Depois ser linchado pela imprensa tradicional e pela esquerda pequeno burguesa, Daniel Alves teve sua condenação por estupro anulada em sede de recurso. Sua nova defesa foi analisada por uma corte com a participação de três mulheres que anularam a sentença anterior, por haver, no primeiro julgamento, “série de lacunas, imprecisões, incoerências e contradições quanto aos fatos, à avaliação jurídica e suas consequências”.
Naturalmente a esquerda pequeno burguesa enlouqueceu novamente, e, na nova onda carcerária, quer a anulação da última decisão da justiça no caso Daniel Alves, como o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), que se diz revolucionário.
Segundo o PSTU, é preciso anular a sentença do caso Daniel Alves, pois se trata da “justiça burguesa que protege estupradores”, e a Secretaria Nacional de Mulheres do partido “repudia com indignação a decisão da Justiça do Estado Espanhol que anulou a sentença em primeira instância do ex-jogador Daniel Alves pelo crime de estupro”.
O curioso é que quando se pediu a prisão de Daniel Alves ninguém levantou a hipótese da “justiça burguesa”, e quando o jogador foi condenado pela primeira vez, a esquerda pequeno-burguesa fez festa. Como esta fazendo no caso Jair Bolsonaro, que está sendo julgado de maneira farsesca pela justiça burguesa do Supremo Tribunal Federal (STF).
A tese da “justiça burguesa” permite esconder, na verdade, que o partido assumiu uma perspectiva repressiva que tem sido a política imperialista para a esquerda do mundo todo. E o pretexto para isso é a defesa da mulher, do negro, etc.
“Num momento em que a violência machista e os estupros aumentam, e as mulheres são deixadas à própria sorte, essa decisão envia uma mensagem nítida de que os agressores podem contar com a impunidade, desde que tenham dinheiro e influência”.
Em primeiro lugar, a existência do crime do estupro, ou de qualquer outro crime, não reduz a prática delitiva. Do contrário, bastava condenar as pessoas à pena de morte por qualquer crime que fosse, que o crime parava de acontecer. Todas as condutas delitivas somente aumentam, e quanto mais crimes, mais criminosos, e mais cadeias e penitenciárias.
Uma esquerda democrática (nem precisa ser revolucionária) tende a defender a despenalização das condutas, deveria defender redução da atuação do poder repressivo sobre a ação das pessoas, menos penas, menos crimes.
Por outro lado, ninguém viu o processo de Daniel Alves, absolutamente ninguém. A esquerda emite opinião sem saber o que de fato aconteceu. É o mesmo processo que está sendo adotado com Jair Bolsonaro. Escolhe-se um vilão e depois vão localizar as provas.
O PSTU, repetindo a ladainha da esquerda ongueira diz que “mais uma vez, a palavra da mulher foi desacreditada, mesmo quando ela seguiu todos os trâmites legais: denunciou imediatamente, chamou a polícia, realizou exames que comprovaram a violência e, inicialmente, a Justiça reconheceu o crime”.
O partido afirma isso sem conhecimento de causa, pois não foi assim que as coisas aconteceram. E não houve provas o suficiente, segundo a justiça recursal, para que se mantivesse a sentença de Daniel Alves, e essa é a realidade que se tem, nem mais, nem menos. A histeria penal da esquerda não vai ajudar a melhorar a situação da mulher na sociedade.
As juízas do Tribunal Superior de Justiça da Catalunha consideraram que houve “falta de fiabilidade” no depoimento da vítima. Segundo a última decisão no caso Daniel Alves, as juízas consideraram que não compartilha o “raciocínio da primeira instância. O fato de a denunciante apresentar um relato objetivamente discordante da realidade afeta de maneira muito significativa a análise da confiabilidade de seu depoimento como testemunha”, a realidade, eram vídeos nos quais a denunciante apareceu “dançando com o acusado da mesma forma que qualquer outra pessoa que estivesse disposta a se divertir (…) com o propósito de estar com o acusado em um espaço mais íntimo”.
