Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

Coluna

Pacto sinistro

A Moraes melhor caberia o epíteto de "herói da plutocracia", pois o povo não merece dele sequer uma satisfação sobre a promiscuidade entre poder e interesse financeiro

Os dias vão passando e o silêncio sobre o contrato milionário do escritório Barci de Moraes, da família do paladino da “democracia”, o juiz Alexandre de Moraes, vai dando a impressão de que o escândalo, curiosamente revelado pelo jornal O Globo, nem mesmo é uma notícia, de tão pouca importância que se lhe dá. Moraes, sempre tão falante, não disse uma palavra – menos ainda sua mulher e filhos, os advogados mais bem pagos do país. Para variar nem um pouco, a esquerda pequeno-burguesa seguiu o relator e também engoliu a língua, deixando as críticas para o segmento bolsonarista, o que acaba funcionando como uma espécie de blindagem do STF. Críticas de bolsonaristas seriam, por princípio, indignas de nota.

Segundo a imprensa, o escritório da mulher de Alexandre de Moraes recebia uma mesada de R$ 3,6 milhões, que deveriam perfazer um contrato de R$ 129 milhões em três anos. Essa espécie de “mensalão” não estava vinculada a nenhum processo em particular, pagando por qualquer coisa que viesse a ser necessária. A exorbitância do valor, que, conforme reportagem da Folha de S. Paulo, está absolutamente fora dos padrões das mais renomadas bancas do país, assim como o cliente – um banco liquidado por envolvimento em falcatruas – e as relações íntimas dos proprietários do escritório com a mais alta corte jurídica do país, tudo é altamente suspeito. A esquerda pequeno-burguesa, no entanto, parece ter amarrado o rabo no rabo do ministro. Resta saber se acredita mesmo que esse homem e o tribunal de que faz parte são defensores da “democracia”. Sempre é bom lembrar que “demos”, em grego, quer dizer “povo” e que, ao pé da letra, “democracia” é o “governo do povo”.

Como a ordem é “passar o pano” para limpar a barra do Xandão, a Folha de S. Paulo tentou explicar que as ações do escritório da família Moraes não são julgadas no STF pelo próprio Alexandre de Moraes.  Exemplificou com um caso em que o escritório Barci de Moraes defendia o Grupo SEB, um megaconglomerado de educação, controlado pelo empresário Chaim Zaher, em cujo portfólio estão escolas como Maple Bear, Pueri Domus, Concept e Unidombosc. A ação, sobre pejotização, foi julgada por um coleguinha do ministro Moraes, o ministro André Mendonça (o evangélico), que deu ganho de causa ao grupo econômico contra um funcionário que pedia reconhecimento de vínculo empregatício.

Em outros tempos, a imprensa cunhou a expressão “nepotismo cruzado” para denominar uma prática corrente na administração pública, segundo a qual um administrador contratava o parente de outro e vice-versa para driblar a proibição e não levantar suspeitas. Pactos de toda ordem são ainda mais fáceis de fazer entre um grupo tão reduzido de pessoas com superpoderes e nenhuma vinculação com o povo como é o STF, cujos cargos são praticamente vitalícios e ocupados por indicação, alheios ao escrutínio popular.

Na década de 1950, o cineasta Alfred Hitchcock lançava o filme Strangers on a Train, que chegou ao Brasil sob o sugestivo título de Pacto Sinistro. O roteiro é muito simples: um encontro fortuito de dois desconhecidos  leva a um pacto de crimes cruzados. Um psicopata que deseja matar o próprio pai encontra em um trem um conhecido tenista que, segundo se sabia pelos jornais, desejava separar-se da mulher. Esta, embora tivesse amantes, não pretendia conceder-lhe o divórcio para que ele se casasse com outra exatamente no momento em que a vida financeira dele começava a melhorar. O psicopata, ávido leitor de jornais, aproveita a coincidência do encontro e propõe ao tenista um acordo: que ele matasse seu pai em troca do assassinato de sua esposa. Seria o crime perfeito, pois não havia relação entre eles que pudesse despertar suspeita. Esse é o mote sobre o qual se desenvolve a trama de suspense.  No Pacto Sinistro de Hitchcock, várias questões estão envolvidas, sobretudo o dilema ético, coisa, ao que tudo indica, superada no entendimento da nossa corte suprema, que só deve mesmo satisfações a seus patrões, ou seja, à burguesia entreguista.

O ministro Edson Facchin, atual presidente do STF, tem proposto a aprovação de um Código de Conduta para o Judiciário, ideia que, segundo a própria imprensa burguesa, tem dividido os ministros. Nem é preciso explicar por quê. Toffoli decretou sigilo sobre as investigações do Banco Master, cliente VIP do escritório dos Moraes; Barroso, que vivia nas festinhas da burguesia e em congressos de entidades com questões no Judiciário, afastou-se da corte com medo de ser atingido por sanção de Trump (por que será?); Gilmar Mendes é dono de faculdade em Brasília e promove seus encontros em Lisboa com membros da alta burguesia – e por aí vai.

Enfim, o que se sabe é muito pouco, mas dá pistas muito claras sobre os compromissos da mais alta corte, que, verdade seja dita, vem governando o país. A Moraes melhor caberia o epíteto de herói da plutocracia, pois o povo não merece dele sequer uma satisfação sobre a promiscuidade entre poder e interesse financeiro. A maior parte da população mal sabe calcular o valor dessa mesada ao escritório dos Moraes, embora entenda o que significa condenar a 14 anos de prisão um homem que ousou sentar-se na cadeira do todo-poderoso Moraes. É um escárnio. Estamos todos reféns de pactos sinistros.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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