Em 15 de julho de 2016, tanques de guerra desfilaram pelas ruas de Ancara exigindo a saída do presidente turco Recep Erdogan. O governo reagiu e, apoiado pela reação popular, que parou os tanques nas ruas, derrotou os militares. Essa foi, notavelmente, uma tentativa de golpe, que levou a um expurgo nas forças armadas e a uma radicalização de Erdogan.
Em 2024, embora de forma muito distinta, o mesmo movimento ocorreu na Venezuela. O candidato derrotado, Edmundo González, conclamou os militares a derrubarem o presidente reeleito Nicolás Maduro. Milícias fascistas, conhecidas como “guarimbas”, foram contratadas para intimidar fisicamente os apoiadores do chavismo, ferindo centenas e ateando fogo a delegacias. O governo norte-americano se recusou a reconhecer o resultado das eleições e anunciou sanções contra o país. Apoiado por uma grande mobilização, Maduro reagiu, tomou posse e conseguiu estabilizar o país. Essa também foi, notavelmente, uma tentativa de golpe.
Tendo em vista esses dois exemplos, apresentar o conjunto das acusações da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados como uma tentativa de golpe de Estado é um escárnio.
Entre 2022 e 2024, não houve tanques nas ruas. Não houve a pressão direta de governos estrangeiros. Não houve o aliciamento de grupos armados para desestabilizar o regime. Não houve absolutamente nada que pudesse ser considerado, nem mesmo remotamente, um golpe de Estado.
Enquanto tese, a tentativa de golpe era apenas um erro de avaliação política, era um problema menor. Afinal, os partidos políticos têm o direito de concluir o que quiserem. Os jornalistas têm o direito de concluir o que quiserem. Não é crime ser incapaz de interpretar os fatos.
O crime está, no entanto, em fazer uso dessa tese bizarra para justificar medidas repressivas absolutamente ilegais e inconstitucionais. É o que faz o senhor Paulo Gonet, o chefe da PGR, que está sendo aplaudido por setores da esquerda nacional por conseguir apresentar uma denúncia contra Bolsonaro mesmo sem ter conseguido reunir uma única prova contra o líder da extrema direita brasileira.
Está aí o verdadeiro golpe. Infelizmente, um golpe em todos os sentidos. Tanto um golpe na praça, no sentido de ser uma grande enganação, como parte de uma conspiração golpista contra o povo brasileiro.
A denúncia de Gonet traz uma série de elementos que, se incorporados definitivamente ao regime político, tornarão o Brasil uma ditadura ainda mais feroz do que se tornou após o golpe de 2016. Gonet estabelece, por exemplo, que uma liderança política criticar a atuação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ou o próprio sistema eleitoral brasileiro é o mesmo que integrar um plano para a abolição do indevidamente chamado “Estado democrático de Direito”.
Gonet também estabelece que Bolsonaro desejar voltar ao poder é suficiente para atrelá-lo a um grupo de pessoas que supostamente queriam assassinar o presidente da República. Gonet estabelece, por fim, que um grupo de pessoas que atuam em conjunto em determinadas ações e que defendem um programa político em comum são uma “organização criminosa”.
Para coroar toda a sua encenação arbitrária, Gonet ainda estabelece que, para comprovar todas as suas ilações, basta a palavra de um delator. É de deixar a Operação Lava Jato com inveja.
As 268 páginas de Gonet não conseguiram comprovar que houve tentativa de golpe de Estado algum. Mas conseguiram revelar uma realidade muito preocupante: as instituições “democráticas”, controladas pelo grande capital, preparam um grande golpe contra os direitos democráticos do povo brasileiro.