O portal Brasil 247 publicou, nesse domingo (23), um artigo chamado O papel do judiciário no enfrentamento ao fascismo, assinado por Jorge Folena. Na matéria, o autor tenta mostrar que o poder Judiciário teria um papel em conter o autoritarismo e no enfrentamento ao fascismo, segundo sua colocação.
Como ponto de partida, o autor afirma que, atualmente, “em diversos países do hemisfério nos deparamos com propostas de restrição de direitos fundamentais, num claro sinal de que o sistema político liberal capitalista atravessa uma profunda crise”. A constatação não é errada em si, o que é equivocada são as causas atribuídas pelo autor para essas “propostas de restrição de direitos fundamentais”. E aí começa toda a confusão, para ele, são alguns “políticos” e governos que querem seguir por esse caminho, cabendo ao Judiciário equilibrar as forças: “o objetivo do nosso texto de hoje é analisar o papel de intermediação que deve ser desempenhado pelo Poder Judiciário”.
“Governantes como Trump, Bolsonaro, Milei, Bukele, Noboa, entre outros, sem nenhum receio de desagradar aos cidadãos, manifestam a possibilidade de restringir liberdades individuais e ameaçam destruir qualquer política condizente com a pluralidade de pensamento, gênero, raça, origem, opção sexual e convicção de ideologia; além de defenderem todo tipo de ataques contra a natureza, concordam até mesmo em ‘abater’ indivíduos de forma sumária e sem o devido processo legal, princípio que constitui uma das primeiras conquistas do liberalismo.
“Esses comportamentos, característicos de governos que tentam se impor pela força e truculência física e moral devem ser repelidos e limitados pelo Poder Judiciário, que é ‘uma espécie de contrapeso do poder legislativo e do executivo’ (Kelsen).”
Esses governantes citados de fato fazem ou fizeram coisas antidemocráticas. Em seus discursos, defenderam a ditadura e a eliminação de direitos. Isso tudo pode ser verdade, mas o Judiciário realmente está preocupado em limitar essas coisas? E se sim, seria mais democrático o Judiciário do que esses governos?
Antes de responder a essas perguntas é interessante fazer uma distinção que o autor não faz. Desses governantes que ele cita, embora todos sejam de direita, eles não desempenham o mesmo papel e não são apoiados pelas mesmas classes sociais. Vejamos o caso Milei e Bukele. Ambos são políticos de extrema-direita e neoliberais. Ambos estão colocando em prática uma ditadura em seus países. No entanto, o Judiciário desses países não faz nada contra eles. Suas medidas são apoiadas pelo imperialismo. Todas as arbitrariedades desses governos passam ilesas, sem grande estardalhaço na imprensa imperialista.
Não é mesma coisa no caso de Trump. Trump é um político de extrema-direita, no entanto, nesse caso, sim, o Judiciário dos Estados Unidos tentou intervir antes de sua eleição e deve tentar intervir em seu governo. Bolsonaro, também de extrema-direita, foi confrontado pelo STF enquanto foi presidente e ainda agora está ameaçado inclusive de prisão.
Qual a diferença, se em todos os casos estamos falando de políticos de extrema-direita? A diferença é justamente o fato de que Bukele e Milei são apoiados pelo imperialismo. Trump e Bolsonaro são representantes de setores burgueses “alternativos”, se é que podemos usar essa palavra imprecisa.
Esse exemplo ajuda a responder nossa primeira questão: o Judiciário não está preocupado em limitar nenhum autoritarismo. O que o judiciário faz é garantir os interesses daqueles setores da burguesia que ele representa e na maioria dos casos, senão em todos, ele representa os interesses do imperialismo. No Brasil, é exatamente assim.
O autor do texto entende que o STF ajudou a instalar um quadro de violações de garantias constitucionais, mas que mesmo assim ele seria importante no “equilíbrio de forças”.
