Jones Manoel e Breno Altman debateram recentemente o caráter do governo Lula. O oportunista fundador do já rachado PCBR defendo que o atual governo petista seja neoliberal, posição rejeitada pelo velho militante petista e por qualquer militante da esquerda que não habite exclusivamente esse ambiente de ar rarefeito do “webcomunismo”. O que nos surpreendeu foi a definição de Altman para o neoliberalismo.
“O neoliberalismo opera para reduzir o custo de produção, especialmente os salários”, disse o petista. Diríamos que isso é mais uma consequência do que uma intenção. O neoliberalismo — que de liberalismo tem muito pouco — é uma política de destruição das forças produtivas. É a última resposta do capitalismo em decadência para a crise de superprodução, para a crescente luta de classes nos países centrais do capitalismo. Exporta-se capital para países de mão-de-obra barata (como a China nos anos 1980 e Índia, Vietnã, Indonésia mais recentemente) e importam-se os produtos de mão-de-obra intensiva a baixíssimos preços desses lugares, garantindo relativa manutenção dos preços para as hordas de trabalhadores desempregados nos países que sofreram com os fechamentos das fábricas. Restam os empregos de baixa qualidade do setor de serviços, onde o trabalhador recebe pouco e é mais explorado. É uma política de soma-zero que, ao contrário do capitalismo em ascensão do século XIX, não cria riqueza e simplesmente reloca a produção.
Mas se nossa tese é correta, como poderia o Produto Interno Bruto dos países imperialistas desindustrializados estar crescendo? Ou o do próprio Brasil? No caso brasileiro, a destruição não foi tão grande enquanto nossa produção agrícola foi muito mecanizada e esse setor da economia preencheu, em parte, o vazio deixado pela destruição de 30% do parque industrial. Movemos para baixo na cadeia de valor agregado, mas ainda produzimos muitas mercadorias, principalmente para exportação. Mas no caso dos países imperialistas, como os Estados Unidos, grandes empresas que se desenvolveram recentemente somente detêm propriedade intelectual, como, por exemplo, as “big techs”, cujo serviço é um software, um programa de computador. Quando se produz, como no caso da Tesla, o produto, o automóvel elétrico, é uma desculpa utilizada para se capturar dados de seus usuários, o verdadeiro tesouro. Onde está a produção de riqueza material?
Ela não está. O cálculo do PIB é muito deformado pela inclusão dos lucros do setor financeiro, especulativo, e da valorização artificial do valor da terra, resultado da especulação imobiliária. Isso para não falar da privatização dos serviços públicos, que passam para as mãos do mercado financeiro com o único propósito de extração rentista dos clientes que não têm escolha senão pagar seu seguro-saúde, luz, água, educação, etc.
A acumulação de renda no neoliberalismo é, em grande medida, resultado de uma mera transferência de riqueza. Poucos são os países que crescem sua produção material e entregam melhores condições de vida para sua população, como no caso chinês, cuja economia mista opera nos moldes do capitalismo clássico. E, ao contrário do que disse Altman, o neoliberalismo encarece a produção. Não aumenta o poder de compra da classe operária, mas aumenta seu custo de subsistência, que infalivelmente é transferido para o capital produtivo, que deve pagar salários mais altos que compensem os aluguéis caros, o seguro-saúde privado, água, luz, educação, etc. O resultado: os trabalhadores empobrecem e empresas vão à falência, tudo em benefício dos banqueiros e dos grandes monopólios, do capital rentista.
Por que essa diferenciação é importante? Porque ela explica a razão da impopularidade crescente do governo Lula. Por mais que Altman tenha trazido dados que demonstrem a intenção progressista de Lula — como o aumento do salário mínimo, a redução módica do repasse de lucros da Petrobrás aos investidores privados, o crescimento dos empregos de carteira assinada — nenhum desses indicadores positivos acompanha o ritmo da destruição neoliberal da economia brasileira. E é justamente isso que abre espaço para o oportunismo esquerdista de Jones Manoel.
Lula não é um governo neoliberal. Isto é, sua intenção política não é continuar com essa devastação econômica do Brasil. Ainda assim, ao não mobilizar sua base social, ao conduzir essa política ultra recuada, o governo petista não recupera seu prestígio com a população, que perdeu muito seu poder de compra desde o golpe de Estado, nem aparece como os queridinhos dos banqueiros.