Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política e colaborador do portal de esquerda Brasil247, Aldo Fornazieri publicou no referido órgão um artigo, Para onde vai o governo? apontando as dificuldades encontradas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que em seu terceiro mandato, enfrenta barreiras imensas para governar. “Os problemas vêm governando o governo”, diz Fornazieri, apontando ainda um “ambiente nebuloso”, sem, no entanto, chegar ao cerne da questão, o motivo pelo qual Lula não consegue “dizer o que quer e para onde quer conduzir o país”. Diz o autor:
“Para quem olha o Planalto de longe e da planície, o governo parece cansado, gerido por políticos cansados e que provoca cansaço até mesmo em setores sociais significativos que o apoiam. Todos sabem que o governo tem limites reais, tanto por conta de um Congresso conservador e sem pudor quanto pela composição de uma base de sustentação que negocia apoios ponto a ponto; e que não tem engajamento efetivo na defesa pública das ações governamentais. A rigor, sequer os partidos de centro-esquerda têm esse engajamento.”
Ora, o “Congresso conservador e sem pudor” não é, de maneira nenhuma, algo inesperado ou inédito, de modo que não deveria ser uma surpresa para ninguém que o Legislativo seria hostil. Sobra, portanto, o outro problema: a tal “base de sustentação”, se é que podemos chamá-la dessa forma. Sendo resultado de uma aliança entre a esquerda pequeno-burguesa e a direita imperialista, a “base de sustentação” é na realidade uma “base de contenção” das tendências nacionalistas da política lulista, que no fundamento social, tem justamente no imperialismo seu principal opositor. É como somar um número positivo com outro negativo: não é uma soma real.
Embora problemático, o arranjo político firmado nos primeiros governos petistas foi menos conflituoso do que o atual e isso se deve ao fundo social da aliança, feita justamente com o setor da direita em contradição com a política imperialista e que hoje está alinhado com o bolsonarismo. A frente ampla, por outro lado, é a aliança do PT com o antigo centro dominado por PSDB e MDB, os principais partidos imperialistas do País e frontalmente inimigos do nacionalismo. É um arranjo que não pode dar outro resultado além do que observa Fornazieri:
“A imagem que o governo passa é a de que não há um comando político e um rumo claro que indique para onde o governo quer ir, qual seu rumo. A sociedade não consegue identificar qual a direção e sentido do governo.”
Nem poderia ser diferente. O problema é que mesmo tendo uma inspiração quanto ao problema, Fornazieri não avança sobre a raiz da questão, o que parece estranho, até nos depararmos com o seguinte parágrafo:
“A palidez dos atos e manifestações contra da tentativa do golpe de 8 de janeiro são fruto dessa mentalidade passiva e defensivista que impera no governo e nos partidos de esquerda. Os partidos simplesmente desertaram de organizar manifestações contra o golpismo. Os eventos organizados pelo governo foram tímidos e protocolares, sem sociedade civil e sem povo.”
Ocorre que essa política nem é do PT e tampouco da esquerda, que, ao longo da história, protagonizou manifestações muito mais radicalizadas do que a do dia 8 de janeiro de 2023 em Brasília. Realizada pelos bolsonaristas, a manifestação logo foi tratada como um “golpe”, propaganda rapidamente difundida pela mesma imprensa que chama de fake news, a caracterização da derrubada ilegal e ilegítima da presidenta petista Dilma Rousseff, em 2016.
Os setores da esquerda mais submetidos à frente ampla trataram de dar um verniz esquerdista à campanha que se seguiu, responsável por um profundo recrudescimento da repressão estatal e que até agora, serviu para o imperialismo disciplinar a extrema direita e criar um clima de histeria que logo se voltará contra a esquerda, mas nada mais. Especialmente, nenhuma força para a esquerda, o que ficou comprovado pelas eleições municipais de 2024, que mostraram um expressivo crescimento do bolsonarismo, sobretudo nas grandes cidades do Centro-Sul do País, onde a extrema direita levou todas as capitais.
“A imagem que prevaleceu não foi a do relógio do Império recuperado ou do restauro de ‘As Mulatas’, de Di Cavalcanti, e de uma democracia forte e pujante. A impressão que ficou é a de que a democracia continua vandalizada, que a Constituição continua estilhaçada por tiros e que o Estado de Direito está à mercê dos solavancos e vendavais trazidos pelas contingências políticas ou pela vontade enlouquecida de militares aloprados.”
Aqui, Fornazieri parte de uma premissa acertada, mas chega a uma conclusão tão aloprada quanto a dos militares que denuncia. Dado que a “defesa da democracia” é a política pela qual o imperialismo cerca o governo Lula, assedia-o e emperra o governo, ao lamentar uma suposta “democracia vandalizada”, o que o autor faz é tomar partido dos responsáveis pela política sem rumo de Lula.
“O governo”, conclui o autor, “precisa prestar atenção ao que acontece com a opinião pública”, diz, trazendo uma pista sobre como Lula pode tirar forças para mudar a paralisia, porém destacando por fim:
“Mesmo com o crescimento da economia e com o alto nível de emprego, a sensação que as pessoas têm é a de que a vida está difícil. As incertezas e o medo do amanhã predominam nos sentimentos das pessoas. O percentual de famílias endividadas é de 77%. No ano passado o endividamento cresceu entre as famílias em geral e nos segmentos mais pobres em particular. A inflação de alimentos atinge principalmente as camadas menos favorecidas.”
É a economia a chave para dar um rumo ao governo, de fato. Ocorre que ela também está subordinada ao problema da frente ampla, sendo emperrada devido à infiltração direitista no governo. Para tirar o País dessa encalacrada, a esquerda precisará pressionar o governo Lula por um programa que supere as ilusões tolas de “crescimento da economia”, mas que efetivamente promova um desenvolvimento, capaz de trazer empregos e salários maiores, que são as reivindicações reais da população.
Seguir a política defendida pelo Fornazieri é o caminho seguro para aprofundar os problemas identificados. O governo deve abandonar a frente ampla e governar, de fato, para os trabalhadores se quiser sobreviver, o que implica em mudar radicalmente a política de ataques aos direitos democráticos e não apenas isso, mas expandir a proteção às liberdades democráticas, além de produzir um crescimento econômico real.