França

O tiro contra Le Pen sairá pela culatra?

O veredito de Le Pen expõe a perigosa tendência de perseguição política na Europa

No dia 31 de março, a Justiça francesa condenou Marine Le Pen no caso conhecido como “assessores fictícios”. A condenação por desvio de fundos da União Europeia provocou um verdadeiro terremoto político na França. A decisão judicial impôs quatro anos de prisão, sendo dois em regime fechado, além de cinco anos de inelegibilidade. A proibição de concorrer passou a valer imediatamente, mesmo com o anúncio de que Le Pen pretende recorrer. Isso a retira da disputa presidencial de 2027, salvo uma improvável reviravolta em instância superior nos próximos 18 meses.

Uma vez que Le Pen lidera as pesquisas para as eleições presidenciais de 2027, sua condenação assumiu um caráter claramente político. Alguns parlamentares já pediram ao presidente Emmanuel Macron que conceda perdão à líder da extrema direita, em nome da “democracia” francesa. Segundo relatos, o primeiro-ministro François Bayrou chegou a desabafar com assessores: “A França é o único país que faz isso”.

Na França, a decisão fortalece a denúncia do Reagrupamento Nacional (RN) de que há uma perseguição judicial orquestrada pelo atual regime político. Após as eleições legislativas de 2024, o partido já havia denunciado o cerco político que impediu sua ascensão ao poder, apesar de ter conquistado 37% dos votos no segundo turno — mais que qualquer outra coligação.

Le Pen, no entanto, não pretende recuar. Em entrevista exibida em horário nobre na segunda-feira (7), ela rejeitou a decisão judicial, que classificou como um atentado ao Estado de Direito e à democracia. Voltou a mencionar os milhões de eleitores que, segundo ela, foram privados de sua candidata preferida por decisão de um único juiz de primeira instância.

Bayrou, no entanto, está enganado. A prática de sufocar adversários políticos com métodos típicos de regimes híbridos e autoritários começa a se espalhar por países da União Europeia. Na Romênia, o primeiro turno das eleições presidenciais foi cancelado de forma abrupta, e o candidato favorito, Calin Georgescu, acabou sendo preso.

A Alemanha caminha na mesma direção. A coalizão entre CDU/CSU e SPD discute uma nova legislação que pretende barrar da vida pública pessoas condenadas por “incitação ao ódio” — uma medida que, sem ser nomeada, tem como alvo claro o partido de extrema direita AfD (Alternativa para a Alemanha).

Nos Estados Unidos, políticos como J.D. Vance e o próprio Donald Trump têm acusado a existência de uma “democracia por juízes”. O caso de Le Pen é apresentado como mais uma prova do colapso democrático europeu.

Como ocorre nos Estados Unidos com os processos contra Trump, a condenação de Le Pen pode se transformar em uma bandeira unificadora da extrema direita, que agora ganha argumentos adicionais para sustentar que está sendo silenciada.

A ascensão da extrema direita europeia não é obra do acaso. Ela é reflexo direto da crise por que passa o regime político imperialista e da sua incapacidade de oferecer respostas satisfatórias aos desafios contemporâneos. Tentar eliminar esses políticos do jogo democrático não resolve o problema. Ao contrário, tende a radicalizar eleitores insatisfeitos, aprofundando a desconfiança nas instituições.

O caso romeno chama a atenção. Após o cancelamento da eleição, a popularidade de Calin Georgescu saltou de 23% para 40%. Quando sua candidatura foi vetada, os eleitores passaram a apoiar outro nome, George-Nicolae Simion, que agora lidera as pesquisas.

Quanto mais a União Europeia tenta se preservar com métodos autoritários, mais frágil se torna seu regime político. Enquanto os líderes europeus não encararem os verdadeiros dilemas da população, a espiral de repressão e desconfiança tende a se acelerar — e o futuro da União Europeia ficará cada vez mais incerto.

O impacto do caso ainda está por vir. Uma pesquisa inicial revelou que apenas 35% dos franceses se disseram “chocados” com a decisão judicial. No entanto, ela também expôs divisões profundas: 54% acreditam que Le Pen foi tratada como qualquer outro cidadão; 46% acham que foi punida com severidade por motivos políticos. Enquanto 54% veem a decisão como sinal de que a democracia funciona, 43% pensam o oposto.

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