Nos últimos dias, tem circulado em grupos de WhatsApp uma carta aberta assinada pelo advogado membro do grupo de juristas Prerrogativas Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como “Kakay”, e dirigida ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na carta, Kakay se queixa de um suposto autoisolamento do presidente, acreditando que esta seria uma característica distinta dos mandatos anteriores liderados pelo petista.
Desde o início da carta, Kakay procura se mostrar como um admirador de Lula. Isto é, procura apresentar que o seu objetivo seria o de ajudar o governo em dificuldade, e não aprofundar a sua crise.
Kakay acaba mostrando mais que admiração pelo presidente. Em determinado momento, ele demonstra concordar com a tese do Partido dos Trabalhadores (PT) de que Lula teria “derrotado o fascismo” ao vencer Jair Bolsonaro (PL) em 2022:
“Neste atual governo, Lula fez o que de melhor podia ao enfrentar Bolsonaro e ganhar do fascismo, impedindo que tivéssemos mais 4 anos de Bolsonaro. Seria o fim da democracia. Seriam destruídas, de maneira irrecuperável, tudo que foi construído nos governos democráticos, não só do PT.”
Essa tese, que não tem amparo na realidade, tem sido utilizada amplamente para a defesa da política de “frente ampla” de Lula com a burguesia golpista. O acordo de Kakay com essa política fica expressa no trecho acima, que apresenta uma concordância implícita com a política levada adiante pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e no trecho abaixo:
“O fascismo acaba com tudo. Este o maior legado do Lula. Para tanto, foi necessário, senão não teríamos ganhado, fazer uma aliança ampla demais. Só o Lula conseguiria unir e fazer este amplo arco para derrotar Bolsonaro.”
A política de “frente ampla”, por sua vez, é justamente o principal motivo da crise do governo Lula. Que Kakay seja incapaz de reconhecê-lo apenas revela que ele mesmo está completamente desorientado acerca do que levou o governo a atual situação, na qual sua própria reeleição está sob sério risco.
Desde o primeiro dia do governo, já estava claro que o governo Lula era um governo fraco. O entorno do presidente, no entanto, preferiu ignorar a realidade. Preferiu ignorar que a eleição foi vencida por uma margem de apenas dois milhões de votos, preferiu ignorar que a direita venceu a maioria dos cargos legislativos, preferiu ignorar que a extrema direita vem crescendo exponencialmente em todo o mundo ao longo dos anos.
O PT preferiu acreditar – ou, ao menos, tentar fazer os outros acreditar – que a vitória eleitoral seria suficiente para dominar a situação política, mesmo o mundo se encaminhando para uma crise que inevitavelmente levará a uma grande guerra mundial.
Nessas circunstâncias, havia duas possibilidades para o governo. A primeira era adotar uma política semelhante à do chavismo na Venezuela: apoiar-se na mobilização das massas para conseguir levar adiante uma política de desenvolvimento nacional. A segunda seria capitular diante da pressão dos banqueiros e adotar um programa contrário ao que prometeu nas eleições.
Não há dúvida sobre o que aconteceu. O governo sucumbiu à pressão do imperialismo e dos banqueiros na questão econômica e começou a praticar uma política desvairada. Lula apostou que conseguiria sustentar o seu governo fazendo concessões à direita na economia e no aparato repressivo e viu o seu governo se desmoralizar de maneira inacreditável.
Como Kakay é simpático à ideia da “frente ampla”, é incapaz de fazer a crítica certa ao governo. Por isso, faz do aspecto central de sua carta uma denúncia que, mesmo na eventualidade de ser verdadeira, é absolutamente secundária para a crise do governo:
“Mas o Lula do 3° mandato, por circunstâncias diversas, políticas e principalmente pessoais, é outro. Não faz política. Está isolado. Capturado. Não tem, ao seu lado, pessoas com capacidade de falar o que ele teria que ouvir. Não recebe mais os velhos amigos políticos e perdeu o que tinha de melhor: sua inigualável capacidade de seduzir, de ouvir, de olhar a cena política. Outro dia, alguns políticos me confidenciaram que não conseguem falar com o presidente. É outro Lula que está governando. Com a extrema direita crescendo no mundo e , evidentemente aqui no Brasil, o quadro é muito preocupante. Sem termos o Lula que conhecíamos como presidente e sem ele ter um grupo que ele tinha ao seu redor, corremos o risco do que parecia impossível: perdermos as eleições em 2026.”
É possível – e até provável que haja algum grau de isolamento voluntário por parte do governo. Afinal, a sua política demonstra uma total perda de capacidade de compreender as necessidades das massas. A crise do Pix é um reflexo disso.
Ainda que haja esse isolamento, ele não é novidade, nem explica o problema do governo. A única forma de superar a crise é por meio de uma ruptura com a atual política de submissão aos inimigos dos trabalhadores, de modo a evitar a sua desmoralização perante as massas.