Brasil

O Pix, a esquerda e a defesa dos verdadeiros sonegadores

Fosse a sonegação de impostos uma questão séria, os alvos não seriam os ambulantes que usam o Pix, mas os banqueiros que sonegam dentro da lei

O jornalista José Paulo Kupfer assinou um artigo para o portal Poder360 no último dia 17, intitulado O lobby dos grandes sonegadores, criticando a publicação de um vídeo estrelado pelo deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG). Kupfer argumenta que, “invocando uma falsa defesa dos mais pobres, o deputado Nikolas Ferreira fez uma defesa bem-sucedida dos grandes sonegadores.” Contudo, uma leitura atenta do artigo revela o oposto: quem está efetivamente fazendo lobby para os grandes sonegadores é o próprio Kupfer. Diz o jornalista:

“O deputado mente sobre quem o governo está mirando com a nova fiscalização.
(…)
Serão, nas palavras de Nikolas, os trabalhadores informais, ‘o seu João que vende picolé como ambulante’ (…)
Esse trecho termina com uma declaração cômica, se não fosse trágica: ‘Se fizer uma vaquinha para pagar o churrasco, vai ser complicado para explicar no Imposto de Renda’.
Convenhamos, é de um ridículo absoluto imaginar que a Receita Federal botaria na malha fina quem entra numa cotização para uma festa entre amigos. Mas, no meio de uma saraivada de absurdos, a conversa cretina passou como uma das ‘verdades’ disparadas pelo deputado, inclusive na visão de alguns analistas políticos, que não viram mais do que ‘pequenas distorções’ na fala do deputado.”

Em primeiro lugar, só alguém completamente alienado da realidade brasileira poderia considerar “de um ridículo absoluto imaginar que a Receita Federal botaria na malha fina quem entra numa cotização para uma festa entre amigos”. Estaria Kupfer vivendo em outra dimensão, na qual o presidente Lula não foi colocado na cadeia por pedalinhos, guardanapos e uma compra de apartamento que nunca aconteceu?

Acaso não estamos no país em que um ex-presidente da República perde os direitos políticos por criticar urnas eletrônicas em uma reunião com embaixadores? Kupfer está no mesmo Brasil dos processos sigilosos como os que sofre o professor do Largo São Francisco, Alysson Mascaro, afastado de suas funções na docência da USP em decorrência disso? O STF não interpretou livremente o artigo 43 do regimento interno da entidade, considerando uma crítica lida em um computador usado nas dependências do órgão um “ataque” aos membros da corte e, com isso, justificou o chamado Inquérito das Fake News, instaurando uma ditadura judicial no Brasil?

O país vive um verdadeiro faroeste, onde a lei importa menos que nada, e a burocracia faz o que dá na cabeça, à revelia de qualquer norma. Considerar “um ridículo absoluto” que a Receita Federal investigue vaquinhas para churrasco é, no mínimo, uma caracterização de uma pessoa terrivelmente mal informada. Embora, nesse caso, se pareça com a defesa desesperada de uma medida que já se mostrou terrivelmente impopular.

Por outro lado, o próprio Kupfer brinda os leitores com um “ridículo absoluto” ao defender a medida governamental envolvendo o Pix:

“Além disso, não há dúvida de que a informação sobre movimentação bancária tem só a função de coibir sonegação, obrigando os cidadãos a, se requerido, comprovarem a origem dos recursos usados para a formação do patrimônio pessoal.”

Uma declaração como essa dá a demonstração de como certos jornalistas acreditam que o povo brasileiro pode ser sujeitado a qualquer tipo de manipulação, de que aceita qualquer coisa que vier do governo. Todos que conhecem minimamente o Brasil sabem que uma medida como essa só pode ser empregada com a finalidade de tirar mais dinheiro do pobre.

Mesmo que não fosse assim, perseguir trabalhadores informais que estariam infringido a lei ao sonegar impostos é algo totalmente indecente. Esse setor da população não possui dinheiro nem para suas necessidades mais básicas e, caso a medida tivesse passado, teria de pagar ainda mais impostos para o governo.

Se a propaganda de Nikolas Ferreira encontra terreno fértil para atingir um número surpreendentemente grande de cidadãos, isso, no mínimo, deveria ser considerado por quem está formulando orientações políticas. Em uma conjuntura como essa, como convencer alguém normal de que o governo quer simplesmente monitorar movimentações financeiras no Pix, e pior, para fins de coibir a sonegação?

Se esse fosse o objetivo, o patamar não seria de ridículos R$ 5 mil, mas valores imensuravelmente maiores, que escapam à movimentação habitual do “seu João, que vende picolé como ambulante” e de amigos fazendo vaquinha para churrasco. É claro que a extrema direita iria fazer toda sorte de demagogia com o tema, mas o fato fundamental é que a bola foi levantada na medida, para alegria dos bolsonaristas. Se o ataque surtiu efeito, é porque a desmoralização do governo é muito grande, o que não é para menos.

Finalmente, a espionagem sobre as movimentações financeiras do povo brasileiro tampouco serve para “colocar o rico no imposto de renda”, até porque a pior sonegação não ocorre à margem da lei, mas dentro dela. A manutenção da isenção tributária dada a lucros e dividendos é um escárnio contra as massas trabalhadoras e um indicativo do quão cínico e criminoso é o nosso sistema tributário.

Em sua forma atual, o imposto de renda é pago não por quem efetivamente vive da renda do capital, mas pelos que vivem de salários. Junto a outras distorções, como a Lei Kandir, que estende as renúncias tributárias aos latifundiários, temos um arcabouço tributário perfeito. Para a burguesia, naturalmente.

Dada essa conjuntura, é um cinismo dizer que a Receita irá monitorar movimentações com o Pix para fins de atacar a sonegação. Trata-se de uma típica desculpa tirada da cartola para justificar uma medida altamente impopular.

Ao defendê-la, Kupfer e todos os que se preocupam com o tema da sonegação de impostos no país estão, na prática, defendendo os maiores sonegadores: os banqueiros, em primeiro lugar, que ficam com metade do orçamento federal amparados pela lei e pela força de uma ditadura. Amparados por ela, escapam da ação da Receita, deixando às classes subalternas o ônus de um sistema econômico baseado no parasitismo explícito. Esses vampiros são os únicos verdadeiramente interessados em monitorar as movimentações financeiras e em aumentar a arrecadação do Estado, que é deles. Não é aos pobres que serve a política defendida por Kupfer, mas aos banqueiros.

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