Cinema

Oscar: um novo fetichismo da esquerda pequeno-burguesa

Ninguém deve acreditar que um filme como Ainda Estamos Aqui irá fazer uma denúncia contundente contra a ditadura militar, pois os mandantes são os mesmos que premiam com o Oscar

E o Oscar vai para...

Parte da esquerda brasileira continua nas nuvens com a premiação do filme “Ainda Estamos Aqui” pela indústria cinematográfica norte-americana. O artigo “Tributo à Memória Ditadura Nunca Mais – Sem Anistia!”, assinado por Elisabeth Lopes e publicada neste dia 8 no Brasil247, rasga elogios ao filme, condena a ditadura militar, mas não faz as reflexões necessárias.

De início, devemos dizer que a premiação do Oscar não tem nada a ver com qualidade artística, trata-se de um evento promovido por uma indústria e, como tal, premiará de acordo com seus interesses.

Esse fetiche não é de hoje, sempre se cobra que Lula não tenha ganhado o Nobel da Paz, aquele que o Obama ganhou logo após anunciar o aumento de tropas e bombardear o Afeganistão; ou que Fernanda Montenegro não tenha sido escolhida como melhor atriz e assim por diante.

O entusiasmo é grande, como podemos ler no primeiro parágrafo: Vencemos finalmente o prêmio mais cobiçado pelas grandes produções cinematográficas. O país tropical é notícia no plano da cultura, da dramaturgia nacional e internacional desde domingo passado. Primeiro Oscar de melhor filme internacional, entre outros que mereceram a estatueta. Com direção impecável de Walter Salles, a excelência das atrizes Fernanda Montenegro, Fernanda Torres e demais atores e atrizes que brilharam na tela do longa Ainda Estou Aqui que fez história no país e no mundo.

Ou ainda “O mundo está fascinado pela descoberta, ainda que tardia, que há no Brasil exímias produções da sétima arte…”.

Passando a limpo?

A verdade é que estão superestimando a capacidade de um filme produzir algum efeito político significativo. Por exemplo, o de forçar um julgamento dos crimes praticados pelos militares durante a ditadura militar. Essa palavra de ordem “Sem Anistia”, que tanto gostam de repetir, nunca terá efeito sem um grande movimento de massas. E boa parte da esquerda nunca esteve de fato empenhada nisso, pois vive de braços dados com os golpistas de 2016. Sem mencionar que muitos apoiaram o golpe, como o PSTU, dentre outros.

Elisabeth Lopes afirmou que “O Brasil, apesar de seus 21 anos submetido às grades sombrias de um totalitarismo, passa a limpo, pelo menos no campo da cultura cinematográfica, os tempos cruéis de exceção em que homens e mulheres foram brutalmente assassinados mediante as torturas mais vis. No entanto, os criminosos ainda estão aqui e até o presente não foram punidos por seus crimes continuados desde 64”.

Para passar a limpo esse período seria necessário dizer a mando de quem os militares praticaram seus crimes. Foi justamente o país que premia com o Oscar o principal mandante dos crimes da ditadura militar, e não apenas no Brasil. Indonésia, Egito, Irã, Argentina, Uruguai… a lista é gigantesca. Aqui, na América Latina, no Panamá, em 1946, o imperialismo criou a Escola das Américas (School of the Americas, SOA).

Essa “escola” tinha por objetivo treinar militares da América Latina em táticas de combate, contrainsurgência, inteligência e técnicas de tortura. Em 1984, a escola foi transferida para Fort Benning, na Geórgia, EUA, e em 2001 foi renomeada como Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em Segurança (WHINSEC).

Em dezembro de 1980, quatro missionárias católicas norte-americanas foram brutalmente assassinadas em El Salvador. Elas eram Maura Clarke, Ita Ford, Dorothy Kazel e Jean Donovan. Essas mulheres estavam atuando em comunidades rurais empobrecidas durante um período de intensa repressão militar e guerra civil. Elas foram sequestradas por membros da Guarda Nacional de El Salvador, que as violentaram e as mataram.

Não por acaso, esses militares foram treinados na Escola das Américas.

Os militares foram são as mãos que cometeram os crimes, mas a cabeça, os mandantes, são o imperialismo, o grande capital e seus associados, como os banqueiros e grandes empresários e essa gente continuará impune.

Esquerda ongueira

Vamos reproduzir abaixo um trecho do artigo que é bastante ilustrativo do quanto a esquerda está disposta a passar a limpo o nosso passado:

Durante a ditadura, o ensino passou a ser um meio de difusão da ideologia do regime autoritário. Foram incluídas três disciplinas nos três níveis. No ensino fundamental – Educação Moral e Cívica (EMC), no segundo grau, atual ensino médio – Organização Social e Política Brasileira (OSPB), no ensino superior- Estudos de Problemas Brasileiros (EPB).

Nas universidades, os professores de EPB eram selecionados por seu currículo isento de inclinações comunistas ou socialistas”.

USAID atuando com o MEC
USAID atuando com o MEC

Recentemente, boa parte da esquerda começou uma gritaria porque Donald Trump resolveu acabar com a USAID, uma entidade imperialista que foi diretamente responsável por essa mudança no currículo das escolas.

Não é novidade que tem muita gente na esquerda que depende do dinheiro dessas entidades para ganhar dinheiro. E é claro que sairiam em defesa de seus mantenedores.

O povo é o culpado?

A autora do artigo diz que “nos últimos anos, boa parte do povo tem eleito representantes fascistas, desprezivelmente oportunistas, que idolatram os opressores de dentro e de fora do país, estelionatários da verdade, que negam a ciência, a crise climática do planeta, que conspiram contra a soberania e as instituições de seu próprio país.”.

Temos que dizer que um dos fatores mais importantes dessa realidade é que a esquerda abandonou o socialismo e passou a defender, por exemplo, as instituições. O Supremo Tribunal Federal, uma das instituições mais reacionárias do Estado, que foi instrumento ativo no golpe de 2016, especialmente um de seus ministros mais autoritários, Alexandre de Moraes, virou o super-herói que vai nos libertar das fake news.

O negacionismo científico, uma moda que se fortaleceu durante a pandemia, é um artifício autoritário que impede o debate. Isso serviu para o STF oprimir ainda mais a população. Ficou proibido questionar a eficácia das vacinas no tratamento contra a Covid-19, era crime, terrorismo, negacionismo e podia até dar cadeia. Anos depois, a verdade veio à tona, há muito o que se questionar sobre as vacinas e seus efeitos colaterais. A proibição do debate apenas favoreceu as gigantes da indústria farmacêutica, que lucram bilhões de dólares.

A “crise climática” não passa de uma política do imperialismo para frear o desenvolvimento de países atrasados. Anos atrás prometiam que, com o “aquecimento global”, e subsequente derretimento das calotas polares, inúmeras cidades costeias seriam engolidas pelas águas. Como isso não aconteceu, pois se tratava de uma mentira, mudaram o nome para crise climática.

A esquerda está metida na defesa da política do imperialismo, é por isso que o trabalhador tem sido fisgado pelo discurso da extrema direita que, ao contrário da esquerda que defende as instituições, se apresenta como antissistema.

Enquanto a esquerda estiver auxiliando a política do imperialismo, não será um prêmio que vai passar a limpo nosso passado ou muito menos alterar nossa realidade.

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