Liberdade de expressão

O verdadeiro golpe é o da censura

Colunista da Folha defende atos inconstitucionais do STF contra os bolsonaristas argumentando que "golpismo não é liberdade de expressão"

8 de janeiro

No dia dois de março, foi publicada uma coluna na Folha de S.Paulo intitulada Golpismo não é liberdade de expressão e assinada por Camila Rocha, que se apresenta como “Doutora em ciência política pela USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento”.

Segundo a coluna de Camila Rocha, o tratamento dado por parte do judiciário brasileiro aos manifestantes bolsonaristas no fatídico 8 de janeiro de 2023 estaria correto e não apresentaria o cerceamento de diversos direitos da população brasileira. Em especial, Camila argumenta que a liberdade de expressão teria sido assegurada nos julgamentos.

O texto começa com a declaração de que não há perseguição política contra a extrema direita no Brasil e, para comprovar o que diz, a colunista cita a recente visita do relator da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para a Liberdade de Expressão, Pedro Vaca:

“O relator da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para Liberdade de Expressão, Pedro Vaca, precisou desmentir o que correu nas redes e afirmou que nenhuma ditadura recebe um relator. A equipe de Vaca teve uma demonstração empírica de como funciona a máquina de desinformação da extrema direita brasileira.”

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) é um braço da Organização dos Estados Americanos (OEA), uma entidade responsável por dezenas de golpes de Estado e pela pressão contra a liberdade de expressão na América Latina, endo inclusive colaborado com a Ditadura Militar de 1964 no Brasil. É o órgão controlado pelos Estados Unidos que o chanceler de Cuba Raúl Roa já chamou de “Ministério das Colônias dos EUA”.

Recentemente, essa organização foi responsável direta pelas tentativas de golpes de Estado na Venezuela e foi a grande organizadora do golpe que derrubou Evo Morales em novembro de 2019 na Bolívia.

Sendo assim, a opinião desse órgão sobre se há ou não o cerceamento de qualquer direito no Brasil ou em qualquer outro país não só não deveria ser levado em conta, como deveria ser tomado como o exato contrário da realidade.

Após o argumento de autoridade de Pedro Vaca, a colunista continua com:

De acordo com a investigação da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe, o uso de desinformação foi fundamental na estratégia dos golpistas. A investigação do plano Punhal Verde e Amarelo apontou a existência de vários núcleos militares e civis articulados, sendo que um destes era inteiramente dedicado à desinformação e ataques ao sistema eleitoral.”

Ora, a chamada “desinformação” não seria ela mesma uma opinião? Não é exatamente uma opinião diversa daquilo que o senso comum (opinião dos jornais da burguesia) chamaria de “informação”? Quem tem o poder de decidir o que é a informação e o que é a desinformação?

Fica evidente, portanto, que se trata de um cerceamento à liberdade de expressão. Gostemos ou não da opinião dos bolsonaristas, essa é sua opinião e não cabe ao Estado decidir se ela é legal ou não, porque a Constituição Brasileira garante no art. 5º, IV. Que “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.”.

A chamada “desinformação” é somente uma outra palavra para “mentira”, que não é utilizada pois cairia no ridículo dizer que está proibida a mentira. Ou seja, dizer que é crime a “desinformação” é o mesmo de dizer que existe crime de opinião no Brasil.

A colunista, depois, cita outro crime não previsto nas leis do Brasil:

A importância da empreitada era tal que foi montada uma verdadeira ilha de produção de vídeos no principal acampamento conectado aos ataques do 8 de janeiro.

Aqui, ela argumenta que o nível de “desinformação” era tão grande na internet, que os vídeos eram produzidos em massa nos acampamentos bolsonaristas. Mas qual o crime? Se os vídeos são produzidos individualmente ou em grupo, qual a diferença, já que a produção de vídeos, independente de seu conteúdo político, não é considerada crime no Brasil, já que, a produção de vídeos nada mais é do que uma forma de expressão do pensamento humano.

Argumento parte do princípio antidemocrático de que existe o crime de associação. Ou seja, segundo a opinião da colunista, se agrupar em um grupo ou partido, dependendo do que seja defendido pelas pessoas que resolveram se associar, pode ser considerado crime.

Posteriormente, Camila compara a situação brasileira com a situação norte-americana, quando ocorreu a invasão do Capitólio em janeiro de 2021:

Nesse contexto, alguns parlamentares e comentaristas proeminentes alinhados à extrema direita e ao discurso golpista tiveram suas redes bloqueadas. Para efeito de comparação, de acordo com pesquisadores do Instituto Democracia em Xeque, nos dias posteriores à invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, apenas no antigo Twitter, hoje X, 150 mil contas foram bloqueadas.

