Coluna

Políticas públicas não podem consertar o País

Apostar em políticas públicas na sociedade atual é ignorar a incapacidade do Estado capitalista para resolver os problemas sociais

As iniciativas mais comumente mencionadas para resolver problemas sociais normalmente giram em torno das políticas públicas. Para resolver o problema da pobreza, os apologéticos normalmente mencionam algo como o bolsa família. Para resolver o problema do acesso à universidade, mencionam a política de cotas e o financiamento estudantil. Para resolver o problema do pequeno produtor agrícola, mencionam os créditos rurais. O problema é que nenhuma dessas medidas consegue realmente resolver os problemas mencionados.

Para entender o porquê de as políticas públicas não resolverem os problemas é importante lembrar que quem leva elas adiante é o Estado. O Estado, na sociedade que vivemos, é controlado pela classe capitalista, que não tem o menor interesse em resolver os problemas que estão postos, mas sim em obter lucros. Por exemplo, os latifundiários são um dos grupos que controlam o Estado brasileiro, e uma consequência direta disso é que o Plano Safra 2024/2025 prevê 400 bilhões de reais para médios e grandes produtores, enquanto prevê apenas 76 bilhões para a agricultura familiar. No fundo, quem mais ganha com a política pública de crédito rural são os próprios capitalistas, não os pobres.

De forma similar, mesmo com a políticas de cotas sociais vigentes há mais de uma década, estudantes pobres têm 3 vezes menos chances de entrar na universidade do que estudantes ricos. Ademais, os pobres geralmente conseguem apenas ter acesso às universidades privadas, ficando as vagas das universidades públicas reservadas para quem tem mais dinheiro. Tal disparidade se deve mais uma vez às políticas públicas, dessa vez as políticas de investimento estudantil como ProUni e FIES, que são voltadas exclusivamente para as universidades privadas e inflam a quantidade de vagas disponíveis nelas. A consequência maléfica disso é que 79,3% das matrículas do ensino superior no Brasil são em universidades privadas, empurrando os pobres para gastarem seu dinheiro com o ensino superior em vez de terem o direito de estudar gratuitamente nas universidades públicas.

Por fim, vale a pena dizer que mesmo a tão cultuada política pública do bolsa família é incapaz de resolver o seu problema central, no caso, a pobreza. Os irrisórios 600 reais concedidos pelo benefício não são suficientes para arcar com custos básicos de sobrevivência, condenando os pobres a se manterem miseráveis e sem perspectiva de melhorar de vida. Não por acaso, mais de 20 anos após a implementação do bolsa família ainda temos 59 milhões de pessoas na miséria total, ilustrando a incapacidade da política pública de resolver o problema de forma definitiva.

Obviamente, não seremos contra a existência do bolsa família, das cotas, do ProUni, do Fies, nem do crédito rural. Entretanto, é importante entender que essas iniciativas são muito limitadas, e deveriam ser suplantadas por outras de maior impacto. Por exemplo, o bolsa família deveria pagar o valor equivalente a um salário-mínimo e ser aliado a um amplo programa de reindustrialização nacional, onde houvesse emprego de qualidade para as pessoas e elas não dependessem mais do benefício para sobreviver. No ensino superior, em vez de focar na política de cotas e no financiamento de universidades privadas, deveria ser instituído o fim do vestibular, garantindo o acesso universal ao ensino superior público e direcionando os investimentos às universidades federais e estaduais. Por fim, em vez de fornecer migalhas de crédito rural à agricultura familiar, deveria ser feito um amplo programa de investimento na agricultura familiar aliado à reforma agrária, dando terra para quem nela trabalha. Todas essas são medidas moderadas que, embora não enfrentem o problema em sua raiz — como fariam ações como a estatização das fábricas e a coletivização de universidades e terras —, ainda assim poderiam reduzir de forma significativa as contradições e desigualdades existentes.

É importante dizer que tal como estão, as políticas públicas se assemelham a um entulho institucional incapaz de responder à realidade concreta. Não devemos nos comprometer com sua defesa incondicional, e sim buscar formas de superá-las, construindo uma nova forma de organização social em que os trabalhadores administrem diretamente os meios de produção visando à maximização do bem-comum, e não do lucro.

Muitos dirão que isso é uma utopia, mas utópico mesmo é achar que as políticas públicas que temos realmente resolverão algum problema dentro dos marcos do Estado existente. Outros ingênuos dirão ainda que é tudo muito recente, e que com o tempo será possível aprofundar tais políticas e efetivamente resolver os problemas sociais, como supostamente teria sido feito em países como Noruega, Suécia, Finlândia, Alemanha, dentre outros. Acontece que isso é impossível em um país subdesenvolvido da periferia capitalista como o Brasil, que está à margem do processo produtivo e tendo de se contentar com essas políticas públicas ineficazes.

As mudanças profundas ocorrerão apenas por meio da mobilização popular, que é o único elemento capaz de alterar radicalmente os rumos do Estado e impulsionar medidas efetivas para enfrentar os problemas sociais. A história mostra isso de forma inquestionável, com exemplos como Rússia, China, Vietnã, Coreia do Norte, Irã, Cuba, entre outros. Cabe a nós abandonarmos esse apego dogmático e ingênuo às políticas públicas e assumirmos o compromisso de superá-las, com medidas que, de fato, resolvam os problemas concretos da sociedade.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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