A prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro e o uso de tornozeleira eletrônica tem sido apresentada pela esquerda pequeno-burguesa como “privilégios” negados a negros e pobres. Essa tese tem sido difundida em imprensas como Ponte Jornalismo e Alma Preta, que supostamente estariam a serviço dos interesses desses setores da população. Embora partam de redações diferentes, repetem o mesmo erro: alinham-se ao aparato repressivo estatal.
Não são os crimes concretos da administração Bolsonaro — a entrega da economia aos banqueiros, a privatização de setores estratégicos como Petrobras e Eletrobras, ou o descaso mortal na pandemia — que está em jogo, mas sim acusações políticas sem materialidade, fabricadas para enquadrá-lo como inimigo do Estado. O mesmo roteiro usado no impeachment de Dilma e na prisão de Lula.
Bolsonaro é mantido em prisão domiciliar por cálculo político. Sua popularidade junto a uma base expressiva e o risco de uma explosão social fazem o regime optar por medidas “moderadas” para evitar transformá-lo em mártir. Não fosse esse fator, ele provavelmente receberia uma condenação muito mais dura, como no caso de Daniel Silveira.
Dizer que prisão domiciliar é “privilégio” se trata de legitimar que se retirem direitos processuais, em vez de exigir que sejam garantidos a todos. Esse raciocínio é um perigo porque fortalece o mesmo aparato jurídico que massacra a população pobre e negra. Foi assim com a prisão em segunda instância: criada para atingir Lula, mas que imediatamente encarcerou milhares de réus provisórios, majoritariamente negros e pobres.
A história recente é clara: cada vez que o judiciário ganha mais poder para agir fora dos limites legais, o alvo seguinte é o povo. O mesmo STF que hoje “enquadra” Bolsonaro já ignorou chacinas policiais e sustentou operações militares assassinas nas favelas. Ao reforçar a lógica de “prisão para inimigos”, esses setores ajudam a ampliar o alcance do estado policial, que não vai aliviar para quem está nas periferias e bairros operários.
A tarefa da esquerda consequente deveria ser defender direitos democráticos irrestritos: presunção de inocência, ampla defesa, fim das prisões preventivas abusivas, combate à tortura e às condições desumanas nas cadeias. Não é defender que o inimigo político sofra o mesmo que o povo sofre, mas sim lutar para que ninguém sofra. Porque cada vez que se abre exceção para o adversário de hoje, se pavimenta o caminho para o massacre de amanhã — e, nesse massacre, os mais pobres sempre pagam o preço mais alto.



