O artigo Entenda por que a Proclamação da República em 1889 foi um golpe, assinado por Diogo Campiteli, e publicado pelo Poder360 no dia 15 de novembro, é um exemplo do quão limitada é a visão da história brasileira, tanto da direita, quanto da maior parte da esquerda.
Já no título encontramos dois problemas recorrentes.
- A mania de se depreciar nossos fatos históricos. Desdenham o Descobrimento; dizem que os bandeirantes não passaram de estupradores; a Independência não teria tido importância, ou teria se dado em outra data e local; D. Pedro I não passaria de um playboy; a Abolição não teria sido bem assim; a Proclamação foi um golpe… Ou seja, nada presta e o Brasil, para essa gente, não passa de um equívoco, uma aberração histórica.
- Os “analistas” ficam presos à forma, não conseguem compreender o conteúdo dos eventos históricos. A proclamação ter sido um golpe não significa, automaticamente, que tenha sido algo reacionário. Um golpe militar pode muito bem ser progressista. Os governos militares africanos que estão expulsando o imperialismo e nacionalizando suas riquezas são progressistas.
A afirmação de que “a Proclamação da República no Brasil, que completa 136 anos neste sábado (15.nov.2025), foi um golpe militar. Não há controvérsia nessa afirmação, dizem os historiadores, mesmo que a data seja lembrada com orgulho por muitos órgãos oficiais, especialmente as Forças Armadas”, dita dessa maneira, não significa absolutamente. Aliás, foi um evento de extrema importância que mudou os rumos do País.
Segundo Campiteli, o Exército teria divulgado uma nota às vésperas da comemoração que dizia que “celebrar a Proclamação da República é mais do que relembrar uma data: é homenagear o protagonismo de civis e militares que, unidos pelos ideais de ordem e progresso, direcionaram o País para um novo caminho”.
Apesar do caráter reacionário de nosso Exército, essa nota é ainda mais progressista que a maioria dos historiadores atuais, unidimensionais, pois reconhece que a Proclamação teve o protagonismo de civis e militares que atingiu o apogeu e transformou a sociedade, resultando em algo novo.
Um dos principais erros dos analistas é não compreender que uma revolução é, sobretudo, um ponto culminante. Não uma boa ideia a partir da qual tudo vai mudar. O império passou por várias crises que determinaram sua queda.
Guerras e mudanças
Quando se diz que “o movimento foi articulado por oficiais insatisfeitos com o governo de dom Pedro 2º”. Ou que “oficiais de baixa patente se sentiam desprestigiados, não se viam representados nessa monarquia, porque não conseguiam ascender a cargos”. É preciso, antes, localizar esses oficiais no tempo e no espaço.
Também é pouco, apesar de ser um pouco melhor, dizer que “os militares também ficaram incomodados com o tratamento recebido depois do fim da Guerra do Paraguai (1864-1870), da qual o Brasil saiu vitorioso –fato que fortaleceu o Exército”. E não é exato afirmar que “os militares tinham um ressentimento por não terem recebido todas as indenizações ou todas as compensações que teriam sido prometidas antes da guerra”.
A Guerra do Paraguai durou seis anos e gerou uma comoção nacional. Um país com 18 mil militares foi invadido por outro com 100 mil. O brasileiro ficou inconformado, queria a guerra. Gerou-se um grande sentimento nacionalista, apareceu a figura dos Voluntários da Pátria. Escravos engajaram e foram lutar.
Esse exército que lutou para defender o Brasil não é o mesmo que deu o Golpe em 1964, tinha outro caráter. Os homens que lutaram ombro a ombro com escravos não tinham a propensão a se tornarem capitães do mato. Se juntarmos os ideais republicanos com a ascensão das oligarquias, especialmente a paulista, o ambiente no fim do Império estava explosivo. O golpe, portanto, não foi um raio em céu azul e a insatisfação entre os militares tinha raízes profundas.
Esquematismo
O texto diz que “a Proclamação da República foi conduzida essencialmente por militares, com participação limitada de civis e sem consulta popular ou assembleia constituinte”. É ridículo, pois se não houvesse apoio popular não teria se sustentado. E quem disse que deveria ter havido consulta popular ou assembleia constituinte? Isso não passa de um esquema vazio.
Para tentar parecer mais consistente, o texto recorre a um “especialista”. Afirma que “o episódio atendeu aos requisitos da classificação de Norberto Bobbio para um golpe. O historiador e pensador político italiano dizia, por exemplo, que ‘o golpe de Estado é um ato realizado por órgãos do próprio Estado’. No caso, foram as próprias Forças Armadas que derrubaram o Império”. E isso nos leva a quê? A nada.
Alguém poderia se perguntar: a Revolução Russa não teria sido um golpe militar? E a Revolução Cubana, não teria sido o mesmo? Giuseppe Garibaldi era o quê? Militar. Simón Bolívar, Hugo Chávez, também foram militares. O esquema de Bobbio é inútil.
Seguindo no texto, lê-se que “segundo as duas historiadoras, Mariana Tavares e Clarice Speranza, embora o episódio tenha provocado alteração na forma de governo, não se configurou uma revolução”. Isso é falso, pois houve uma mudança no caráter de classe de quem mandava no País. De 1889 a 1897 o Brasil teve três presidentes: Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto e Prudente de Morais; período marcado pela crise gerada pela Proclamação. Foram necessários mais 11 anos até que a oligarquia paulista pudesse se afirmar.
Outro erro que se verifica dos historiadores que tratam desse período é dizer que “boa parte da população, sobretudo analfabetos, mulheres, pessoas em situação de rua e ex-escravizados, permaneceu excluída do projeto republicano”. O que essas pessoas esperam? Foram as oligarquias que tomaram o poder, não os bolcheviques.
A história precisa ser analisada a partir dos fatos, e não de como as pessoas gostariam que tivesse acontecido.
A Proclamação da República foi um fato de extrema importância, trata-se de um ponto de virada político e social no Brasil. Minimizar esse acontecimento é um desserviço e contribui apenas para o rebaixamento da historiografia brasileira.
É fundamental para toda a esquerda compreender a história do Brasil, e isso só pode ser alcançado livrando a análise de todo tipo de mistificação com o uso do materialismo dialético, ferramenta fundamental para toda a esquerda.





