No texto anterior desta série de artigos em resposta à matéria Racismo não racista: branquitude e machismo na live do PCO, demonstramos como o professor Adeir Alves utiliza uma ideia fantasiosa de “racismo” para justificar uma política de censura contra seus adversários ideológicos. Demonstramos que o autor, incomodado com o programa revolucionário do Partido da Causa Operária (PCO) frente ao aparato de repressão estatal e ao cerco imperialista contra a América Latina, rotula o seu presidente como “racista não racista”, buscando, assim, desqualificar suas posições políticas.
Avançando em sua tese, Adeir Alves nos ensina que:
“Em termos práticos, o racismo não racista também está presente naqueles jargões de opinião quando dizem: ‘ao invés de cotas raciais, deveríamos ter apenas cotas sociais, porque contempla a todos igualmente’; ‘ao invés de consciência negra, devemos falar em consciência humana’; ‘perante a lei, somos todos iguais’.”
Os exemplos não dão conta de esclarecer qual é a real polêmica. Afinal, como dissemos anteriormente, o autor não visa explicar nada. Como bom identitário, o professor parece acreditar que, quanto mais obscurantismo houver, mais fácil será de constranger os seus adversários.
O verdadeiro debate em tela é: existe uma causa econômica e social para a opressão do negro, ou esta é produto apenas de um preconceito? E, diante da resposta, fica a pergunta: o que fazer?
Não há como negar as razões materiais para a opressão do negro. O negro brasileiro é, em sua esmagadora maioria, pobre. E, por isso, é identificado como um setor inferior. A polícia não massacra o negro porque sofreu uma lavagem cerebral racista: ela persegue o negro porque o seu papel é defender a propriedade dos ricos contra os pobres. Da mesma forma que a polícia persegue preferencialmente o negro, ela invade uma favela, mas jamais invade um bairro nobre.
Dito tudo isso, agora examinemos o que disse Adeir Alves. O discurso de “ao invés de cotas raciais, deveríamos ter apenas cotas sociais” é frequentemente reproduzido pela direita. Trata-se de um pretexto para se opor a uma política social favorável aos negros. É como se dissesse: como o problema do negro tem uma origem social, não deve haver uma política social específica para esta população — o que é absurdo. Na medida em que o negro luta contra as condições entre ele e a sociedade capitalista, melhor ele irá compreender os motivos que o conduzem à desgraça. Neste sentido, a política de cotas, ainda que muito moderada, ajuda a politizar o negro e favorece a luta contra o capital.
Mas a posição inversa é, também, falsa. A ideia de que as cotas raciais sejam, em si, uma política capaz de resolver situação do negro é absurda, pois o seu efeito prático é o da formação de uma camada privilegiada, uma classe média negra. As cotas não fazem mais que dar privilégios a uma parcela ínfima da população negra. Ou seja, a verdadeira defesa do negro é o fim do vestibular, o fim da universidade como um privilégio de uma minoria.
O mesmo debate para a questão da “consciência negra”. A única “consciência negra” digna de nota é a consciência da luta do negro contra a sociedade capitalista. Isto é, de que o negro é, antes de tudo, um ser humano, submetido às mesmas leis sociais que todos os outros, e cuja libertação depende inexoravelmente da libertação de seus irmãos de classe, brancos, amarelos ou vermelhos. Qualquer coisa diferente disso é uma tentativa de dividir o proletariado em cores para, assim, facilitar a sua dominação.
Por fim, chegamos à capciosa questão da igualdade jurídica. Em qualquer regime civilizado, todos são iguais perante a lei. Isto é, a legislação não faz qualquer distinção de sexo, cor, idade ou opinião na concessão dos direitos fundamentais. Tanto um negro quanto um branco têm exatamente o mesmo direito, pela lei, à moradia digna. Tanto um quanto o outro têm direito a estudar em uma escola pública.
Este regime é um grande avanço civilizatório, conquistado por meio das revoluções burguesas. Ele se opõe à Idade Média e à aristocracia, que detinha um conjunto de privilégios sobre o restante da população.
Um regime desta natureza, no entanto, não impede que direitos específicos sejam concedidos a uma parcela da população. As mulheres, por exemplo, devem ter uma série de direitos relacionados à maternidade que não são cabíveis aos homens.
O que os identitários defendem, no entanto, não é um regime jurídico civilizado. Quando os identitários protestam contra a ideia de que, “perante a lei, somos todos iguais”, eles não estão discutindo os direitos específicos de cada setor social, mas sim procurando atacar os direitos de um setor da população. Por exemplo, ao dizer que “o racista” não poderia ter o direito de falar na Internet.
É a defesa da barbárie jurídica, de um regime no qual a lei não existe de verdade. No qual a lei só vale para os “puros” oprimirem os “impuros”. Um regime semelhante ao da Alemanha Nazista.