“Nesse encaminhamento, podemos verificar que, apesar de seus (muitos) equívocos e de ter contribuído para a instalação do quadro quase permanente de violação de garantias fundamentais, o Poder Judiciário, representado no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal, teve um papel preponderante de intermediação no processo de restabelecer o tão necessário equilíbrio de forças, único caminho para impedir o esgarçamento total do tecido social.”
Esse malabarismo argumentativo serve para justificar aquilo que o STF está fazendo agora. Antes, o judiciário passava por cima dos direitos, agora, ele se transformou, como mágica, num garantidor da democracia. O autor sequer consegue explicar por qual motivo teria ocorrido tal transformação milagrosa.
“Afinal de contas, o Poder Judiciário não poderia fechar os olhos para a possibilidade de disrupção da ordem instituída, em consequência da atuação das forças emergentes do fascismo, que não camuflam sua intenção de tornar supérfluas as instituições estatais, como fez Bolsonaro, ao longo de seus quatro anos de governo no Brasil, e como intenta fazer Donald Trump, agora em seu retorno ao governo norte-americano.
“No caso brasileiro, o Supremo Tribunal Federal – ainda que sob ameaças, diretas ou veladas – atuou institucionalmente, ao lado das forças do campo democrático, popular e progressista, na proteção da democracia.”
A única conclusão que podemos tirar é que antes, quando a esquerda era perseguida e como o autor é de esquerda, o STF estava atacando os direitos. Agora, como quem está sendo perseguido é o bolsonarismo, então o STF virou garantia da democracia. Nos desculpe o autor do artigo, mas essa maneira de ver as coisas é de um profundo oportunismo.
Para defender os seus, o autor não consegue enxergar o óbvio: que na verdade o STF não mudou e que tudo o que ele faz até agora é parte do mesmo processo político.
Quando dirigentes petistas foram presos no julgamento farsa do mensalão, quando Dilma foi derrubada, com a ajuda e o aval do STF, quando Lula foi preso, a Justificativa do Judiciário era de “manutenção da ordem”. O conteúdo da perseguição era a “corrupção”, mas a justificativa para que o Judiciário interferisse no Legislativo e no Executivo, que prendesse Lula sem provas etc era justamente a “manutenção da ordem, da democracia”. Ou seja, o STF estava muito preocupado com o “equilíbrio de forças” contra a “organização criminosa” que era o PT.
Agora, o STF faz exatamente a mesma coisa, com os mesmos métodos ditatoriais, mas o conteúdo, em vez de corrupção, é o “fascismo”.
O que o autor não entende é que o processo de ontem e de hoje é o mesmo porque o STF representa interesses da mesma classe social: a burguesia imperialista, que na política nacional é representada pelo PSDB e MDB principalmente. Quem está perseguindo Bolsonaro hoje são os mesmos, exatamente os mesmos, que perseguiram Lula, Dilma e o PT.
O “equilíbrio” de forças aqui não é nenhuma política democrática, mas uma política ditatorial para manter no domínio do regime político uma classe social que não tem mais votos. Aqueles que controlam o STF não conseguem eleger ninguém e Lula e Bolsonaro não fazem parte de seus planos. O que não significa que eles não possam servir como joguete, afinal, hoje Lula é o aparente beneficiado, mas ontem Bolsonaro foi eleito presidente graças à prisão de Lula feita com a ajuda do STF.
O papel do STF e do Judiciário não é o de enfrentar o fascismo, mas de instalar o fascismo. A cada jogada antidemocrática do STF, seja lá qual for a sua justificativa farsa, seja “luta contra a corrupção”, seja a “luta contra o fascismo”, o regime político está sendo fechado. Os direitos democráticos estão sendo abolidos, quem vai sofrer é o povo. E assim, a segunda pergunta feita no início do texto, fica respondida: o STF não foi eleito por ninguém e são apenas 11 pessoas, representantes de uma classe social sem votos, só por isso já é impossível que o STF seja mais democrático do que qualquer governo, mesmo aqueles eleitos de forma suspeita.