Fábio Picchi

Militante do Partido da Causa Operária (PCO). Membro do Blog Internacionalismo e do Coletivo de Tecnologia do Partido da Causa Operária. Programador.

Coluna

Ponto comum surpreendente

Crítica à propriedade intelectual não é exclusividade da esquerda

Na semana passada, tendo em vista mais uma polêmica em torno dos avanços da tecnologia de inteligência artificial generativa, falamos mais uma vez sobre propriedade intelectual. Eis que não fomos os únicos a tratar o tema. Somos obrigados a inferir o contexto da postagem de Jack Dorsey no X como sendo justamente o debate sobre a proliferação de imagens na internet ao estilo do Estúdio Ghibli.

“Deletem toda a legislação de Propriedade Intelectual” não é algo que se espera ouvir do bilionário ex-fundador do Twitter. Espera-se menos ainda que o homem que comprou o Twitter e mudou o nome da empresa para X, Elon Musk, concorde com a proposição.

A posição é, naturalmente, cínica. Finalmente, não é possível para outra empresa simplesmente reproduzir a criação de um Tesla, ou do próprio Grok. O próprio X, se teve parte de seu código aberto, ainda não tornou totalmente transparente a forma como nossas linhas do tempo são organizadas através de seu algoritmo ajustado para aumentar as receitas da empresa, não para atender os usuários. Entre figuras como Dorsey, Musk e outros habitantes do Vale do Silício há um ímpeto contra leis de propriedade intelectual porque esses setores querem avançar seus serviços de inteligência artificial, tecnologia cuja principal matéria-prima são dados. É notório o uso de empresas como a OpenAI de dados protegidos, mas esse monopólio em formação tem as costas largas, ao contrário de seus competidores.

O debate proposto por figuras muito mais influentes que nós, ainda que cínico, foi interessante e, mais importante, envolveu mais pessoas. Entre elas estão os ditos anarco-capitalistas, ou ancaps. Passeando pelas reações à postagem de Dorsey encontramos um tal de Stephan Kinsella, seguidor fiel da escola austríaca de economia e do economista germano-americano Hans-Hermann Hoppe.

Kinsella não tem nenhum interesse obscuro por trás de sua colocação, finalmente, não é um grande empresário. Ironicamente, o advogado especializado em patentes faz uma defesa ideológica do fim da propriedade intelectual pela direita.

Neste vasto espaço digital, a internet, já cruzamos inúmeras vezes com os dizeres “não aguento mais concordar com o PCO”, vindos normalmente de ancaps brasileiros. Não vamos dizer aqui que não aguentamos mais concordar com os ancaps, mas devemos reconhecer que sua defesa consequente da redução do poder estatal abre espaço para inúmeros pontos em comum com o marxismo. Finalmente, marxistas defendem a mais ampla liberdade possível para a classe operária sob o regime pseudo democrático da burguesia, ideia meio fora de moda entre os novos esquerdistas.

Aí está mais uma delas, a propriedade intelectual. E, do ponto de vista burguês, não saberia como rebater esse argumento: 

“Ideias não são recursos escassos. Elas podem ser usadas por várias pessoas simultaneamente sem conflito. Direitos de propriedade não são necessários para alocar ideias.”

E por uso simultâneo sem conflito, Kinsella quer dizer que duas pessoas podem cozinhar o mesmo prato seguindo a mesma receita em dois locais separados, cada uma usando seus próprios recursos, isto é, sua propriedade privada protegida pelos direitos de propriedade que os ancaps tanto prezam.

Foi curioso ver setores da esquerda que defendem o “pequeno produtor de conteúdo”, que seria prejudicado pela violação de sua propriedade intelectual. Não, caro amigo. Até mesmo a direita anarco-capitalista, defensora de um sistema de ideias que sequer se sustenta na realidade, entende que os maiores prejudicados serão os grandes monopólios que mantém seu poder graças a essas leis. O “pequeno produtor” aqui não passa de um espantalho, o mesmo que usam quando falamos em expropriar a burguesia e coletivizar os meios de produção. Mas e o padeiro da esquina? Não vamos abandonar nossos princípios por ele e sequer temos a intenção de expropriar uma forma produtiva de tão baixa intensidade, mais próxima da manufatura do que da indústria moderna. Da mesma forma, o artista individual, quando não faz seu trabalho por motivação própria, o que não é afetado por leis de proteção da propriedade intelectual, já não tem meios de proteger suas criações comissionadas, posse de quem compra seu trabalho. A propriedade intelectual serve à Disney, à Netflix, aos grandes monopólios.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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