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Coluna

O crime do parto humanizado

A perseguição contra Ric e Zeza Jones

Ricardo Jones, conhecido como Ric Jones, e sua esposa Zeza Jones, são referência nacional e internacional em parto humanizado. Com livros, documentários e cursos ministrados em todo o país, fazem um trabalho para formação de profissionais reconhecido há décadas. Não se trata de uma moda, nem de uma visão hippie do parto, mas de um trabalho minucioso e científico.

O próprio Ric relata que nem sempre foi assim e como mudou de visão. Formado inicia sua atuação profissional praticando como qualquer outro obstetra. Em um relato corajoso e emocionante fala de um parto em particular importante para sua mudança de visão, quando uma gestante fura a lógica de sua formação. Ele é avisado que uma mulher está para dar à luz numa sala de exames onde ele trabalhava. Ele encontra a paciente no chão da sala de cócoras, ao se deparar com a situação do trabalho de parto ocorrendo fora das preparações habituais, sua reação é se irritar e gritar com a paciente. Com o parto iminente a gestante dá à luz na sala de exames, um parto rápido, saudável e sem intercorrências, mas que naquele momento ele considerava completamente inadequado. Embora auxiliou no parto, Ric foi rude examinando a paciente, ao avaliar que ela não teve laceração atribuiu ao acaso, “Tu têm muita sorte de não ter te arrebentado toda”. A mulher não o responde em momento algum. Após o rápido acompanhamento relata que uma colega limpando o chão comenta “já pensou doutor, se o senhor não chega a tempo”. Nesse momento Ric se dá conta que, se ele não estivesse lá a gestante teria sido poupada de sua rispidez em defesa do jeito “certo” de parir, e que o parto teria ocorrido sem nenhum problema, afinal o parto é um evento natural e não houveram situações de risco.

Ric então começa a questionar sua prática e a estudar profundamente sobre o papel de sua profissão, se dá conta que foi treinado para atender a um sistema que objetiva tornar a gestação e o parto mercadorias, como qualquer outro produto capitalista. Concluindo que nesse modelo a gestante perde a centralidade que passa a ser assumida pelo obstetra. Os interesses da agenda médica, da dinâmica hospitalar, e do lucro dos planos de saúde passam a coordenar o parto.

A técnica obstétrica fica a serviço da produtividade, e procedimentos técnicos sem indicação médica são utilizados amplamente para gerar maior número de partos no menor tempo possível. Ignorando os efeitos dos procedimentos no corpo e na mente da mulher. Desnecessárias episiotomias, cesáreas e outros procedimentos se tornam padrão. A violência obstétrica é normatizada, forçar a barriga, tracionar o cordão abruptamente, apressar a gestante a gritos e xingamentos, manipular o corpo da mulher como objeto, sem pergunta ou aviso prévio. Não permitir que a mãe esteja com o recém-nascido após o parto.

Infelizmente a violência obstétrica é comum no Brasil, até mesmo em atendimentos privados caros. Muitas vezes não é reconhecida como violência propriamente, mas como se fosse parte do procedimento normal. Basta conversar com os casais sobre como foram seus partos, muitos relatam que não ocorreu como queriam ou imaginavam, que faltou informação, que o médico era educado no início do acompanhamento, mas depois passou a ficar rude e fazer imposições, especialmente da cesárea; que mal sabiam o que estava se passando enquanto sentiam desconforto, dor e preocupação; que não receberam resposta sobre como estava o bebê, etc.

Certamente que os avanços técnicos obstétricos salvaram milhões de mães e bebês nas últimas décadas, mas servindo ao capitalismo passam a ser o apoio para a criação do mito de que as mulheres não podem ou não saberiam parir sem um centro cirúrgico, e que toda gestação é de risco. Ora, se assim fosse, como a humanidade teria sobrevivido às suas primeiras centenas de milênios? Atualmente a reprodução humana longe de centros cirúrgicos seria muito mais escassa do que no meio urbano? Não é verdade. Em regiões remotas são parteiras que acompanham a gestação antes, durante e depois do parto.

Para sustentar a lógica cesarista hospitalar, os obstetras incansavelmente promovem qualquer desculpa, mesmo sem qualquer base científica. Que não haveria passagem, pouco líquido, muito líquido, ou qualquer outra desculpa para dizer que o corpo da mulher, embora feito para gerar e parir, seria defeituoso ou arriscado para o parto quase sempre.

O trabalho de Ric e Zeza Jones de humanização é um resgate do parto, como um momento especial e de cuidado, fora da lógica mercantilista hospitalar. Que a mulher possa ser acompanhada em vez de ficar sozinha numa maca, num corredor, que esteja informada do que está se passando, que não seja problema um parto levar o seu tempo natural, que se possa ficar com o filho que acabou de nascer, que não sofra violência. Mas não só isso, eles rompem com a lógica capitalista ao avaliar que múltiplos profissionais, exames, cirurgia, procedimentos, medicamentos etc. Só seriam feitos apenas se.… necessários, quando a avaliação técnica exige a partir de indicativos científicos.

Além de humanizado e de romper com a lógica cesarista, há um atendimento que causou ainda mais a ira de seus pares, sendo o motivo maior da perseguição contra eles: o parto domiciliar. O parto domiciliar rompe de vez com a lógica capitalista hospitalar. Não é preciso custear internação, centro cirúrgico, apressar a liberação para o próximo procedimento.

O parto domiciliar para gestações de risco habitual permite a escolha da gestante e da família, têm o conforto de casa, presença das pessoas escolhidas, não há pressa. Existem ainda alternativas como Casas de Parto ou Centros de Parto Normal que são locais preparados para partos de baixo risco fora do hospital, desmascarando a propaganda cesarista.

Ric e Zeza Jones por décadas desenvolveram a formação científica no atendimento humanizado e seguro para inúmeros profissionais, combatendo a lógica mercadológica. Sofreram perseguição por praticamente toda carreira, Ricardo foi injustificadamente proibido de exercer sua profissão em 2016 pelo Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul. E hoje devido a um processo judicial vergonhoso, ambos estão condenados. Zeza Jones recebeu uma condenação e Ricardo Jones está preso em regime fechado como se fossem criminosos, apenas para tentar manchar o legado deles e colocar medo nos que atuam como eles.

O processo em questão é sobre um atendimento de parto domiciliar, em que o bebê tinha uma condição congênita, ou seja, prévia ao nascimento. Não há acusação de negligência, imprudência ou imperícia na conduta. O bebê nasceu bem e após o parto foi constatado pelos próprios profissionais uma dificuldade respiratória que poderia indicar essa condição. O bebê foi levado ao hospital por recomendação e acompanhamento de Ric e Zeza Jones, passado então o acompanhamento para a equipe hospitalar. Os registros do atendimento demonstram diversos erros ocorridos dentro do hospital, desde demora de horas para o atendimento até uso de medicação vencida. O bebê veio a óbito devido ao seu problema congênito.

O julgamento os acusa de homicídio doloso, e não têm como réu nenhum responsável pelo hospital onde se comprovou os erros, apenas Ric e Zeza. O promotor do caso tornou indubitável sua intenção ao proclamar que essa condenação seria uma lição, para que nenhuma mulher tivesse novamente parto domiciliar no Brasil.

Este vexaminoso processo contra Ric e Zeza deve ser anulado e reconhecida a perseguição. A lógica capitalista e a atuação nojenta da promotoria e do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul precisam ser expostas. Para que haja justiça a farsa contra eles precisa ser desmontada de vez, e já recebeu atenção de órgãos da imprensa nacional e internacional. Entre os profissionais do parto humanizado o caso Ric e Zeza Jones têm sido amplamente denunciado. A eles é reservado um lugar de referência na obstetrícia brasileira, para que as gestantes recebam o tratamento humanizado, que não sejam enganadas pelos próprios médicos e os avanços da técnica obstétrica sirvam aos pacientes e não aos capitalistas.

Liberdade para Ric Jones.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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