O final de 2024 marcou também o fim da primeira metade do terceiro mandato do governo Lula. Empossado em 1º de janeiro de 2023, Lula agora terá cerca de 700 dias para governar o país e tentar conquistar mais um mandato.
Embora seja o terceiro mandato de Lula e o quinto mandato petista, o novo governo começou em circunstâncias muito diferentes. Em 2003, Lula chegou à presidência por meio de um acordo com a burguesia, que entendeu ser necessário permitir que o Partido dos Trabalhadores (PT) governasse para amenizar a crise social deixada pela política neoliberal. Caso contrário, o Brasil poderia ter enfrentado uma insurreição, como ocorreu na Bolívia, na Venezuela e na Argentina.
Vinte anos depois, tudo mudou. A mesma burguesia que permitiu a vitória do PT em 2002 decidiu expulsar o partido do poder. O governo de Dilma Rousseff foi derrubado em 2016, como resultado de uma ampla coalizão que reuniu o Legislativo e o Judiciário, a grande imprensa e a extrema direita. O golpe de 2016 mudou profundamente o regime, correspondendo à necessidade do imperialismo de uma nova ofensiva econômica, política e até mesmo militar sobre a América Latina.
Lula só conseguiu retornar à presidência devido a uma série de circunstâncias específicas, como as contradições entre o governo de Jair Bolsonaro (PL) e o imperialismo. No entanto, não há como negar que sua vitória só foi possível graças à grande mobilização popular, especialmente no segundo turno.
Lula venceu as eleições, mas Bolsonaro teve a segunda maior votação da história, evidenciando a polarização política. Além disso, a esquerda teve um péssimo desempenho no parlamento.
É fato que os governos do PT sempre contaram com uma minoria de esquerda nas instituições. A diferença, no entanto, é que o bolsonarismo é uma força muito mais organizada e com uma base social real, capaz de pressionar muito mais o governo do que a antiga oposição feita por partidos como o PSDB e o MDB.
Lula não precisou esperar até 2023 para perceber isso. Pressionado por sua base radicalizada, o presidente, durante a formação do gabinete de transição, declarou várias vezes que sua prioridade seria o povo, e não a política fiscal dos bancos. A imprensa reagiu imediatamente, deixando claro que o governo não faria o que bem entendesse.
Mas o evento mais marcante ocorreu nos dez primeiros dias de mandato. No dia 8 de janeiro, uma manifestação de apoiadores de Bolsonaro invadiu as sedes dos Três Poderes. A manifestação, à exceção de alguns episódios de vandalismo, transcorreu sem grandes episódios de violência. Não houve enfrentamento com o aparato de repressão, nem foram encontrados indivíduos armados.
O governo tratou o episódio como uma tentativa de golpe de Estado frustrada. No entanto, não havia motivo para acreditar nisso. Afinal, se fosse realmente uma tentativa de golpe, ela teria sido impedida. Ela deveria ter contado com a participação de pessoas armadas com o objetivo de destituir os poderes. Mas não foi isso o que aconteceu.
O 8 de janeiro foi uma grande demonstração de força do bolsonarismo. E, nesse sentido, foi um sucesso. A extrema direita conseguiu desmoralizar completamente o governo. Conseguiu mostrar que o governo não pode confiar em seus “aliados”, pois todos permitiram que aquilo acontecesse. Insistir na tese de “tentativa de golpe de Estado”, por sua vez, só desmoralizou o governo ainda mais, visto que, passados dois anos, não há o menor indício de que os verdadeiros culpados serão punidos. Se de fato houve uma tentativa de golpe, o governo está mostrando que será incapaz de reprimi-la.
O ocorrido teve consequências gravíssimas para o governo. Na política mais imediata, a demonstração de fraqueza permitiu aos inimigos do governo iniciarem uma ofensiva.
Um dos primeiros a “queimar a largada” foi o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Em sabotagem escancarada, Campos Neto manteve a taxa de juros nas alturas, sufocando o plano econômico do governo, que tinha no crédito um de seus pilares. Aos poucos, outros inimigos começaram a surgir: os ambientalistas iniciaram uma campanha contra a exploração do petróleo da Margem Equatorial, os identitários se opuseram à indicação de Cristiano Zanin ao Supremo Tribunal Federal, e os governadores foram se mostrando cada vez menos favoráveis a uma parceria com o governo federal.
Com a debilidade exposta, os “abutres” do Congresso Nacional começaram a cobrar uma fatura cada vez mais alta. Esse conjunto de forças foi pressionando o governo até que, no final de seu primeiro ano, ele sofreu uma inflexão.
