Julgamento da 'trama golpista'

Prender general de pijama não enfraquece a tutela militar

A prisão dos militares, ainda que cause muita revolta entre as baixas patentes, não pôs qualquer tipo de freio na alta cúpula das Forças Armadas

Nesta quinta-feira (27), o portal Brasil 247 publicou o artigo Brasil abre caminho para acabar com a praga da tutela militar sobre a democracia. O texto, assinado pelo jornalista Bepe Damasco, procura analisar a situação política após a prisão definitiva do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Damasco começa o artigo com uma falsificação:

“Toda a história de 525 anos do Brasil foi marcada por ameaças, conspirações, golpes de estado, ocupações de posições estratégicas no poder civil e tentativas de intimidação pelas armas por parte dos militares.”

Não é a história do Brasil que é repleta de conspirações — esta é a história da humanidade. A história da humanidade é uma história violenta — isto é, a história da luta de classes. Apresentar a história do Brasil especificamente como violenta é uma maneira de transformar a análise política em folclore.

A história do Brasil não é a história da luta entre soldados e civis ou entre “golpistas” e não golpistas. É, assim como a história da humanidade, a história da luta entre as classes sociais.

Qual é a luta fundamental que existe hoje, no Brasil? É a luta entre o imperialismo — o mesmo que ameaça uma guerra nuclear com a Rússia e que é inteiramente responsável pelo genocídio na Faixa de Gaza — e o povo brasileiro. É a luta entre a destruição da indústria nacional, a fome e o desemprego contra o desenvolvimento do País.

Damasco ignora isso por completo. É como se a Lava Jato fosse uma operação feita por homens “maus”. Como se o genocídio na Faixa de Gaza fosse obra de “fanáticos”. Como se as ameaças contra a Venezuela fossem arquitetadas por “malucos”.

Como é possível fazer uma análise séria sobre a política nacional sem analisar o comportamento das classes sociais?

Sem responder a essa pergunta em nenhum momento, o articulista prossegue, dizendo que:

“A partir de uma interpretação oportunista e deturpada que fazem do artigo 142 da Constituição, os fardados sempre se consideraram integrantes de um poder moderador que paira acima dos demais, além de moralmente superiores aos paisanos, como eles tratam os civis.”

Aqui, tudo se torna ainda mais grotesco. A grande ameaça ao País reside na forma como os militares “interpretam” a Constituição! Se é assim, como consertar o País? Bastaria matricular os soldados e marinheiros em uma escola de interpretação de texto? É ridículo.

A partir de uma análise séria da situação política brasileira, podemos dizer que o imperialismo é representado no Brasil pela grande imprensa (rede Globo, Folha de S.Paulo, Estado de S. Paulo), pelos bancos, pelo Banco Central, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pela Polícia Federal (PF), pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela alta cúpula das Forças Armadas. Estes são os principais instrumentos pelos quais o grande capital impõe a sua política sobre o conjunto da população brasileira.

Por exemplo, no Brasil, a maioria da população apoia o povo palestino. No entanto, a PF, a mando do imperialismo, persegue aqueles que defendem a Palestina no País. Da mesma forma, a maioria da população votou no presidente Lula, cuja plataforma política está baseada em programas sociais. No entanto, o Banco Central, a mando do imperialismo, sufoca qualquer plano real de distribuição de renda.

Sob este ponto de vista, a prisão definitiva de Bolsonaro não contribui em absolutamente nada para a luta contra o imperialismo. A prisão de Bolsonaro não combate um único instrumento de dominação do grande capital sobre o País. Bolsonaro não passa de um político. Ainda que seu governo tenha sido bastante favorável ao grande capital, sua prisão nada tem a ver com isso. Pelo contrário: os representantes do grande capital no Brasil comemoraram a condenação do ex-presidente, a exemplo da rede Globo.

