronista – que ao mesmo tempo havia sido o ministro da Economia com uma inflação descomunal.”
Sader, no entanto, não explica por que a esquerda argentina seria, hoje, um mau exemplo de política a ser seguida. Sua base de comparação com o PT no Brasil se daria somente pelo distanciamento em relação aos principais governos nacionalistas do século passado, além do fato de que o PT teria aceitado falar sobre o controle da inflação.
É verdade, porém, que o PT se desenvolveu de forma diferente e superior em relação ao kirchnerismo argentino levando em conta que fundou um partido com características muito mais à esquerda do que o peronismo atual.
No entanto, a política da esquerda argentina não se diferencia muito da política atual do PT em uma série de aspectos.
Por exemplo: no Brasil, uma parte considerável do PT abdicou da luta contra o Mensalão, contra a Lava-Jato e contra o golpe de 2016. Diante das eleições de 2018, o PT se negou a demonstrar como as eleições eram uma fraude por não permitirem a candidatura de Lula e acabou lançando Haddad que, derrotado por Bolsonaro, deu respaldo às eleições e confundiu a cabeça de toda a esquerda. Durante o governo bolsonarista, o partido não entrou na luta pelo “Fora Bolsonaro”, nem se preocupou em exigir a liberdade de Lula. Quando o governo de Bolsonaro já desmoronava por conta da pandemia e da mobilização crescente pelo “Fora Bolsonaro”, encabeçada principalmente pelo PCO e pelos Comitês de Luta, o PT passou a participar da mobilização pedindo por coisas vagas, como a “democracia” e fazendo campanha pela frente ampla, resultando no governo atual.
Esse último ponto, o das eleições de 2022, curiosamente, apesar de permitir que uma parcela da direita sequestrasse o governo com a frente ampla, foi um dos poucos momentos em que a esquerda de fato saiu às ruas e começou uma mobilização. Porém, a burguesia acabou pressionando o governo cada vez mais à direita e a mobilização se desfez.
Por parte da esquerda argentina, temos muitos pontos similares. A esquerda não combateu nas ruas o golpe de Estado que vinha se gestando com a candidatura de Macri. Depois de seu governo, ao invés de tentar um novo governo de Cristina Kirchner, a grande liderança nacionalista no país hoje, aceitou entrar em uma frente popular parecida com a frente ampla no Brasil, mas tendo Cristina como vice.
A situação é, realmente, confusa, pois o Peronismo é um setor muito grande na Argentina, englobando setores que vão da chamada extrema esquerda até a dita extrema direita, com nacionalistas e neoliberais convivendo em um mesmo partido e reivindicando o passado de Perón.
O governo fraquíssimo de Fernandes com Cristina como vice levou à derrota nas eleições seguintes, no final de 2023, quando Javier Milei se elegeu derrotando o candidato do peronismo.
O que vemos entre as duas esquerdas, brasileira e argentina, assim como a esquerda de outros países da América Latina, é que diante da pressão da burguesia nacional e do imperialismo, ela cede em pontos vitais, o que prepara o caminho para a derrota dos trabalhadores.
Diante do fraco governo, atualmente, Lula opta por fazer uma política que agrade a setores do imperialismo, de olho nas eleições do ano que vem. Tem levado adiante uma política de censura na internet, tem capitulado diante das situações na Palestina e na Venezuela e não tem conseguido fazer praticamente nada que agrade os trabalhadores.
No entanto, nunca é tarde para mudar. Vencer as eleições com a política atual, na melhor das hipóteses, permitirá um governo de quatro anos sem fruto algum para o Brasil e para os trabalhadores, resultando em uma derrota em 2030.
É necessário que o PT reavalie o caminho que deseja seguir e passe a ter uma política mais próxima da população, não levando em conta os interesses do imperialismo. Essa é, inclusive, uma receita que poderia ser seguida por outros movimentos parecidos com o PT na região, já que é evidente que o imperialismo já não tolera governos minimamente nacionalistas.





