No artigo Com quantas quartas-feiras se derruba um governo?, publicado pelo Brasil 247, o jornalista Moisés Mendes retoma uma antiga campanha da esquerda pequeno-burguesa contra a classe operária brasileira: a campanha de deslumbramento com a esquerda argentina.
O texto começa da seguinte forma:
“Os argentinos não estão protestando para tentar consertar, com recuos pontuais do governo, as crueldades de Javier Milei contra pobres, idosos, crianças, estudantes, professores e servidores públicos. Os argentinos querem, com certeza, derrubar Milei, como fizeram com Fernando de la Rúa em 2001. As últimas das mais de 10 grandes manifestações de rua realizadas até agora alertam o fascista de que o objetivo é tirá-lo do poder.”
Não se sabe se por pura ignorância ou por picaretagem, mas Mendes apresenta o oposto da realidade.
O objetivo das manifestações não é, infelizmente, tirar Milei do poder. Até este momento, a esquerda argentina foi incapaz de levantar a palavra de ordem de “Fora Milei”.
Esse problema não vem de agora. Durante toda a campanha eleitoral, a esquerda, completamente desorientada, fracassou completamente em denunciar um psicopata como Milei. A esquerda que se diz “revolucionária” esteve mais preocupada em endossar a campanha da direita contra o kirchnerismo. E a esquerda kirchnerista, por sua vez, se lançou em uma política desastrosa de frente ampla que a levou à completa desmoralização.
Derrubar Milei é, de fato, o programa necessário para a esquerda argentina. Mas não é o programa que está sendo defendido, nem de longe.
Perdida em uma política de conveniências, a esquerda argentina não foi capaz de analisar que a eleição de Milei foi, na verdade, um golpe de Estado. Foi uma imposição do imperialismo ao povo argentino, com o objetivo de arrancar a sua pele para sustentar a farra dos bancos.
Também é curioso que, nos últimos tempos, a esquerda brasileira passou a enaltecer a aliança entre idosos e as torcidas organizadas. Isso, sem querer desmerecer em nada esses setores, só indica, na verdade, a falência total das organizações de esquerda, que sequer estão se propondo a liderar o movimento.
Delirando, Mendes continua seu texto dizendo que:
“O que vem acontecendo todas as quartas-feiras em Buenos Aires, com as caminhadas dos aposentados, que não são apenas manifestações da frustração de velhinhas e velhinhos. É uma demonstração de força capaz de abalar o governo.”
Uma hora, a classe operária argentina irá derrubar Milei ou o seu substituto. No entanto, caso isso aconteça, acontecerá apesar da desorientação da esquerda, e não como produto de seu esforço. Hoje, o que acontece é que os manifestantes argentinos não estão conseguindo demonstrar força. A força está com Milei, que criou condições para estabelecer uma ditadura total sobre o país, inclusive no que diz respeito à violência policial.
Mendes segue então com relatos denunciando a política de Milei, como se isso em si fosse suficiente para que a sua queda aconteça:
“Buenos Aires misturou idosos e jovens na caminhada ao Congresso sitiado por 2 mil policiais, como se anunciasse que pode repetir hoje o que fez em 2001, desta vez com a participação de gente que nem havia nascido. Em 2001, as ruas derrubaram De la Rúa.
Quarta-feira que vem tem mais, até a realização de outra greve geral a ser marcada para datas entre 2 e 10 de abril. Até lá, Karina Milei, irmã de Javier e sua secretária, pode ser chamada a depor no Congresso sobre seu envolvimento com a gangue da $Libra.
Os argentinos passam a se perguntar com mais insistência sobre o que está claro que é a intenção dos que vão às ruas: quantas quartas-feiras faltam para que se derrube um governo que, além de autoritário e fracassado, virou sócio de mafiosos de criptomoedas?”
O problema é que Milei não é um “autoritário e fracassado” que age por conta própria. Ele é um servo do imperialismo. Um homem aplaudido pelo Fórum Monetário Internacional (FMI). Um homem que, ao contrário de Donald Trump, não é criticado pela grande imprensa.
Se o problema é o imperialismo, não adianta criticar Milei achando que isso por si só fará com que ele vá se desmoralizar. Ao lutar contra Milei, os argentinos irão lutar contra o imperialismo, que é forte e tem muitas formas de sustentar um governo, ainda que seja impopular. Quem não lembra do golpista Michel Temer, que, em determinado momento, se tornou o presidente mais impopular do mundo? Ele, no entanto, concluiu o seu mandato. O mesmo ocorre hoje com a golpista Dina Boluarte.
Para derrubar Milei, é preciso, em primeiro lugar, colocar isso como o eixo central da política da esquerda. Em segundo lugar, é preciso uma política que apele para a mobilização dos trabalhadores com um programa anti-neoliberal e anti-imperialista.