Coluna

Os alemães saem às ruas para protestar

"Invocar 'democracia' contra o 'fascismo', ainda que entoando canções, não atinge o cerne do problema"

Nas últimas semanas, milhares de manifestantes têm ido às ruas para se manifestar contra a ascensão permanente do partido AfD (Alternativa para a Alemanha) e suas ideias de direita radical. Entoando a canção “Wehrt euch, leistet Widerstand” (“Defendam-se, resistam”), os alemães intensificaram sua presença nas ruas após o anúncio do alinhamento do partido CDU (União Democrata-Cristã da Alemanha) no Bundestag (Parlamento) com as propostas de política anti-imigração. Merz, o favorito nas pesquisas de intenção de voto para as próximas eleições, que ocorrerão no dia 23 deste mês, havia declarado que jamais se alinharia à AfD; no entanto, mudou de ideia há poucas semanas. Os demais partidos alemães — SPD (Partido Social-Democrata da Alemanha), Die Grüne (Os Verdes), FDP (Partido Democrático Liberal), CSU (União Social-Cristã), Die Linke (A Esquerda) e, recentemente, BSW (Liga Sahra Wagenknecht) — vinham mantendo um cordão de isolamento da AfD. Ao alinhar-se com um partido de extrema-direita, a CDU acabou quebrando um paradigma do pós-guerra, o que desencadeou gigantescas manifestações públicas em todo o país.

É curioso notar que, da mesma forma como os chamados progressistas defendem no Brasil, relativizar os mecanismos da democracia burguesa para impedir o crescimento da extrema-direita parece ser a solução correta. E, também da mesma forma, o crescimento da direita nas eleições regionais, tanto em número de apoiadores quanto em suas ideias, aumenta de maneira descomunal em relação às manifestações contrárias, como demonstram os resultados eleitorais e as pesquisas de intenção de voto. Neste momento, a AfD é o segundo partido na preferência dos eleitores.

Pode ser algo difícil de explicar, sobretudo para os chamados progressistas. Os jornalistas alemães comemoram, alguns até ingenuamente, o aumento do número de manifestantes nas ruas, como se essas manifestações fossem capazes de evitar a decadência do Ocidente e, com ela, a destruição da cultura jurídica forjada desde o pós-guerra.

Democracia burguesa

A palavra democracia, como se sabe, remete ao poder do povo. Para equalizar o problema nas sociedades modernas, instituiu-se a democracia representativa, assentada em regras jurídicas que, ainda hoje, se proclama serem capazes de assegurar a soberania popular. De outro lado, o Estado garantiria, por meio de um sistema normativo fundado em uma declaração — a Constituição —, os chamados direitos fundamentais. Em apertadíssima síntese, o Estado Democrático de Direito seria capaz de garantir, por meio de seu arcabouço normativo, uma existência digna para todos. O problema é que fundar um sistema apenas em regras morais não garante coisa alguma, exceto uma falsa esperança e uma falsa sensação de liberdade.

O crescimento vertiginoso da extrema-direita pode ser explicado de muitos modos e por diversos fatores, mas é inegável que ocorre tanto no centro quanto na periferia do capitalismo, tal como a degeneração do Direito.

O sistema jurídico, é bom lembrar, insere-se em um sistema capitalista e é produzido e aperfeiçoado para garantir-lhe a existência. Mas a realidade confronta o discurso, especialmente quando esse sistema entra em crise. E estamos em plena crise do capitalismo. O primeiro a degenerar-se, contradizer-se e corromper-se é o sistema que garante sua estabilidade e existência às custas dos direitos que declara defender.

Essa contradição é explicada por Jürgen Habermas em Faktizität und Geltung: Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaats (Direito e Democracia, na tradução brasileira da editora Tempo Brasileiro).

O que se vê no Ocidente é sua vertiginosa queda, impulsionada por movimentos de resistência, como em Gaza e em alguns países africanos, os quais põem em xeque a ordem mundial baseada em regras e esfregam na cara das lideranças ocidentais sua ridícula falibilidade em cumprir promessas de “democracia contra ditaduras” por eles mesmos inventadas. Os alemães parecem viver em uma bolha moldada pelos Estados Unidos, que exerce sua dominação de modo mais sofisticado, mas não menos nefasto do que nos países do chamado Sul Global.

Comemorações vazias

Boa parte da mídia alemã, mesmo as mais alternativas, por assim dizer, comemora as manifestações populares, mesmo sabendo que a tendência do sistema é suprimir cada vez mais as liberdades públicas. A atuação violenta dos aparelhos de repressão contra os apoiadores da resistência palestina, bem como contra os movimentos críticos ao governo alemão por sua postura subserviente aos interesses norte-americanos, demonstra a degeneração do sistema de proteção das liberdades constitucionais.

As grandes manifestações contra a extrema-direita, no entanto, são apoiadas pela burguesia alemã, que vê seus interesses econômicos ameaçados pelas políticas anti-imigração defendidas pela AfD e CDU. Não há como negar que falta mão de obra para manter o funcionamento da produção, do comércio e dos serviços, incluindo saúde e educação. E este ainda é um problema sem solução à vista para a economia alemã.

Embora as manifestações sejam consideráveis, o fato é que a ascensão da AfD no Parlamento Federal e nos parlamentos estaduais não parece arrefecer, muito pelo contrário. Invocar “democracia” contra o “fascismo”, ainda que entoando canções, não atinge o cerne do problema, que, também para a poderosa economia alemã, é a dependência dos Estados Unidos. Nem evitará a guerra, que já está em curso.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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