Embora pressionado, o governo Lula, embalado pela mobilização que lhe garantiu a vitória em 2022, iniciou o terceiro mandato com uma postura muito mais combativa do que nos governos anteriores. O presidente defendeu a Rússia e a Venezuela dos ataques do imperialismo, tentou travar uma queda de braço pública com Campos Neto, defendeu a exploração do petróleo da Margem Equatorial, procurou estimular o crescimento industrial, garantiu o Bolsa Família, implementou outros programas sociais e até tentou driblar o teto de gastos por meio de uma medida engenhosa, o chamado arcabouço fiscal. Após sofrer várias derrotas, o governo foi perdendo a iniciativa, a ponto de acabar colaborando com o imperialismo na política internacional.
O governo Lula cometeu um erro decisivo. Diante da pressão, a direção do Partido dos Trabalhadores optou por não convocar os apoiadores do governo às ruas. Em dois anos de mandato, não houve um único ato significativo convocado pelas forças que apoiam o governo. A mobilização foi totalmente deixada de lado.
Na medida em que o governo não mobilizou suas bases, optou por uma política de frente com um setor da burguesia que supostamente estaria em oposição ao bolsonarismo. Foi assim que o governo Lula, arrastando consigo o PT e uma parcela expressiva da esquerda nacional, ingressou em uma frente com o imperialismo.
O objetivo dessa frente ficou claro na política interna. Diante da pressão dos bolsonaristas, Lula decidiu confiar na ação daqueles que o colocaram na cadeia em 2018: o STF. Como extensão dessa política, Lula também procurou se aproximar de Joe Biden, acreditando que o Partido Democrata preferiria o PT a Bolsonaro. Enquanto Lula se aproximava de Biden, o Partido Democrata financiava ações de extrema direita em todo o mundo, inclusive na vizinha Venezuela, revelando a total desorientação do governo Lula.
Na política externa, a face mais vergonhosa dessa aproximação com o imperialismo foi a postura do governo em relação ao genocídio na Palestina.
O governo Lula, desde o primeiro momento, embarcou na campanha sionista de que o Hamas era um “grupo terrorista”, condenando a luta da resistência palestina. Passado um ano, o governo não fez nada de efetivo para parar o genocídio, ao passo que assinou notas com ditaduras como a de Javier Milei, visando pressionar o Hamas a libertar seus prisioneiros. Em dois anos, o sionismo tomou conta do regime brasileiro, a ponto de o governo condenar Breno Altman, militante do mesmo partido de Lula, por sua defesa do povo palestino! A ponto de o governo ser desautorizado pelo ministro bolsonarista José Múcio, que se negou a cumprir ordens de Lula acerca da compra de equipamentos israelenses.
Cada vez mais desmoralizado, o governo viu seu apoio popular diminuir, o que apenas serviu de combustível para que o Congresso Nacional acuasse ainda mais o presidente.
No ano de 2024, o governo viu seu plano de taxar grandes fortunas ir para o brejo de uma vez por todas. Os únicos aspectos da reforma tributária que serão aprovados são aqueles de interesse do Congresso. Os planos de desenvolvimento da economia foram sendo progressivamente substituídos pelos cortes e impostos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que acabou sendo apelidado de “Taxad”. Ao mesmo tempo, o governo, em uma capitulação inacreditável, sancionou, sem protesto, o fim das “saidinhas” dos presidiários.
No final de 2024, uma notícia caiu como uma bomba: Fernando Haddad anunciou um plano de ataques aos trabalhadores. Entre eles, a exclusão de milhões do Bolsa Família e do abono salarial, além de estabelecer um teto para o aumento do salário mínimo. O motivo? Supostamente economizar R$ 320 bilhões em seis anos.
O Plano Haddad seria desmascarado dias depois. Campos Neto voltou à cena e aumentou a taxa de juros em 1%, forçando o Estado a aumentar seus gastos, tornando nula a “economia” do pacote fiscal. A medida de Campos Neto, por sua vez, recebeu a aprovação do futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, indicado por Lula. A indicação de um neoliberal como Galípolo para o cargo é mais uma demonstração de fraqueza do governo.
Diante de tanta pressão, a saúde do presidente também passou a ser motivo de preocupação. Uma queda o levou a se ausentar de um dos grandes eventos do ano, a cúpula dos BRICS, e o levou a uma cirurgia de emergência.
O estado de saúde de Lula, por um lado, desperta preocupação devido ao caráter agressivo da contraofensiva do imperialismo. No último período, o imperialismo matou vários líderes muçulmanos, tentou