A decisão afirma que isso não quer dizer que o estupro não tenha ocorrido, mas argumentam que a versão da acusação não pôde ser comprovada com base nas provas apresentadas no processo. A verdade é que (ninguém vai falar isso) existe toda uma gama de serviços sexuais para jogadores de futebol, e as boates que eles frequentam são verdadeiros bordéis de luxo, onde os dois, autor e vítima, estavam. No caso dela, não é difícil notar a figura antiga da “maria chuteira”, algo muito comum no meio futebolístico. Deduzir o contrário é que é escandaloso.
Além disso, o texto do PSTU fala que “o tribunal burguês decide que ‘não há provas suficientes’ para a condenação”. Ora, então quando um tribunal burguês decide pela absolvição de alguém, a sentença tem que ser anulada? Seria torcer, sempre, pela condenação de todas as pessoas que supostamente cometeram crime. A política do PSTU é abertamente repressiva.
E a matéria entrega um detalhe interessante: “É revoltante que, mesmo com um tribunal majoritariamente feminino, a decisão tenha sido pela absolvição”. Ou seja, por serem mulheres, as juízas deveriam condenar Daniel Alves. Não analisar provas e outras questões, mas instaurar uma inquisição entre os sexos.
“Isso prova que não basta ter mulheres em cargos de poder”, de fato, não basta e, no geral, é até ruim, pois o sistema utiliza negros e mulheres em cargos de poder para fazer as maiores atrocidades contra o povo.
“Daniel Alves, um homem rico e famoso, já cumpria pena em liberdade provisória, um privilégio praticamente inacessível para a classe trabalhadora. Enquanto isso, a vítima sofre as consequências, e a sociedade recebe a mensagem de que o capital compra até a inocência”.
O problema aqui não é acabar com os privilégios de Daniel Alves (inclusive sua defesa, que, era uma advogada), mas estendê-los para o restante do povo. Os direitos democráticos (como o duplo grau de jurisdição) devem ser de todo o povo. Também por isso o que acontece com os participantes do 8 de janeiro, no que chamam de tentativa de golpe, é uma arbitrariedade completa. Todos deveriam ser julgados pela primeira instância, não pelo STF.
“Esse caso escancara como as leis, mesmo quando conquistadas pela luta das mulheres, são distorcidas para beneficiar a burguesia”. No caso a lei não beneficiou a burguesia, a lei aplicada pelas juízas, beneficiou um jogador de futebol, rico, com certeza, mas não é a burguesia.
“Não há reformas que mudem a essência dessa Justiça burguesa, que sempre prioriza os interesses dos poderosos”. Se é assim, a luta pela “anulação” do julgamento de Daniel Alves é uma farsa.
“Chamamos o conjunto das trabalhadoras e trabalhadores, sindicatos e movimentos sociais a se posicionarem contra essa decisão absurda, que afeta todas as mulheres, especialmente as mais pobres. Não podemos aceitar passivamente essa violência institucional!”
O resultado do julgamento de Daniel Alves, mesmo se ele fosse condenado à cadeira elétrica, não iria melhor em nada a vida das mulheres em lugar nenhum do mundo. Defender a condenação do jogador, sem mesmo saber o que aconteceu no processo, é demagogia repressiva para atender uma classe média que o partido tem em sua composição.
“A história mostra que nenhum direito foi conquistado em nosso benefício sem luta, e não será diferente agora”. Mas não se está tratando da conquista de direito algum, mas da defesa da anulação da absolvição de Daniel Alves para devolvê-lo para cadeia. Mandar qualquer pessoa para cadeia não é “luta por direitos”.
O que o PSTU defende revela o grau de degradação a que a esquerda brasileira chegou. O caso Jair Bolsonaro revela essa questão mais profundamente. A luta política foi trocada pela luta penal, ou seja, pelo aumento da repressão, das penas, da criação de mais crimes, como se a esquerda tivesse a chave da cadeia.
Confira aqui a íntegra da nova decisão no caso Daniel Alves, onde são listados mais de 16 motivos para a anulação da sentença do jogador, como a infração contra presunção de inocência, avaliação irracional e unidirecional das evidências, depoimentos não provados, violação ao preceito de um juízo imparcial, a “existência de um julgamento paralelo na imprensa e na sociedade com impacto neste procedimento”, dentre outros.