Nesta quarta-feira, a Causa Operária TV transmitiu, ao vivo, um programa especial sobre o caso Natália Pimenta, dirigente nacional do Partido da Causa Operária (PCO) falecida em 22 de novembro. A mesa do programa foi composta por Rui Costa Pimenta, presidente nacional do PCO e pai de Natália; Adriana Machado e Izadora Dias, companheiras que acompanharam Natália de perto no hospital durante o tratamento; e João Pimenta, irmão de Natália, que acompanhou as questões da doença e os desdobramentos jurídicos e políticos.
A história clínica de Natália começou em 2021, quando ela recebeu o diagnóstico de câncer de mama. João Pimenta explicou que o perigo do câncer de mama reside na metástase para outros órgãos. Ele informou que o tipo de câncer de Natália era o triplo negativo, considerado “o mais agressivo” devido à ausência dos três receptores mais comuns. Segundo ele, isso restringe as opções de terapias modernas, que dependem desses receptores para “mirar aquelas células”.
O tratamento inicial incluiu cirurgia seguida de terapia sistêmica, ou quimioterapia, para cobrir quaisquer células residuais. Dada a agressividade da doença, foi usado o fármaco conhecido como carboplatina. João Pimenta advertiu que o remédio, embora comum nesses casos, possui riscos potenciais, incluindo, em casos raros, o desenvolvimento de leucemias, mas era necessário devido ao fato de que “o número de terapias mais gerais que você tem não é muito grande”.
João criticou o atraso no sistema de saúde brasileiro, que dificulta o acesso a tratamentos modernos. Ele citou um medicamento usado por Natália em 2025 que “já era disponível em outros países em 2022”, destacando a lentidão do processo de legalização. Ele também revelou que, na época, houve divergência médica: alguns defendiam medidas mais agressivas, dada a natureza da doença, mas “optou-se aí pela alternativa menos agressiva”. A família só tomou conhecimento desses detalhes e da decisão majoritária tardiamente.
Após as terapias, Natália interrompeu o tratamento em meados de 2024. João Pimenta sublinhou a necessidade de um acompanhamento “muito rigoroso” devido ao alto risco de recidiva do câncer. Ele mencionou a opinião de um médico que, de forma discreta, sugeriu que teria conduzido o acompanhamento de maneira “um pouquinho diferente”, indicando uma falha na vigilância por parte da equipe que supervisionou o tratamento de Natália.
Em janeiro de 2025, Natália teve a detecção de quatro metástases no cérebro. A família mobilizou-se rapidamente para realizar a cirurgia, que removeu o tumor maior. Os tumores menores exigiram radiocirurgia.
O irmão da paciente levantou uma crítica à ética médica, apontando a falta de “consentimento” e de apresentação clara de opções aos pacientes e familiares. Ele descreveu o dilema dos profissionais em equilibrar “a qualidade do tratamento [e] a qualidade de vida do paciente”, mas ressaltou que decisões que caberiam à própria pessoa “ninguém nunca foi consultado de nada”, classificando a conduta como “muito, muito absurdo”.
A escolha pela abordagem menos invasiva fracassou. Em março, surgiram “diversas outras metástases”, confirmando que a medida mais agressiva era a correta. A radioterapia total no crânio precisou ser realizada em condições já desfavoráveis.
O risco de metástase cerebral para o câncer triplo negativo é alto, variando entre 25% e 46% dos casos, segundo o Instituto Nacional de Saúde dos EUA.
João Pimenta criticou a opção pelo PET Scan no acompanhamento, pois “a ressonância magnética é comprovadamente mais eficiente para identificar esse tipo de problema” no cérebro. A falta da ressonância, em um caso de alto risco, resultou na descoberta da doença em um estado crítico, apenas dois meses após o último exame.
“O padrão leva em conta a sustentabilidade financeira do sistema de saúde e a saúde do paciente”, declarou João, resumindo a política burocrática como uma forma de “economizar o dinheiro do plano de saúde, do hospital, dos do governo, prejudicando menos o paciente para não ser processado depois”.
A inação levou a família e a equipe a estarem “dois passos atrás da situação a todo momento”, relatou João. Ele disse que todas as medidas tomadas acabavam sendo “mais tarde do que elas deveriam”.
O tratamento menos invasivo falhou novamente, e a doença apareceu no líquido cérebro-espinhal (líquor), um sinal de gravidade extrema, que poderia levar o câncer a viajar por todo o sistema nervoso. A radioterapia na coluna, antes descartada para evitar intervenções agressivas, teve que ser feita em condições já muito piores.
A equipe propôs o tratamento com TDXD, uma imunoterapia nova.
