O artigo Os erros que a esquerda não pode cometer, de Leandro do Erre, publicado no sítio Vermelho em 10 de outubro, apesar de alguns pontos positivos, tem uma série de confusões políticas e abre discussões que já deveriam estar há muito superadas.
É interessante notar que diversos setores da esquerda estão fazendo ultimamente uma espécie de revisão, ou “correção de rota”. Na maioria das vezes, a desculpa é que os tempos mudaram e é preciso que a esquerda apresente “novos” métodos de ação.
Essa é a tendência apresentada no primeiro parágrafo, que diz que “em um cenário de intensa disputa política e social, a busca por uma sociedade mais justa e igualitária exige não apenas paixão e militância, mas também uma profunda reflexão sobre as estratégias e posturas adotadas pelos movimentos sociais”.
Em seguida, o autor diz que “para que a luta pela transformação social avance de forma consistente, é crucial identificar e corrigir equívocos que, por vezes, minam a força e a credibilidade de suas ações”. No entanto, não existe na luta política uma coisa que se possa chamar de “avanço consistente”. Toda luta está sujeita a avanços e refluxos, e o crucial para se enfrentar essas circunstâncias é que um grupo, ou partido político, tenha um programa, sem o qual, a desagregação acaba sendo inevitável.
Os 5 mandamentos
Leandro do Erre se propõe a descrever os “cinco erros fundamentais que militantes de esquerda devem evitar para fortalecer sua atuação nos movimentos sociais e, de fato, contribuir para a transformação social”, a saber:
Crise de representatividade
Segundo o autor, entidades esvaziadas e distantes das bases são “um dos equívocos mais prejudiciais à esquerda é a manutenção de entidades — sejam sindicatos, associações ou movimentos sociais — que perderam sua representatividade e se distanciaram de suas bases”.
Essa, na verdade, não é uma questão nova, sempre esteve presente na esquerda. Nos sindicatos, por exemplo, o peleguismo, a formação de uma aristocracia operária, a burocratização. Nos partidos, a prevalência de setores pequeno-burgueses, a falta de um programa, estão todos relacionados à luta de classes.
Quando isso ocorre, não deriva daí apenas um “clube de amigos” ou aparelho burocrático, mas setores anti operários e pró-imperialistas. Se um partido, ou organizações operárias, não têm a clara compreensão do que significa a luta de classes, estarão sujeitas a sucumbir aos “valores dominantes”, os da burguesia.
Atualmente, o que mais se vê na esquerda são grupos e partidos se unindo às democracias liberais em favor de uma hipotética “luta antifascista”. Ou seja, abandonaram as bandeiras do socialismo.
A fragmentação da luta
Isso que é apontado como a “desvinculação da luta específica com a geral”, se deve à infiltração de ideologias liberais, como o identitarismo, na esquerda. O que ocorre não é apenas que lutas específicas estão desconectadas da “luta mais ampla contra o sistema capitalista”, mas que a fragmentação é proposital. O identitarismo tem a função de desagregar a esquerda.
É certo que “a emancipação de todos os grupos oprimidos só será plenamente alcançada com o fim da exploração capitalista”. Por isso as ONGs financiadas com dinheiro do imperialismo têm atuado no sentido de cooptar setores da esquerda que se especializam em nichos, como meio ambiente, questões de gênero, racismo etc.
A ausência de diálogo entre as forças políticas
Leandro do Erre diz que “de nada adianta ter entidades representativas e uma correta articulação entre as pautas se os diversos segmentos da esquerda não conseguem dialogar entre si”, mas o problema não é esse. Existem concepções antagônicas dentro da esquerda. A UP (Unidade Popular), por exemplo, chamou a polícia para calar militantes do PCO em um ato, quando deveriam ter aberto o microfone para todos falarem.
Em um ato em favor da luta do povo palestino contra os sionistas, militantes do PSTU tentaram arrancar o microfone das mãos de um membro do PCO que manifestava apoio ao Hamas, à luta armada contra um agente do imperialismo.
Por que poucos partidos da esquerda compareceram aos atos em favor da Palestina e da Venezuela que o PCO convocou? Nesses atos o microfone é aberto para todos. Será que falta apenas “maturidade política para a construção de uma unidade sólida e sincera”, ou são outros interesses que determinada esquerda defende?
O pragmatismo sem princípios: A falta de ética na atuação política
Nesse ponto, Leandro Erre se perde em uma postura que beira ao moralismo, é claro que deve haver coerência entre discurso e prática, e que quando militantes de esquerda têm uma conduta pessoal negativa, isso acaba afastando algumas pessoas da política. No entanto, partidos não são igrejas, e a “educação” do militante se dá na luta.
A questão da “ética” na política tem sido utilizada principalmente para perseguições, ou para impedir o debate politico, como a prática demonstra. Inúmeros grupos costumam atacar outras correntes de serem machistas, transfóbicas, racistas, etc., como forma velada de censura.
Outro uso da “ética” muito comum é a de servir de desculpa para posições pró imperialistas. Vários grupos que se dizem revolucionários, ou de esquerda, não apoiam a Venezuela, o Afeganistão, a Resistência Palestina, porque supostamente são ditaduras, muçulmanos, ou que não respeitam as mulheres e minorias sexuais. É um truque, uma forma disfarçada de apoio ao imperialismo.
A raiz de todos os erros: A ausência de formação política
Este é o último ponto apresentado pelo autor. De fato é uma debilidade da esquerda em geral. Poucos grupos ou partidos têm formação regular de seus militantes.
É preciso lembrar, porém, que a formação teórica não pode estar desvencilhada da prática. Política não é diletantismo. A teoria e a prática devem estar em uma relação dialética, uma alimenta a outra.
Em seu livro O Que Fazer, Lênin disse com propriedade que “Sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário”. Obviamente, o bolchevique não estava propondo que primeiro os militantes se formassem nas cadeiras das universidades.
Toda teoria tem que ser testada no mundo real, na prática e na luta, ou se transforma em um academicismo vazio.




