Esquerda brasileira

Os ‘revolucionários’ que rejeitam a revolução na Palestina

Posto diante de uma revolução real, agremiação brasileira com 'revolução' no nome demonstra sequer ter a capacidade de reconhecê-la, rejeitando a importância do feito do Hamas

O texto intitulado Estado sionista de Israel volta ao terror de Estado e à carnificina, impresso no panfleto do Massas, órgão do Partido Operário Revolucionário (POR) e publicado no último dia 21 de março, traz uma série de considerações sobre o rompimento unilateral do cessar-fogo feito por “Israel”. A mais importante, no entanto, vem do que o órgão não diz, deixando apenas implícito na seguinte passagem:

“O maior dos crimes está em que a Autoridade Palestina da Cisjordânia (AP) tem sido conivente e servido de sabujo dos Estados Unidos.

Todos sabiam que o ‘acordo’ do cessar-fogo em três fases apenas serviria de promoção ao governo fascistizante de Trump.”

Em primeiro lugar, é preciso destacar a inacreditável insensibilidade do POR ao desprezar a importância do acordo de cessar-fogo para os habitantes da Faixa de Gaza, que após sua assinatura, conquistaram a suspensão dos criminosos bombardeios aéreos. Pode não ser importante para o POR, mas certamente é para os mais de dois milhões de palestinos em Gaza, após mais de um ano sendo alvejados pelos ataques aéreos intermitentes.

Se bem não tenha sido inteiramente respeitado pela horda sionista, inegavelmente cumpriu uma importante função de interromper o martírio em escala industrial de palestinos. É muito fácil para um diletante localizado a milhares de quilômetros da zona de ação atacar o acordo firmado em janeiro dizendo que ele “apenas serviria de promoção do governo fascistizante de Trump”. Voltaremos a tratar dessa colocação absurda, mas por hora, o fato é que o alívio à população da Faixa de Gaza é inegável e a tentativa de desmerecer a importância do acordo que, finalmente, trouxe um alívio ao povo árabe.

Com isso dito, o POR precisaria esclarecer por que o acordo facilitou o que chama de “governo fascistizante de Trump”. Independentemente das considerações ideológicas de Trump, o fato é que a pressão dele sobre “Israel” para o país artificial aceitar o cessar-fogo gerou um efeito positivo para os palestinos. Como isso fortalece uma política fascista é um mistério e permanece assim já que Massas não se dedicou a explicar tal colocação, que, finalmente, não tem explicação.

Além disso, ao contrário do que dizem os esquerdistas brasileiros, a AP não teve participação nenhuma no acordo de cessar-fogo. Quem realmente participou do acordo foram os partidos que compõe a Resistência Palestina, liderada pelo Hamas, o verdadeiro alvo das críticas do POR.

Foram as organizações revolucionárias palestinas, em primeiro lugar, que forçaram o imperialismo a pressionar “Israel” para aceitar o cessar-fogo e em termos proposto muitos meses antes, tendo na época sido rejeitado por Biden e Netaniahu. Acima de tudo, foi a percepção acertada de que “Israel” não venceria a Resistência tão cedo e arrastaria os EUA para uma guerra interminável, dispendiosa e de elevado custo político o que motivou Trump a mudar política do governo norte-americano.

Sem a força da Resistência fustigando a ditadura sionista no campo militar por um lado e angariando apoio político crescente (dentro e fora da Palestina) por outro, jamais um direitista como Trump se mobilizaria para por um fim ao conflito. O fato de fazê-lo é totalmente escamoteado pelo POR, que simplesmente credita o fenômeno a uma inexplicável “promoção fascistizante”, revelando com esse tipo de consideração o descompromisso da organização brasileira com a causa revolucionária em geral.

É preciso destacar, porém, que o próprio fato de “Israel” romper o cessar-fogo não é sintoma da força da ditadura sionista, mas de sua fraqueza. O POR (e praticamente toda a esquerda brasileira) não analisou corretamente o que está acontecendo, mas a suspensão unilateral do cessar-fogo aconteceu em meio a uma crise política que ameaçava implodir o governo Netaniahu, que por sua vez, revelou ser o único capaz de impedir uma crise ainda maior no país artificial e isso ainda antes do 7 de Outubro.

Em junho de 2021, o imperialismo decidiu remover o premiê sionista do poder no Knesset (o parlamento sionista), mesmo com o seu partido (Likud) tendo a maioria dos assentos, em um golpe de Estado muito mal disfarçado. Um ano depois, a ditadura mundial terminou aceitando o retorno de Netaniahu ao poder, percebendo que a crise em “Israel” era muito pior sem ele. Agora, com a nova situação aberta pela operação Dilúvio de al Aqsa, empreendida pelo Hamas para libertar companheiros palestinos sequestrados pela ditadura sionista, a crise interna, que já era grande, ficou pior.

É nessa conjuntura que se dá a ofensiva do Hamas. A campanha genocida desencadeada como resposta cumpriu um papel apaziguador para a crise interna, que ameaçou explodir novamente com o cessar-fogo, levando a rachas no gabinete ministerial que acima de tudo, expressam a fratura social de “Israel”, que ao longo dos últimos meses, viu manifestações de familiares de militares israelenses capturados, pressionando o governo a aceitar qualquer acordo que os trouxesse de volta por um lado, a extrema direita sionista pressionando por uma carnificina ainda maior por outro, os judeus ortodoxos pressionando para terem seu direito de não entrarem nas forças armadas preservado, os colonos da região fronteiriça com o Líbano pressionando por uma solução na região.

Violar o acordo e retomar a guerra foi a única forma encontrada pela ditadura sionista para não implodir “Israel”. O governo Trump, por sua vez, acossado pela pressão imperialista e pela crise no país artificial, se viu sem outra opção, exceto aceitar trair o seu programa, se desmoralizar junto a sua base social, mobilizada pela política do “America first”, que tem como uma de suas principais premissas parar de gastar dinheiro no exterior.

Nada disso é considerado pelo POR ao formular sua política, mas por mais monstruoso e covarde que seja a ação israelense, ela é também um sintoma da crise do país. E do imperialismo. A vitória do Hamas, portanto, é digna de ser enaltecida por qualquer um com apreço real pela causa revolucionária.

O partido que tem a revolução no nome demonstra não o ser verdadeiramente. Posto diante de uma revolução real, demonstra sequer ter a capacidade de reconhecê-la, rejeitando ainda a importância do feito do Hamas, chegando ao cúmulo de caracterizar o acordo mediado pelo partido palestino e responsável por demonstrar a força da Revolução Palestina como “promoção ao governo fascistizante de Trump”. Uma posição profundamente reacionária, que deve ser duramente criticada por todos que verdadeiramente se importam com a libertação da Palestina e com a revolução proletária.

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