João Pimenta narrou a frustração com os laudos. Após consultar outros médicos, descobriu que o TDXD não havia sido sugerido antes porque o laudo original indicava um câncer “triplo negativo puro”. Contudo, um laudo atualizado apontava o contrário, indicando a presença de um receptor que tornaria o TDXD eficaz. Segundo João, médicos o informaram que, com o dado correto, o remédio deveria ter sido dado logo após a cirurgia, antes da radiação. Ele condenou o “código de ética dos médicos que protege os médicos, mas não os pacientes”.
Natália passou cerca de cinco meses internada, enfrentando uma dor intensa que exigia o uso de analgésicos fortes como a morfina.
O uso do TDXD trouxe melhora, mas logo em seguida surgiu a leucemia mieloide aguda (LMA). João Pimenta explicou que a leucemia é um câncer da medula óssea que impede a produção de células vitais, deixando o paciente vulnerável. Ele observou que a LMA, quando surge “por consequência de um tratamento”, é “muito perigosa”.
O tratamento padrão com Venetoclax não foi eficaz, dada a agressividade da doença. A equipe médica, descrita por João como “mais humana”, sugeriu um exame genético de alto custo que, em geral, não era coberto por convênios. A família optou por pagar o exame. O resultado revelou uma mutação específica que poderia ser tratada com o Revumenib, um medicamento novíssimo, aprovado nos EUA há poucos meses.
A medicação, que poderia custar milhões de dólares por ano, “não tinha registro no Brasil”. Além disso, o transplante de medula, a única solução para a leucemia, era inviável devido à presença do câncer primário.
João Pimenta comentou que, apesar de ouvir dos médicos que o quadro era terminal, “o fato da pessoa falecer em 55 dias ou 550 dias é uma diferença gigantesca”. Ele defendeu que Natália superou todos os prazos que os estudos previam e que, se o tratamento tivesse sido melhor, a família poderia ter “ganhado mais tempo” para que novas soluções se tornassem disponíveis.
“Ela tinha dois filhos, né? Um de 10 e um de 6 anos. Qualquer um ano que a pessoa ganha é muito tempo para essas crianças”, afirmou João.
Devido à falta de registro do Revumenib, a família iniciou um processo judicial para tentar garantir o fornecimento pelo Estado. João Pimenta informou que, desde a descoberta da compatibilidade do remédio até o falecimento de Natália, passaram-se 55 dias. Nesse período, não foi possível fazer com que o remédio chegasse a tempo, por problemas que envolveram “tanto o judiciário, quanto o governo, quanto a verdadeira máfia que é a indústria farmacêutica”.
João então declarou:
“Não tem solução ainda para o problema chamado morte, mas o cara morrer hoje ou morrer daqui 30 anos é uma diferença bem grande. E quando você tem uma morte precoce, então é uma diferença maior ainda.”
Rui Costa Pimenta complementou que o esforço da família foi para “ganhar tempo”, mas a falha se deu porque “o tratamento em si era muito ruim”. Ele afirmou que “os médicos são burocratas na sua maioria”, tratando a pessoa como “um arquivo”.
Rui Costa Pimenta afirmou que a medicina, sendo uma carreira para “o pessoal ganhar dinheiro”, resulta em uma qualidade profissional “muito duvidosa”. Ele usou o exemplo do contraste entre médicos brasileiros e cubanos, defendendo que o médico “tem que ter um senso de que ele está tratando de um ser humano”.
O pai de Natália atacou o uso do termo protocolo, que transforma o médico em “um burocrata”. Ele afirmou que “o protocolo é uma porcaria” porque não permite individualizar o tratamento: “cada pessoa é uma pessoa. As pessoas reagem de maneira diferente”. A burocracia, segundo ele, teve uma “influência bastante grande no falecimento dela”.
Adriana Machado iniciou sua fala explicando que a família precisou “criar uma força tarefa para acompanhar tudo que estava acontecendo, porque desde os cuidados básicos, feito pelos técnicos e até os médicos, a gente tinha que saber exatamente o que tava acontecendo e ver se tinha outras maneiras”.
Adriana descreveu que a internação ocorreu em um momento delicado no hospital: “eles tinham acabado de demitir um monte de funcionários em vários setores, desde coordenadores até diminuído o quadro de técnicos”. Ela explicou que os técnicos, essenciais para os cuidados diários como “dar remédio, dar banho, trocar, fazer a higiene”, já se sentiam sobrecarregados antes das demissões.
Acompanhar Natália era uma tarefa ininterrupta, “mesmo durante a madrugada, principalmente, tinha que está atento a tudo que estava acontecendo”. Adriana lembrou que Natália perdeu “totalmente o movimento das pernas” e tinha dificuldade com os membros superiores, necessitando de ajuda até para se reposicionar. “O que me fazia pensar na situação geral das pessoas. Porque a gente criou toda uma organização para isso e tem muitas famílias que não podem, não conseguem”, refletiu.