O que permite alguma confusão é a questão dos militares. Diz Damasco:

“A condenação e prisão pela Suprema Corte de um ex-presidente da República, capitão da reserva do Exército, além de generais de quatro estrelas e um almirante, integrantes do núcleo crucial da trama golpista, têm tudo para virar em definitivo essa página da história brasileira. Mais sentenças condenatórias de militares pertencentes a outros núcleos da conspiração logo também transitarão em julgado. As decisões atuais do STF certamente farão com que os golpistas e inimigos da democracia do futuro pensem duas vezes antes de atacar o estado democrático de direito, a menos que queiram ter o mesmo destino de Bolsonaro e seus asseclas.”

Não, senhor. A prisão dos militares, ainda que cause muita revolta entre as baixas patentes, não pôs qualquer tipo de freio na alta cúpula das Forças Armadas. A alta cúpula nem é bolsonarista, nem teve uma participação efetiva na chamada “trama golpista”. Pelo contrário: a alta cúpula está comprometida com os planos do grande capital, que consistem na implementação de uma ditadura neoliberal no País.

Ou é isso, ou teríamos que acreditar que, por causa de um juiz reacionário e covarde como Alexandre de Moraes, os comandantes do Exército Brasileiro, diuturnamente assediados pelo imperialismo, não estão alinhados ao plano do grande capital na América do Sul. Apesar de os militares equatorianos, paraguaios, chilenos e peruanos estarem colaborando com um regime monstruoso em seus países, os militares brasileiros, mesmo apoiados pelo imperialismo, se tornaram grandes democratas pelo medo da canetada do herói Xandão.

É mais fácil crer em Papai Noel. Mas Damasco nos surpreende com o mais difícil:

“De agora em diante, o caminho está aberto para o Brasil ter, finalmente, forças armadas profissionais e voltadas exclusivamente para suas funções constitucionais de defesa nacional, ocupação e patrulhamento de fronteiras, além de ações que visem a integração nacional em um país de dimensões continentais como o nosso.”

Com certeza! Se um regime cuja Polícia Federal é controlada por agentes externos, o que o impede de ter um exército cuja cúpula está centrada em defender a Constituição?

Tudo fica ainda mais surreal quando Damasco se conta de que nem tudo são flores e nos apresenta uma brilhante proposta:

“Claro que existem ainda obstáculos a serem superados. É preciso descontaminar politicamente as forças armadas, o que é um processo que não se dá da noite para o dia. Mas ajudaria muito mexer na grade curricular das escolas de formação dos militares, dando ênfase a temas como valores democráticos, direitos humanos, diversidade, combate ao racismo, desigualdade social, igualdade de gênero e sustentabilidade ambiental.”

Ou seja, quando, ironicamente, sugerimos matricular os militares em escolas de interpretação de texto, era exatamente isso o que Damasco propunha! Os homens que detêm as armas mais destrutivas do País e que estão a soldo dos países mais poderosos do mundo passarão a defender o povo se tiver uma boa “formação”. Quem sabe, então, se houvesse aulas de “sustentabilidade ambiental”, os militares não teriam derrubado João Goulart em 1964…

O problema central das Forças Armadas não é a sua formação, mas sim o regime político brasileiro e a correlação de forças entre a classe operária e o imperialismo. De um ponto de vista geral, é preciso uma ampla mobilização contra o imperialismo no País para liquidar a influência externa. É preciso romper os contratos com o Estado de “Israel”, romper com todos os acordos de cooperação com o Departamento de Justiça norte-americano, rejeitar a infiltração imperialista nos órgãos brasileiros etc. Do ponto de vista mais específico das Forças Armadas, é preciso diminuir o poder da cúpula militar, que exerce uma verdadeira ditadura sobre as baixas patentes, permitindo a sindicalização e politização das tropas, bem como exigindo que o treinamento militar sirva exclusivamente para o manuseio das armas e a defesa do País.

Gostou do artigo? Faça uma doação!

Rolar para cima

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Quero saber mais antes de contribuir

 

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.