O número é esse mesmo: 150 mil. Na época, tal bloqueio não foi interpretado como censura por lideranças comprometidas com a defesa da democracia e da liberdade de expressão nos Estados Unidos ou em qualquer outro país do mundo.”.

Aqui, mais uma vez há a defesa da censura. Como pode não ser censura que pessoas tenham suas redes sociais derrubadas por conta de sua opinião? Além disso, a diferença entre os 150 mil perseguidos nos EUA e “alguns” no Brasil é uma simples diferença quantitativa, mas que não difere enquanto ao tipo de crime praticado pelo Estado, que é o de cerceamento ao debate, ou seja, o cerceamento à liberdade de expressão.

Ela ainda argumenta que “lideranças” supostamente comprometidas com a democracia e a liberdade de expressão teriam dito que a exclusão de 150 mil pessoas de suas redes sociais estaria de acordo com os direitos internacionais. Mais uma vez o argumento de autoridade, mas sem citar os nomes das lideranças, já que, o risco de citar alguém que defende o genocídio na Palestina, a ditadura na Ucrânia ou quem ficou quieto, na melhor das hipóteses, quando cancelaram as eleições na Romênia e prenderam Călin Georgescu para que ele não vencesse as eleições, seria muito grande.

A comparação com os EUA também revelam uma questão curiosa, já que elas não deram certo. Toda a perseguição aos trumpistas só resultou em um novo governo de Donald Trump, que assumiu há cerca de um mês. Por que daria certo no Brasil?

Camila Rocha continua:

No que diz respeito às prisões ligadas ao 8 de janeiro, também é importante lembrar que, há um mês, no dia 3 de fevereiro, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, afirmou que um acordo de não persecução penal (ANPP) foi oferecido a dois terços dos golpistas de 8 de janeiro para que não precisassem cumprir pena na prisão. No entanto, mais da metade recusou ou não respondeu à proposta oferecida pela Procuradoria-Geral da República.

A oferta do ANPP foi realizada para quem participou das manifestações golpistas em frente aos quartéis. Até o momento, 527 réus responsabilizados criminalmente, de um total de 898, aceitaram o ANPP e tiveram penas alternativas.

O problema é, qual crime os presos ligados ao 8 de janeiro cometeram? A ANPP pede uma confissão. Se é necessária a confissão do crime para que sejam condenados, então significa que não havia provas para a condenação, ou não seria necessária uma confissão.

As confissões com a promessa de não persecução nada mais são do que uma tentativa de mostrar como os próprios perseguidos confessaram seus crimes e, portanto, a justiça não teria errado, pois os próprios réus concordariam com as condenações. Não se trata de nada democrático prender um cidadão até que ele confesse um suposto crime cometido. A Ditadura Militar, por exemplo, se valia do truque.

Aqui há também a tentativa da criminalização da manifestação política, ou a proibição de atos públicos, já que o crime que os manifestantes deveriam confessar é o de participar de manifestações. O que tampouco é crime no Brasil.

O texto termina com:

“Por fim, vale ressaltar que ninguém foi preso ou responsabilizado por meras palavras, mas por ações. E nenhuma ação violenta ou plano de golpe de Estado se enquadra como simples opinião política. Por vezes, é importante dizer o óbvio, golpismo não é liberdade de expressão, mas seu exato oposto.”

Mas quais ações? Participar de uma manifestação?

Se houve crime no dia 8 de janeiro, o crime foi o de vandalismo, pois essas foram as únicas ações que poderiam ser julgadas de acordo com as leis do país. Não houve uma tentativa de golpe de Estado, porque seria impossível um golpe com a quantidade de pessoas presentes na Praça dos Três poderes naquele dia, ainda mais porque essas pessoas estavam desarmadas, o que também contraria uma das acusações, a de “abolição violenta do Estado Democrático de Direito”.

Também não cabe a ideia de associação criminosa, pois, como já dissemos, tirando o crime de vandalismo, não houve outro crime e as pessoas presentes estavam ali por uma questão política, não para cometer vandalismo, apesar disso ter acontecido. Vale também destacar que, mesmo com os atos de vandalismo, muitas pessoas não participaram desses atos e, ainda assim, foram colocadas na cadeia pela associação. É um tipo de punição coletiva, mais um atentado ao Estado Democrático de Direito por parte do próprio Estado e contra a população brasileira.

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