O editorial do portal Vermelho, do PCdoB, publicou no último dia 7 um editorial intitulado Oito de Janeiro: punição exemplar à infâmia golpista! Sem anistia!, defendendo – como indicado pelo título – “a impunidade ou punições cosméticas seriam um prêmio e um incentivo para que novas ações golpistas sejam perpetradas contra o regime democrático”, razão pela qual, o aparelho de repressão deveria agir com a máxima brutalidade contra determinados grupos políticos, uma posição estranha vinda de um partido com comunista no nome, à luz da história brasileira do século XX. Diz o Vermelho no texto:
“Desse modo, as forças democráticas e progressistas devem realizar um amplo movimento cívico para que, respeitado o devido processo legal, haja uma punição exemplar de Bolsonaro e demais golpistas. Não pode ser um julgamento encastelado. Há que haver vigilância do povo. A impunidade ou punições cosméticas seriam um prêmio e um incentivo para que novas ações golpistas sejam perpetradas contra o regime democrático.”
A expressão “punição exemplar” remete a uma prática associada historicamente a regimes autoritários e à extrema direita, que utiliza a repressão como uma forma de controle e intimidação. Quando se fala em “exemplar”, não se está buscando a aplicação da justiça com base no devido processo legal, mas sim instaurar o terror, uma punição que visa não só castigar, mas criar um exemplo a ser seguido, com o intuito de intimidar.
O fato de que tal reivindicação venha de um partido de esquerda como o PCdoB é alarmante, pois evidencia a subversão dos princípios democráticos que deveriam ser defendidos, como o respeito aos direitos humanos e a garantia de um julgamento justo. A exigência de uma “punição exemplar” demonstra que, na prática, a defesa do “devido processo legal” é uma farsa quando se usa de argumentos moralistas para justificar a repressão, comprometendo a própria ideia de Estado democrático de direito, que foi criado para frear os impulsos autoritários do Estado.
Ainda pior, porém, é o fato de que além da loucura que expõe a submissão ideológica do PCdoB ao bolsonarismo, essa política tem implicações de ordem prática e que se darão no futuro muito próximo, o que pode ser previsto por meio da mera observação da conjuntura política atual, tanto no Brasil quanto no mundo. Tanto no País como nos EUA, sobram evidências de que a aplicação de “punições exemplares” não apenas falha em suprimir o adversário, mas pode fortalecer ainda mais as forças que se pretende combater.
A estratégia de perseguir líderes da direita com punições severas já demonstrou seu efeito contrário em figuras como Lula, Trump e o próprio Bolsonaro, cada um a seu modo e em determinado período, mas que foram percebidos como vítimas de um sistema opressor, e com isso conseguiram galvanizar apoio popular e consolidar uma sólida mobilização.
Em 2018, o mesmo sistema de repressão a quem o PCdoB pede socorro para lidar com a extrema direita, agiu, porém contra a esquerda, colocando Lula no cárcere por alegações reconhecidamente fraudulentas, visando impedir um retorno do atual presidente brasileiro ao Palácio do Planalto (sede do governo federal). Projeções feitas pela burguesia na época indicavam que mesmo no cárcere e sem conseguir fazer campanha, Lula poderia se eleger ainda no primeiro turno com larga vantagem sobre os demais concorrentes, entre eles Jair Bolsonaro.
Eis que a Justiça entrou em cena mais uma vez e à revelia dos direitos democráticos, do líder petista e de todo o povo brasileiro, tirou-o da disputa arbitrariamente, uma intervenção direta na disputa presidencial e por isso mesmo, um golpe de Estado, fundamental para a vitória de Bolsonaro. Esse parágrafo já deveria fazer um observador atento perceber que a política expressa pelo PCdoB no editorial do Vermelho pode levar a um desastre, mas fica pior.
No caso de Trump, derrotado em 2020 por expedientes fraudulentos, o republicano continuou sendo perseguido, chegando a ser ameaçado de prisão por um motivo totalmente torpe, supostamente uma maquiagem contábil para disfarçar pagamentos efetuados a uma prostituta. Longe de dar certo, o ataque da burocracia judicial tornou sua força eleitoral ainda maior em 2024, o que se traduziu não apenas nos delegados que garantiram para uma vitória folgada contra a democrata Kamala Harris, mas também a vitória no número absoluto de votos e a maioria das duas casas parlamentares aos republicanos, resultado diretamente ligado à sua imagem de líder combatido pelo sistema.
Finalmente, o próprio bolsonarismo deu uma demonstração muito contundente de sua força eleitoral em 2024, dominando as capitais do Centro-Sul brasileiro, revelando ainda que a tentativa de produzir uma histeria na população brasileira com o 8 de janeiro de 2023 fracassou miseravelmente. Aplicar “punições exemplares”, especialmente com o apoio de setores da esquerda, foi útil para criar o fenômeno do “mártir”, o que já era muito explorado pela extrema direita norte-americana e brasileira, e tudo leva a crer que continuará sendo, o que acabaria por fortalecer figuras de extrema direita que se apresentam como vítimas desse sistema repressor, corrupto e por tudo isso, odiado.
O risco de sair defendendo a repressão é o fortalecimento do autoritarismo de direita, justamente o que se pretende combater. Essa é uma lição que a esquerda precisa assimilar se quiser, de fato, derrotar o bolsonarismo, mas a julgar pelo editorial de Vermelho, o campo ainda resiste a acordar das ilusões.