O professor de Direito da FGV Oscar Vilhena Vieira escreveu um artigo para a Folha de S.Paulo intitulado PEC da Blindagem põe Congresso acima da lei, destacando que “proposta de emenda acaba com controles jurídicos sobre os parlamentares” e que “casta parlamentar pode ficar definitivamente fora da supervisão dos cidadãos”, algo que em si já é uma contradição em termos. Como poderia, afinal, estarem representantes eleitos pelo voto da população submetidos a uma casta de burocratas que não foram eleitos por ninguém (eufemisticamente chamados pelo autor de “controle jurídico”) e, com isso, sob “supervisão dos cidadãos”? Vieira continua:
“O pêndulo do presidencialismo de coalizão, em que o Executivo tinha um papel dominante, voltou-se para o Legislativo, que passou a dar as cartas. Isso não seria um problema para a democracia se fosse acompanhado de mecanismos simétricos de responsabilização política e jurídica do Parlamento. O que não ocorre!”
Imagina se ocorresse! Nos últimos 10 anos, nem Vieira e nem brasileiro algum viu qualquer juiz ser preso ou derrubado pelo Congresso. Já para o contrário sobram exemplos que comprovam a vigência de uma ditadura judicial.
Da prisão de Daniel Silveira (PTB) ao exílio de deputados como Eduardo Bolsonaro e Carla Zambelli, passando por uma intervenção brutal que mudou a composição da Câmara em favor do antigo centro político, o STF impôs ao País um regime de exceção que nenhuma força faz para disfarçar o contínuo recrudescimento da repressão política estatal. Longe das loucuras retóricas do professor, no mundo real, o que o Brasil viu nos últimos anos não foi o Legislativo “dando as cartas”, mas o Judiciário. Vieira continua:
“Entre 1988 e 2001, os parlamentares só poderiam ser processados se houvesse prévia autorização das respectivas casas do Congresso. Esse modelo contribuiu para a mais absoluta impunidade de centenas de parlamentares, acusados dos mais variados crimes. Ao STF não foi concedida autorização sequer para processar um deputado federal acusado de matar e retalhar suas vítimas com uma motosserra.”
O que o acadêmico pequeno-burguês fez questão de esconder em sua colocação é que, durante o período, o STF foi contido por um dispositivo constitucional criado exatamente para isso: proibir perseguições contra representantes eleitos pelo povo, que só poderiam responder a outros representantes igualmente eleitos pelo voto popular. A imunidade parlamentar foi uma das muitas conquistas civilizatórias trazidas pela Revolução Francesa, sendo seguida pelos regimes democráticos mundo afora durante a etapa progressista da burguesia. No Brasil, o instituto constitucional que a defendia foi igualmente resultado da luta dos trabalhadores contra a Ditadura Militar (1964-1985).
Isso significa que se o Congresso entendesse que o caso de um deputado acusado de matar e retalhar suas vítimas com uma motosserra estava sendo explorado politicamente, ele podia barrar investigações contra o referido parlamentar? Sim, e a despeito dos golpes publicitários da direita, e das vacilações da esquerda sensível às pressões da burguesia, trata-se de uma política muito mais democrática do que deixar congressistas sendo alvo da perseguição do imperialismo por meio do Judiciário, que foi o que aconteceu a partir do momento em que a burocracia judicial se sentiu confortável para submeter deputados e senadores ao seu terror.
Julgamento do Mensalão, operação Lava Jato, Inquérito das “Fake News”; não faltam exemplos de como, desde o começo da década passada, o Judiciário vem intervindo de maneira decisiva na política, o que, não sendo sua função, é uma arbitrariedade total. Na conta dessas intervenções está o golpe de 2016 e a prisão ilegal do presidente Lula, sua proscrição igualmente golpista das eleições presidenciais de 2018 (fator decisivo para a vitória eleitoral de Bolsonaro). Se agora essa máquina de intervenção mudou o foco para perseguir a direita em vez da esquerda, isso não a tornou mais democrática. Apenas indica qual problema político desperta maior preocupação no imperialismo.
Que um acadêmico da FGV em artigo à Folha defenda esse setor social, não deveria causar surpresa em ninguém. Tampouco que o órgão que apoiou a Ditadura Militar apoie agora a ditadura judicial. O estranho é a esquerda usar os piores inimigos dos trabalhadores como parâmetro de sua própria política.




