Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

Coluna

Os amigos da corte

Presidente do STF participa de jantar na casa de CEO do iFood, empresa que tem interesse em decisão de repercussão geral

O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, ficou irritado com a publicação de uma notícia sobre sua participação em alegre jantar beneficente na casa do CEO do iFood, Diego Barreto, onde soltou a voz em cantoria ao lado de convidados ilustres. A pretexto de arrecadar fundos para uma causa nobre, qual seja, o custeio de bolsas de estudo em curso preparatório para concurso de ingresso na magistratura, destinadas a negros, o rega-bofe reuniu 60 pessoas, entre as quais magistrados, jornalistas, educadores, representantes de ONGs e de startups, estudantes, juristas e outros apoiadores.

Segundo o ministro, autor da célebre frase “Perdeu, mané”, “no Brasil, existem duas grandes categorias de pessoas: as que fazem alguma coisa e as que têm razão, portanto a gente tem que continuar fazendo e deixar parado [sic] as que têm razão e precisam vender jornal falando bobagem”, palavras proferidas na abertura da sessão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). E prosseguiu: “O meu comentário indignado é que a gente fez um jantar para arrecadar fundos para o programa, e a matéria diz que eu me reuni com empresários a pretexto de arrecadar fundos. Então está bom. A incultura é um problema difícil de sanar no Brasil”.

O que a matéria, publicada na Folha de S. Paulo, relatou, na verdade, foi outra coisa, que o ministro espertamente tentou tirar do foco com essa suposta indignação com a “incultura” dos jornalistas e donos de jornal. O que a matéria denunciou – e os leitores entenderam muito bem – foi que o iFood é um dos interessados em uma ação no STF que discute a existência de vínculo empregatício entre motoristas de aplicativo e empresa de plataforma digital. A ação chegou ao STF na forma de recurso apresentado pela Uber, que alega existirem mais de 10 mil processos dessa natureza em tramitação em todo o país. Isso aparentemente justificaria a aplicação do dispositivo de “repercussão geral”, criado no âmbito de uma emenda à Constituição aprovada em 2004 (EC 45/2004).

Os ministros do STF já definiram que a ação da Uber terá repercussão geral, ou seja, a decisão emitida pelos 11 próceres da república será obrigatoriamente seguida pelas instâncias inferiores do Judiciário em todas as ações similares. O iFood, cujos entregadores estão submetidos ao mesmo tipo de regime de trabalho da Uber, entrou na ação na condição de “amicus curiae” (literalmente “amigo da corte”), ou seja, como um terceiro interessado em influir na decisão.

É comum a participação do “amicus curiae” em ações que envolvem direitos humanos, direito ambiental e direito constitucional. No caso do direito do trabalho, no qual sua presença é mais rara, a figura, em tese, seria representada por entidades sindicais, organizações de trabalhadores ou especialistas em direito trabalhista, admitidos para prestar informações ou esclarecimentos sobre questões técnicas ou sociais envolvidas na causa. A figura do “amicus curiae”, no princípio, estava ligada ao interesse público ou geral, de modo que o “amigo” era neutro em relação às partes do processo, ou seja, seu interesse era de natureza ética.

Vai longe de nosso intento pôr em dúvida o “legítimo” interesse patronal numa causa que envolve patrões que não se veem como patrões e empregados de uma entidade fictícia chamada “aplicativo”, que define quanto e como eles receberão a título de pagamento por serviços prestados.

Além da questão trabalhista, o iFood tem outro processo importante em tramitação na Justiça, este contra o governo. É que, durante a pandemia, foi criado um programa de isenção de impostos para o setor de eventos, o chamado Perse, que visava a beneficiar principalmente bares e restaurantes, entre outras atividades que tiveram grandes prejuízos com a quarentena e as restrições às aglomerações. Embora fosse destinado a amparar os que realmente enfrentaram grandes dificuldades, como os estabelecimentos menores, o programa acabou zerando imposto de gente graúda, como o influenciador Felipe Neto, e de empresas que, como o iFood, triplicaram o lucro no período.

Graças ao cadastro Cnae (Classificação Nacional de Atividades Econômicas), o iFood está no ramo de alimentação e, possivelmente por esse motivo, conseguiu manter-se no programa. No ano passado, já sob o governo Lula, foi anunciado o encerramento do Perse, mas o iFood ajuizou uma ação segundo a qual continuaria fazendo jus à isenção mesmo após o término do programa. Seu departamento jurídico certamente encontrou algum argumento ardiloso para tentar, no mínimo, adiar o pagamento de impostos. Como sabemos, quem detém altas somas de dinheiro faz aplicações de rendimento diário no mercado financeiro, o que torna o adiamento de pagamentos devidos uma forma de multiplicar o caixa sem fazer esforço – e os altos juros favorecem a manobra.

De qualquer forma, corre-se o risco de que o iFood ganhe essa causa, convencendo os magistrados de sua justeza, e que a Receita Federal, tão severa com a população, seja obrigada a abrir mão de taxar uma empresa multimilionária cuja fortuna é obra de trabalhadores que rodam dia e noite sobre motocicletas e bicicletas com uma bolsa nas costas sem direitos trabalhistas. Mas a empresa está, como vimos, comprometida com a inclusão de negros no Judiciário, motivo pelo qual seu CEO convidou e recebeu para jantar em sua casa o ilustre presidente da mais alta corte judicial do país, que, desta vez substituiu o “perdeu, mané” por um lamento pela “incultura” do brasileiro. Então tá.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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