No artigo Para quem ainda tinha dúvida de que era fascismo, o sociólogo e publicitário Oliveiros Marques defende que “Trump quer reinar, suprimir o contraditório, calar os dissidentes, governar por decreto, instaurar o medo como política pública”, como se o mandatário norte-americano fosse uma versão eleita do ministro do Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Considerando que Trump teria desfeito qualquer ilusão quanto à suposta natureza fascista de seu governo, o autor diz: “quem ainda arrastava os pés na lama da dúvida sobre o caráter fascista do projeto trumpista pode, agora, limpar os sapatos. Acabou. Não sobrou nem fumaça da ilusão”. O motivo para essa consideração?
“Eliminar os programas de diversidade, equidade e inclusão. Traduzindo: acabar com cotas, políticas de respeito às diferenças de gênero, raça e orientação sexual. Numa palavra: apagar a pluralidade para reinstalar o velho e mofado trono do homem branco, cis, hétero, rico e armado até os dentes.”
Se “acabar com cotas políticas de respeito às diferenças” fosse a condição para o surgimento de um regime fascista — como afirma o autor — então seríamos forçados a concluir que o fascismo é um fenômeno recente. Nesse caso, ele não teria surgido na década de 1920 (quando questões como cotas sequer eram cogitadas), mas no máximo nos anos 1980. Em outras palavras, para Marques, o principal alvo do fascismo seria o identitarismo, como se esse fosse o antagonista histórico da extrema direita, o que, naturalmente, é uma deturpação grosseira da história.
O objetivo fundamental do fascismo sempre foi — e continua sendo — a destruição da organização da classe trabalhadora. Trata-se de um expediente do imperialismo para a destruição da democracia operária. Por essa razão, uma análise mais rigorosa do fenômeno leva a concluir que, embora o governo Trump apresente elementos fascistas do ponto de vista ideológico, ele nem por acaso comanda um regime fascista e sequer é mais direitista do que os governos norte-americanos anteriores.
Desde o fim a Grande Depressão de 1929, praticamente todos os presidentes dos Estados Unidos adotaram políticas repressivas pesadas, com duros ataques aos trabalhadores e às liberdades democráticas. Trump, nesse sentido, não foge à regra: não foi mais repressivo do que Obama, Clinton ou Biden.
O que o torna diferente, porém, é o seu antagonismo com o imperialismo, talvez o maior em dois séculos. Existe uma operação política voltada a apresentar o identitarismo como o principal inimigo do fascismo. E esse movimento esconde outro, mais profundo: o de apresentar o imperialismo como a democracia e consequentemente, contrário ao fascismo.
A experiência histórica demonstra que o fascismo não é inimigo do imperialismo, sendo antes, uma ferramenta da ditadura mundial dos monopólios. Adolf Hitler, por exemplo, foi financiado pelos setores mais poderosos da burguesia alemã: grandes monopólios industriais, banqueiros e conglomerados como a Volkswagen.
Além disso, contou com apoio da família real britânica, algo frequentemente esquecido. A Inglaterra teve uma atitude tolerante, quando não entusiástica, em relação a Hitler até instantes antes da eclosão da Segunda Grande Guerra. O imperialismo francês, por sua vez, tanto apoiou Hitler que entregou o país ao ditador nazista.
Ou seja, os chamados “países democráticos” — EUA, Reino Unido e França — só romperam com Hitler quando ficou claro que ele ameaçava seus próprios domínios. Antes disso, Hitler era tratado com simpatia, inclusive pelos britânicos, que o viam como uma barreira contra a União Soviética.
A história mostra que é possível ter fascismos que perseguem ou não minorias raciais, étnicas ou sexuais. O que não é possível é um fascismo que combata o imperialismo. Isso nunca existiu.
Dito isso, diversidade sexual, raça e o que mais Marques atribui como elementos perseguidos pelo fascismo são, na realidade, características secundárias. O elemento essencial do fascismo é o ataque à classe trabalhadora e aqui, é importante destacar: Trump não atacou os trabalhadores como outros presidentes o fizeram, pelo contrário. Isso precisa ser dito com clareza, pois há aqui uma diferença real entre ele e seus antecessores.
As medidas protecionistas adotadas por Trump podem beneficiar enormemente a classe trabalhadora dos Estados Unidos (e do mundo) — a maior e mais poderosa classe operária do planeta. Isso é um problema real para o imperialismo.
As barreiras ao comércio exterior atingem o imperialismo com uma dureza que não estavam esperando, mas uma de suas consequências, é impulsionar um revigoramento da classe operária, o que naturalmente é vantajoso. Não é o que pretende o presidente Trump, mas a defesa da burguesia doméstica norte-americana tem esse efeito colateral, razão pela qual tantos trabalhadores norte-americanos apoiam-no.
A política de Trump não é antioperária — ao menos não de forma direta —, mas é anti-imperialista e é justamente por isso que os órgãos de propaganda dos monopólios o chamam de “fascista”. É que leva, finalmente, pessoas como Marques a repetir a ideia de que Trump seria fascista.
O autor do texto analisado aqui pode ser compreendido, talvez, como alguém mal informado sobre os fundamentos históricos e políticos das ideias que defende. Ele ataca gratuitamente o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, referindo-se a ele erroneamente pelo nome de seu pai, Kim Jong-il, e repete a propaganda imperialista que o apresenta como um grande ditador — o que, mais uma vez, demonstra a superficialidade de sua análise e sua submissão intelectual à propaganda imperialista.
Mesmo com essa limitação, a confusão provocada por esse tipo de argumento dentro da esquerda não pode ser ignorada, mas combatida. A esquerda precisa compreender que o alvo principal do fascismo é a classe trabalhadora organizada e ter claro que a política fascista é acima de tudo, um instrumento manuseado pelo imperialismo para colocar os trabalhadores sob controle.
Essa última característica precisa ser bem compreendida porque desde o fim da Segunda Grande Guerra, o fascismo se articula, principalmente, sob o pretexto de defender a democracia. As práticas que o autor do texto denuncia — como governar por decreto, instalar o medo como política pública — estão sendo implementadas no Brasil pelo ministro Moraes, que, por sua vez, conta com o apoio do imperialismo.