No Mato Grosso, uma aposentada foi condenada por criticar a atuação da esposa do governador do estado em um grupo de WhatsApp. A ex-servidora Marisa Rodrigues Canavarros recebeu pena de três meses de prisão, que foi posteriormente revertida para o pagamento de três salários mínimos a alguma entidade indicada pelo Judiciário e mais R$4 mil diretamente à primeira-dama Virgínia Mendes, esposa de Mauro Mendes — comparada na imprensa burguesa com Janja por atuar em assuntos do governo. Mauro Mendes já passou por PR, PSB, DEM e atualmente está no União Brasil.
Os trechos abaixo foram transcritos do áudio gravado pela ex-servidora e citado em sites de notícias, onde fica claro que a fala era direcionada a uma colega:
“Charazinha, boa tarde, meu amor. Você sabe que a gente se conhece há muitos anos. Inclusive, eu como chefe no cerimonial do governo de Jaime Campos, né?
Eu nunca vi uma primeira-dama se intrometer em assuntos de governo que não são da alçada dela como essa Virgínia intromete. Eu tive o privilégio de trabalhar com uma das melhores primeiras-damas que o Mato Grosso teve, que chama-se Lucimar Sacre de Campos, entendeu? Tudo que você pensar, em todos os quesitos que uma primeira-dama do estado tem que ter, dona Lucimar tem — não só ela: Maria Lígia de Borges Garcia, Ione, dona Ione Campos e outras aí. E a professora Isabel.
A Virgínia tem que ficar quieta no canto dela e cuidar da parte social do Estado de Mato Grosso, entendeu? Ela não tem que se intrometer em discussão de Botelho (vice-governador do MT), com problema de Botelho com o governo, com Jaja, com não sei com quem. Ela adora o holofote, ela nem sabe o que significa ser primeira-dama do Estado de Mato Grosso.
Começa por aí: falta de assessoria, falta de cerimonial, até falta de um personal style para ensinar para ela como que se veste uma primeira-dama do estado, tá? Você me desculpa, amo você, mas amigo não é aquele que só concorda, né? Então, eu digo para você com todas as letras: de dona Lucimar para trás, só teve bibelô de prateleira de pensão de beira de estrada. Você me desculpa (sic).”
Uma fala, como se vê, sem nenhuma acusação criminal, nenhuma imputação de culpa em algum caso específico — apenas uma divergência em relação a qual seria o papel a ser cumprido pela esposa de um governador. E isso ainda num âmbito privado. Inclusive, a expressão “bibelô de prateleira de pensão de beira de estrada” foi direcionada a um conjunto de primeiras-damas, não especificamente à atual. Atribuir o crime de injúria a uma opinião sobre como desempenhar uma função é mais uma mostra de criatividade dos juízes no Brasil — cada vez mais “criativos” na sua interpretação das leis.
O juiz Marcos Faleiros da Silva, do Juizado Especial Criminal de Cuiabá, usando de toda a pompa característica da categoria, decidiu que Marisa “agiu com o desiderato (objetivo, intenção) de ofender os atributos morais da vítima, notadamente a qualidade de mulher, esposa e primeira-dama do estado”. Como tem se tornado comum, o juiz decide que as críticas ultrapassam os limites imaginários do direito de livre expressão. Ou seja, não existe direito à livre expressão no Brasil. E chama muito a atenção essa blindagem que o Judiciário dá a determinadas figuras públicas, declaradas informalmente como “incriticáveis” — como é o caso dos ministros do STF.
O áudio enviado num grupo de rede social teria, segundo o juiz, “evidente a intenção de criticar a pessoa da vítima em seu âmbito privado, ou seja, quanto ao seu comportamento, intelecto, forma de vestir e portar-se, atribuindo à querelante qualidade negativa, desqualificando-a”. É como se só fosse permitido elogiar as pessoas — uma baboseira que não tem o mínimo de embasamento no mundo real. Vai se criando um clima similar ao da ditadura militar, onde a pessoa não está segura para falar o que pensa nem dentro de casa. Até os pensamentos passam a ser perigosos.
O fato de grande parte da esquerda ter apoiado essa política da “liberdade de expressão com limites” é muito negativo para a luta popular. Mas pior que isso é seguirem insistindo nisso, mesmo com a avalanche de casos de censura e outras formas de repressão à expressão de ideias. No mesmo país onde a direita chegou a propagar adesivos para carros com alusão sexual à então candidata à reeleição Dilma Rousseff, uma ex-servidora que atuou em diferentes governos no estado do Mato Grosso não pode criticar uma primeira-dama num áudio.
Ou a liberdade de expressão é irrestrita, ou não é liberdade nenhuma.