Brasil

O filme, o Oscar e a esquerda que insiste em ser feita de trouxa

Propaganda imperialista não está "laureando" obra contra a ditadura, mas contra a extrema direita e a favor da direita tradicional

Escrito por Marcelo Uchôa para o portal de esquerda Brasil 247, o artigo O filme e a Comissão de Anistia defende o filme Ainda Estou Aqui que, recentemente, foi indicado à disputa de três Óscares para a edição de 2025. Realizada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Los Angeles, é considerada a mais importante premiação da indústria cinematográfica norte-americana e por isso mesmo, uma destacada instituição da propaganda política do imperialismo. Ignorando o fato – de conhecimento público, diga-se de passagem – de o regime de terror denunciado por Uchôa ter sido imposto ao País por ordem decisiva dos EUA, o autor destaca, logo no começo do artigo:

“Laureado no mundo inteiro em inúmeros festivais de cinema, o filme ‘Ainda Estou Aqui’ retratando a luta de Eunice Paiva para saber a verdade sobre o desaparecimento do esposo, ex-deputado Rubens Paiva, por agentes da ditadura, alcançou feito histórico para o Brasil ao ser indicado à disputa de três categorias no Oscar deste ano […]

Anos atrás, um medíocre deputado federal Jair Bolsonaro cuspiu no busto de Rubens Paiva inaugurado em galeria em sua homenagem no Congresso Nacional. Hoje, o filme sobre a vida do parlamentar maculado e a luta de sua família cai nas graças da população, mostrando que a tolerância com os adeptos da ditadura e os arbítrios dela decorrentes é zero.”

Claramente entusiasmado, Uchôa trata o filme como se fosse o principal impulsionador da mobilização popular que o Brasil já teve em décadas. Ainda Estou Aqui, porém, não é “laureado no mundo inteiro” (leia-se, Estados Unidos e União Europeia) à toa. A própria fórmula açucarada da trama encontrada pelo cineasta, o herdeiro do banco Itaú-Unibanco Walter Salles, para a obra é a expressão do teor político direitista do filme.

Ainda Estou Aqui não é um filme contra a ditadura, mas contra a extrema direita, o que são coisas muito diferentes. Mais do que isso, é um filme dedicado a enaltecer a direita tradicional, o setor mais ligado ao imperialismo no País. Criando a ilusão, nesse sentido, de que a burguesia luta contra a extrema direita com base na defesa da “democracia” contra o “fascismo”.

Fosse realmente uma obra dedicada a explicar o tenebroso período da Ditadura Militar (1964-1985), dificilmente receberia o tratamento dispensado pela propaganda imperialista à obra. A divulgação de documentos e registros secretos do governo norte-americano não deixam dúvidas quanto ao fato de que os EUA foram responsáveis por tudo, da organização do golpe à manutenção do regime militar, sustentando 21 anos de um terror que o País jamais vira e que ainda hoje, amedronta uma parte da população.

Como o filme é uma propaganda contra a extrema direita e a favor da direita tradicional, no entanto, caiu como uma luva para os propósitos do imperialismo, que tem como uma de suas principais tarefas nesse momento disciplinar a extrema direita no mundo inteiro. Com isso em mente, Ainda Estou Aqui não é um filme que “caiu nas graças da população”, mas “nas graças” do imperialismo.

A própria escolha do título, Ainda Estou Aqui, cumpre um papel de indicar um perigo presente, sendo vago o bastante para ser qualquer coisa. Cai como uma luva para um sistema mundial que, como nos anos 1960, usa a abstrata “defesa da democracia” para organizar uma verdadeira ditadura fascista. Ignorando a questão política de fundo, Uchôa continua:

“Em dezembro do ano passado, o ministro do STF Flávio Dino recebeu, em recurso, denúncia do Ministério Público concedendo, ato contínuo, interpretação inovadora sobre a Lei da Anistia de 1979. Na esteira do filme, decidiu que o instituto da anistia não pode ser aplicado a crimes de natureza permanente cujos efeitos se estendem até o presente, como ocultação de cadáveres. Nada mais justo! A matéria irá brevemente ao Plenário para definição final.

Com o apoio social, não há dúvidas de que a punição de víboras do período militar de 1964 pode acontecer. (…) Será a cereja do bolo para que a temática não só não caia no esquecimento como receba, ainda mais, o amplo apoio nacional.”

Se a obra inspirou Flávio Dino a recrudescer a ditadura judicial, isso nada mais é do que outra prova de que a esquerda comete um equívoco imenso em abraçar a propaganda imperialista, defendendo Ainda Estou Aqui como uma obra que “caiu nas graças da população”, “laureado no mundo inteiro” e outros epítetos do tipo. Primeiro pela idiotice do ufanismo em si e em segundo, e mais importante, por ignorar que a defesa da obra é, concretamente, a defesa do mesmo Partido Democrata que organizou os golpes de 1964 e de 2016; é a defesa de seus representantes diretos no Brasil, como o PSDB e o conjunto da direita “cheirosa”.

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