No artigo Poder Judiciário X fascismo, publicado no portal Poder 360, o advogado Antônio Carlos “Kakay” faz uma defesa do Poder Judiciário enquanto instância dominada pelo imperialismo, no Brasil e no mundo. Em sua fantasia, “Kakay” diz que o STF “liderou as instituições na defesa do Estado democrático de Direito” e com isso, “impediu a ditadura” no Brasil, enquanto nos EUA, “de maneira também surpreendente, foram juízes de 1º grau que defenderam a Constituição e tentaram dar um freio aos abusos do Executivo”. Por fim, o advogado lembra o caso da França, “país que vive hoje sob a sombra inquietante do crescimento da direita mais radical. Pois o Judiciário francês que acaba de proferir um forte golpe no fascismo, com a condenação a 5 anos de prisão, sendo 2 anos com cumprimento imediato, e tornando inelegível a líder de extrema-direita Marine Le Pen”.
O que uma pessoa verdadeiramente preocupada com o fenômeno do fascismo deveria considerar é porque, em tantos lugares, é o Judiciário que toma a frente desse “enfrentamento”? Ao longo da história, da Itália de Mussolini ao Brasil da Ditadura Militar, o que sempre derrota o fascismo são as mobilizações operárias, nunca as judiciais. As últimas, ao contrário, aparecem em cena para impulsionar o terror, com o caso notório da República de Weimar, onde a título de combater a intolerância, o extremismo e defender a democracia, praticamente todo o arcabouço necessário para que a ditadura nazista fosse implementada já estava criado.
No Brasil, por sinal, a defesa da democracia estava estampada nos jornais golpistas como O Globo e diversos outros, quando estes celebravam a queda de Jango e o sucesso do Golpe de 1964, pontapé inicial de 21 anos do mais tenebroso período da história do País. Enquanto o Executivo era derrubado, o Legislativo era atacado e até, pasmem, as Forças Armadas passavam por um expurgo na casa dos milhares, o que aconteceu com o judiciário? Nada.
Verdadeiros organizadores do golpe, o imperialismo considerou setores da burocracia como Exército e até a educação mais perigosos para o que preparavam contra o País do que o Judiciário. Os 21 anos de terror que se seguiram comprovam o acerto da avaliação dos norte-americanos e europeus. Se antes do golpe, a confiança dos monopólios no judiciário era plena, as últimas décadas mostraram que absolutamente nada mudou na justiça para justificar qualquer mudança, pelo contrário.
No Brasil, processos farsescos como o Mensalão, a Lava Jato e mais recentemente, o interminável Inquérito das Fake News aumentaram o poder de intervenção da justiça brasileira no regime político, sem nunca se desviar dos interesses imperialistas. O Brasil, por sinal, não é o único país onde o fenômeno se dá.
No Equador, o Judiciário foi responsável por proscrever arbitrariamente o ex-presidente Rafael Correa, chegando a inventar normas para impedir o registro de sua candidatura por procuração, uma aberração só possível de ser feita em ditaduras bonapartistas despreocupadas com as aparências. A lista, porém, vai muito além dos exemplos citados.
Romênia, Paquistão, Coreia do Sul, Polônia e mesmo em “Israel”, o Judiciário tem ganhado um protagonismo indevido nas lutas políticas locais. “Curiosamente”, uma incrível coincidência entre a ação da justiça e os interesses do imperialismo une todos os casos. Claro, a coincidência é uma hipérbole.
O verdadeiro fenômeno identificado (embora mal interpretado) por “Kakay” é o fato de que em todo o planeta, o Poder Judiciário se mostra abertamente uma fortaleza do imperialismo, tanto ou até mais confiável que as Forças Armadas e as polícias. Um poder, inclusive, assim descrito pelo autor: “tradicionalmente patrimonialista, racista, misógino e conservador”, diz, acrescentando, porém, que teria sido “o responsável por colocar o pé na porta e garantir a estabilidade democrática”, sem explicar, porém, como as intervenções que limitam a expressão popular seriam “democráticas”. Por fim, comentando (ou melhor, celebrando) o absurdo caso francês sem o menor pudor em reforçar que também lá, a motivação do Judiciário é política, o autor escreve:
“É óbvio que existem indivíduos nessa área ávidos a ocupar o espaço. Mas essa é uma outra análise. O que nos resta refletir é como e por qual razão o Judiciário, nesta quadra histórica de recrudescimento mundial do extremismo de direita, resolve se colocar como o guardião das conquistas e liberdades democráticas.”
A resposta ao questionamento não poderia ser mais simples: o Judiciário está intervindo abertamente nos regimes políticos porque, na conjuntura de crise final do sistema, o imperialismo já não consegue manter sua ditadura nos países. Radicalmente rejeitado pela população mundial, os monopólios não podem mais contar com ninguém que tenha popularidade real para manter o controle da situação, nem mesmo na extrema direita. Trata-se, talvez, da maior crise do sistema político mundial em toda a história do imperialismo, seguramente a maior desde o fim da Segunda Grande Guerra.
Isso dito, o que “Kakay” realmente está “rendendo homenagens” é à força social mais criminosa que já existiu na história da humanidade, diretamente responsável por duas grandes guerras mundiais onde as mortes se contam na casa das dezenas de milhões, responsável pelo fascismo e nazismo, por todos os golpes de Estado no Brasil desde pelo menos a queda de Getúlio Vargas em 1945, pela Ditadura Militar, a nova onda de golpes de Estado na América Latina inaugurada com a queda do ex-presidente hondurenho Manuel Zelaya (2009), pela criminosa Guerra ao Terror e mais recentemente, pela campanha genocida de “Israel” contra o povo palestino e os povos árabes?. Isso é a “democracia” imperialista.
A “estabilidade” defendida pelo autor, é um presidente como FHC saqueando o País até deixar o Brasil no escuro e isso, enquanto mata 300 crianças de fome por dia. E para o retorno desses bons tempos é que o imperialismo conta com o Judiciário, em todos os lugares do mundo, um poder dedicado a disciplinar os regimes políticos locais de modo a manter a ditadura imperialista funcional.
O mundo tal como ele se apresenta não deixa dúvidas de que a luta no interior da direita, entre os setores centristas e a extrema direita, é real, mas isso não quer dizer que exista uma luta entre o Judiciário e o fascismo. O judiciário é o fascismo, o expediente a que o imperialismo recorre em tempos de crise para, pela força, derrotar oponentes e controlar uma situação difícil.
Foi assim com Mussolini e Hitler, com Médici e Videla e agora, Alexandre de Moraes e a responsável por condenar Le Pen, Bénédicte de Perthuis. Longe do que defende “Kakay”, a esquerda não pode ficar “ao lado dos que defendem e garantem a democracia”, devendo antes combater esses que são os verdadeiros fascistas.