Matéria assinada pelo colunista Aquiles Lins no Brasil 247 reflete uma perspectiva comum a uma parte da esquerda dita “governista”. No texto Governo Lula e a alquimia de transformar crescimento econômico em aprovação, Lins argumenta que o crescimento econômico de “quase 7%” no período de dois anos de governo serviria como base para resolver o problema do enorme e crescente custo de vida para a população. Essa seria a chave para reverter a também crescente desaprovação do governo, como numa pesquisa do Datafolha citada na coluna, que apontou, por exemplo, uma queda na aprovação do governo na região Nordeste, de 49% em dezembro do ano passado para 33%.
Como o próprio colunista reconhece, “o custo de vida é uma das principais preocupações do cidadão comum”. E mesmo em números oficiais, é notável o descompasso entre os índices gerais de inflação e a inflação nos preços dos alimentos. Reproduzindo aqui dois itens também citados na coluna, a carne teve aumento de preço em 20,84% e o café em 39,60%, ao ponto de empresas estarem comercializando “bebida sabor café” como opção ao café de verdade. Uma mistura que pode conter resíduos agrícolas, cascas, folhas e sabe-se lá mais o que. Um sinal inequívoco de que as coisas não andam bem para o pobre no Brasil, que é justamente o consumidor alvo desse tipo de produto, junto com parte da classe média.
Diante desse cenário arrasador, Lins entende que a análise “não pode se limitar aos preços altos”, pois a economia brasileira “apresenta sinais sólidos de recuperação”. Ele cita o crescimento econômico de “quase 7%” em dois anos e uma taxa de desemprego de 6,6%. Em primeiro lugar, é preciso ter claro que, mesmo sendo um crescimento econômico real, não é algo que impacte de forma perceptível a população. Ou seja, é um crescimento da economia que não acompanha a necessidade urgente do povo. Além disso, é preciso desconfiar das taxas baixas de desemprego. Assim como em relação aos índices gerais de inflação, a experiência cotidiana joga por terra o que seriam bons indicadores sociais.
Um dado muito preocupante que a taxa de desemprego oficial omite são os tais “empreendedores”. Como colocado numa matéria neste Diário em 2021, durante o governo ilegítimo de Bolsonaro: “Sem emprego e sem perspectiva de voltar a ter um emprego registrado novamente é o que leva os trabalhadores a serem empreendedores, não o contrário”. Isso era verdade em 2021 e segue sendo verdade em 2025. O conto de fadas do empreendedorismo esconde uma realidade dura, desprovida de direitos trabalhistas e de segurança econômica. Grande parte dos “empreendedores” desistiu de tentar um trabalho registrado e está se aventurando em busca do sustento próprio e da família. Considerar que a situação dessas pessoas está boa é fechar os olhos para um cenário muito negativo para o trabalhador.
Os dados do IBGE para os últimos três meses de 2024 aponta quase 104 milhões de pessoas empregadas, quase 7 milhões desempregadas, pouco mais de 66 milhões fora da força de trabalho e quase 41 milhões abaixo da idade de trabalhar (abaixo de 14 anos de idade). Beneficiários de seguro desemprego atuando na informalidade, por exemplo, como motoristas de aplicativo ou vendedores ambulantes, entram na estatística como empregados. Caso o beneficiário de seguro desemprego não esteja trabalhando e nem procurando trabalho, entra como “fora da força de trabalho”. Beneficiários do bolsa família ou do BPC que não estejam trabalhando e nem procurando trabalho entram também como “fora da força de trabalho”. Ou seja, a realidade do mercado de trabalho não pode ser entendida apenas a partir do índice oficial de desemprego.
Lins indica que o governo deveria aproveitar o que seriam indicadores econômicos positivos para reconquistar o apoio popular, citando a necessidade de “comunicação mais eficaz” e “políticas que ataquem diretamente os pontos de maior insatisfação, como o custo de vida”. O problema é que a propaganda por si só também não enche a barriga de ninguém. Não adianta nada uma propaganda que contradiga totalmente a realidade. O povo não come nem estatística, nem propaganda.
Levar adiante políticas para abaixar o custo de vida é o mínimo que todos os eleitores de Lula esperavam do governo desde o começo. Mas cabe pontuar que também se esperava uma melhora no nível de vida, algo que ficou marcado na campanha eleitoral pela fala de Lula de que o povo voltaria a comer picanha. Diante do quadro atual, a fala tem sido motivo de chacota para a direita.
É claro que ainda há tempo para o governo adotar políticas mais populares, mas não vai ser maquiando a realidade que teremos soluções reais para o problema social. Para aumentar a popularidade, é preciso governar mais para o povo, é preciso pender para o lado do povo, sabendo que com isso sofrerá ainda mais ataques da burguesia. Mas é preciso fazer uma escolha séria e não enfiar as estatísticas goela abaixo dos trabalhadores.