Para Adriana, o desafio com os médicos era o mais difícil. Ela narrou uma reunião ocorrida antes do tratamento da leucemia, quando a equipe de hematologia confirmou a doença e o tratamento oncológico precisaria ser paralisado. Adriana inicialmente pensou que seria uma reunião para explicar o novo tratamento, com os hematologistas, mas sentiu que os médicos “queriam até que talvez a Natália desistisse do tratamento”.
Na reunião, foram apresentados três cenários, todos muito negativos, que envolviam a possibilidade de o remédio não funcionar e a paciente ir para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), com risco de não voltar. Adriana sentiu que a sugestão era “melhor ela ficar no não fazer o tratamento e morrer confortavelmente” com dignidade, frase proferida pela médica de tratamentos paliativos. A médica, inclusive, havia dito a Natália que ela “nunca ia voltar a ser como ela era antes” em relação aos movimentos da perna, apesar de Natália estar focada na fisioterapia e já sentir o fortalecimento.
Adriana contou que Natália, “bem consciente da situação”, pediu que fosse colocado em seu prontuário a ordem para tentar tudo o que fosse possível: “se precisasse entubar, se precisasse fazer a hemodiálise, fizer que se precisasse reanimá-la, que reanimasse”.
Contrariando a vontade de Natália, quando ela precisou ser entubada, “a equipe de médicos paliativos, eles abandonaram o caso”. Para eles, a partir dali, o tratamento era um “sofrimento para o paciente, não era recomendado fazer aquilo”. Adriana lamentou que, mesmo com a família cheia de dúvidas sobre o processo da sedação e o sofrimento de Natália, a equipe que deveria ajudar o paciente e os familiares simplesmente se retirou.
“Você precisa enfrentar a doença, você precisa enfrentar o mau funcionamento do hospital. Isso porque todo mundo fala que o hospital que ela estava é um excelente hospital”, disse Adriana. Ela lembrou que um médico do Hospital de Barretos garantiu a Natália que ela estava “fazendo o melhor tratamento no melhor hospital”. Adriana refletiu: “se aquele era o melhor hospital, como será o pior?”.
Izadora Dias complementou, relatando um episódio na UTI em que a boca de Natália estava tremendo. Ao chamar a médica, a resposta foi que, devido ao longo tempo internada, Natália teria perdido a força do maxilar, e o movimento seria causado pelo coração. A médica disse “que não tinha o que fazer”.
“A gente nunca aceitou essa história”, afirmou Izadora. Ela chamou a fisioterapeuta, que descobriu que o problema era simples: “o tubo do respirador tava vazando um pouco o ar pela boca e estava fazendo a boca dela chacoalhar”. A fisioterapeuta reposicionou o tubo e o problema parou. “Ou seja, era uma coisa super grave, segundo a médica, mas não tinha o que fazer e ficou nisso. Mas o fisioterapeuta foi lá, arrumou o tubo e resolveu o problema. Então a gente por muito, em muitas situações enfrentou isso”.
Elas também enfrentavam a relutância da equipe em fornecer informações: “o pessoal trata meio que tipo, por que você quer saber?”. Izadora explicou que era essencial que a família soubesse de tudo, primeiro por estar acompanhando a pessoa, e segundo porque “a gente tem a sensação que ninguém sabe direito o que tá acontecendo”.
Adriana relatou a importância de saber o histórico, pois Natália tinha alergia à salina. “A gente passou 5 dias da Natália tentando melhorar… Aí ia lá uma uma pessoa que não tava nem aí aplicava nela uma salina… na hora que você via, aí ficava mais dois dias, a Natália voltava passando mal de novo, porque aplicou um negócio que fazia mal para ela”.
João Pimenta reforçou que o tratamento era uma luta diária, muitas vezes contra o descaso. Ele viu que havia uma percepção de que, com um caso “perdido”, o trabalho não valia a pena. “A gente percebia que tinha uma coisa assim também de ‘ para que se preocupar com isso’… mas também ninguém te explicava direito. Você também vê que eles também não sabem que é aquilo, é uma feitiçaria”.
Izadora narrou uma mudança de postura quando o Revumenib ficou mais próximo: “o pessoal já dá tudo como caso perdido… se a gente reforçar que tem um remédio… eles vão dar mais atenção”. Mas a reação foi oposta. Quando o medicamento se tornou viável, e com o aparecimento de uma enfermeira do plano de saúde que fazia um acompanhamento suspeito, os médicos mudaram o discurso de “ela não está sofrendo” para “ela está sofrendo, é muito difícil”.
