A prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro, ordenada pelo ministro Alexandre de Moraes e confirmada pelo Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), volta a lançar um debate fundamental: até onde deveria ir o poder de um juiz em um regime pretensamente democrático?
Um dos princípios do Direito Penal é o chamado Princípio da Legalidade. Ele significa que ninguém pode ser preso ou punido por fazer algo que a lei não proíbe expressamente. Se a lei não diz que é proibido, o juiz não pode proibir. No entanto, as medidas cautelares impostas a Bolsonaro – as restrições que vieram antes de sua prisão na sede da Polícia Federal – vão além das que o Código de Processo Penal (CPP) autoriza.
Quando Alexandre de Moraes determinou o uso da tornozeleira eletrônica, o juiz também proibiu Bolsonaro de usar as redes sociais. O CPP possui uma lista de restrições que um juiz pode aplicar, como recolhimento noturno ou proibição de contato. Embora a lei tenha uma brecha para “outras obrigações”, essa abertura não deveria permitir que o juiz crie restrições que afetam direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e de comunicação.
Quando um juiz proíbe completamente alguém de usar uma plataforma de comunicação moderna, ele não está seguindo a lei; ele está criando uma regra própria. Desobedecer uma ordem que não está prevista claramente na legislação é desobedecer à vontade de um juiz, e não à vontade da lei. Em um Estado de Direito, só alguém só poderia ir preso por ir contra a lei, e não por is contra a interpretação esticada que um juiz decide dar a ela. O que levou Bolsonaro à prisão domiciliar, a qual cumpria até o sábado passado (22), foi ter descumprido essa medida grotesca.
Curiosamente, a própria justificativa para impor essa restrição era absurda. Outro princípio do Direito, o Princípio da Pessoalidade, que estabelece que uma pessoa só pode ser punida por atos próprios, também foi violado desde o início, uma vez que a tornozeleira eletrônica foi inicialmente imposta com base em uma acusação contra seu filho, Eduardo Bolsonaro, pelos crimes de coação e obstrução de investigação.
A justificativa para a prisão preventiva de Bolsonaro na sede da Polícia Federal seria o “risco de fuga” do ex-presidente. Para embasar essa acusação, Moraes recorreu ao mesmo método, relatando que Flávio Bolsonaro, outro filho do ex-presidente, teria convocado uma “vigília” e que um aliado Jair Bolsonaro teria saído do país para evitar prisão. Convocar manifestação não é crime no Brasil. Ainda que fosse, foi o filho do ex-presidente, e não ele próprio quem chamou a “vigília”.
Moraes também alega que a tentativa de Bolsonaro de violar a tornozeleira aumentaria o “risco de fuga”. No entanto, a lei não estabelece que a violação da tornozeleira é uma prova irrefutável de risco de fuga. Para ser legal, a conversão para a prisão precisa demonstrar que o descumprimento revela uma urgente e atual necessidade de garantir a aplicação da lei penal.
Se a própria ordem de usar a tornozeleira e as demais restrições ilegais por extrapolarem o texto do CPP, o seu rompimento, não pode ser usado como prova idônea para justificar a prisão. Seria como prender alguém por quebrar uma regra que não existe no regulamento. A conversão em prisão estaria calcada em uma ordem original que era nula, contaminando todo o processo.
O ex-presidente já se encontrava em prisão domiciliar, o que torna a determinação de usar tornozeleira eletrônica uma medida humilhante. Além disso, sua residência estava cercada por viaturas da Polícia Federal e da Polícia Penal do Distrito Federal. O aparato de segurança para impedir a fuga já era máximo, tornando a ideia de que a tornozeleira era o único obstáculo para a evasão ridículo.
Em segundo lugar, a cronologia dos fatos desfaz a ligação direta entre a vigília e a tentativa de fuga. A quebra da tornozeleira ocorreu logo de madrugada, quando não estava acontecendo nenhuma “vigília”. O suposto “plano de fuga” ocorreu, portanto, no momento em que não havia manifestação ou “tumulto” algum nas proximidades da residência, mas sim, uma forte presença policial.
A prisão preventiva de Bolsonaro apenas reforça o caráter antidemocrático do atual regime político brasileiro. O juiz não age de acordo com a Lei, mas com a própria cabeça. E, neste caso, sua cabeça não é “sua”, mas sim dos poderosos.
O cerco a Jair Bolsonaro corresponde a um problema de ordem eleitoral, e não criminal. Diante da recusa do ex-presidente em apoiar um candidato ligado mais diretamente ao grande capital, este, por meio do STF, procura aumentar a chantagem contra Bolsonaro, escancarando que a Corte é, sim, política.