A família concluiu que os gastos futuros eram o motivo, pois “Natália melhoraria e ela precisaria continuar o tratamento no hospital”. Izadora sentiu que começou um “assédio contra a família” para que desistissem, com os médicos repetindo que a situação era grave.
Rui Costa Pimenta relatou a reunião com a equipe paliativa que o deixou “muito espantado”. A médica disse claramente: “se ela for para a UTI piorar, nós não vamos entubar e nós não vamos fazer diálise”. Ele prontamente contestou: “não, senhor, vai fazer o que tiver que fazer”.
Ele classificou a atitude como uma tentativa de convencer Natália e a família de que o caso estava perdido, o que considerou bárbaro, questionando: “qual que será o bem do paciente? Se o paciente tá lutando pela vida, lá vem o médico e fala assim: ‘você está morto'”.
O presidente do PCO falou de outra discussão, onde um médico se recusava a fazer massagem cardíaca em caso de parada, alegando que “a pessoa vai sofrer”. Pimenta rebateu: “a pessoa vai sofrer nada. A pessoa está sob sedativos fortes lá, não está consciente… entre morrer e quebrar uma costela, melhor quebrar uma costela, lógico”.
O argumento final do médico era que Natália “precisa ter uma morte digna”. Rui Pimenta respondeu: “não tem morte digna, morreu, morreu”. A dignidade, para ele, é exercida enquanto a pessoa está viva. Ele afirmou que “existe, embutido no sistema de saúde, uma espécie de indústria da morte”, e que a campanha pela eutanásia é um perigo, pois muita gente já está morrendo à toa no sistema de saúde.
Adriana relatou o drama de uma noite na UTI. Natália estava imóvel, com o olho e a boca abertos, uma situação incomum. A médica da UTI, descrita como uma das “piores”, se recusava a ficar tempo suficiente para notar que a respiração de Natália estava errada. Adriana teve que ligar para João, que contatou o “único humanista lá que a gente achou”, o chefe da equipe. Este médico ligou para a médica da UTI.
A médica voltou furiosa para dar um sermão em Adriana por ter acionado o chefe. Mas, ao examinar Natália, ela constatou que ela estava sofrendo uma overdose de morfina devido à paralisação dos rins. O remédio foi dado, e Natália se recuperou. “Ela [Natália] falou: ‘eu estava escutando tudo o que estava acontecendo, eu estava entendendo o que você estava falando, só que eu não conseguia reagir'”, relatou Adriana. “Você imagina se ela tivesse morrido ali”…
João Pimenta interveio, lembrando a reunião em que a equipe paliativa tentou pressioná-lo a aceitar a decisão de não prolongar o tratamento. Ele, então, argumentou: “se ela fosse evangélica, a igreja dela falasse que Deus vai mandar ela pro inferno, se ela não prolongar cada segundo da vida dela, você não ia estar me encheio do saco”. Ele afirmou que, durante o último mês, ele mal dormia, acompanhando o caso e indicando que denunciaria ao Conselho Federal de Medicina ou daria processo, pois era a única linguagem que os médicos entendiam. Ele revelou que tiveram que estabelecer uma consultoria médica externa com um militante do partido que é médico intensivista. “Várias vezes a solução vinha desse pessoal”, que garantia fazer o que fosse preciso se o paciente tomasse “uma decisão informada”.
Ao ouvir comentários de pessoas que teriam sido bem tratadas no mesmo hospital, Rui Pimenta disse: “eu acho que tem uma diferença muito grande entre o paciente entre aspas, terminal e o paciente que não tá nessa situação”. Para os terminais, o cálculo seria: “vai morrer, f***-se… Vamos despachar”.
Rui Costa Pimenta encerrou, refletindo sobre o choque da audiência: “essa é a realidade do sistema de saúde brasileiro”. Ele afirmou que o paciente sem acompanhamento estaria perdido, e que o Partido montou uma equipe para acompanhar o caso, constatando a resistência do sistema.
Ele taxou o sistema de saúde privado como um “mal social muito grave”. A prática da “morte digna” dentro de um sistema focado no lucro, segundo ele, transforma-se em “um massacre, num verdadeiro genocídio”.
O presidente do PCO lamentou que a maioria das pessoas não tem condições de fazer o que a família fez. Ele concluiu que a morte e a fome são as manifestações mais drásticas do capitalismo.
Ao final do programa, Rui Pimenta prometeu continuar discutindo o caso Natália Pimenta, provavelmente em mais dois episódios na Causa Operária TV (COTV).
Assista ao programa na íntegra:





