Coluna

Nunca foi tão fácil mudar de sexo na Alemanha

"Poucos meses após essa lei entrar em vigor, um neonazista mudou de sexo por meio de autodeclaração. Agora, condenado pela Justiça, ele deseja cumprir pena na prisão para mulheres"

Desde o dia 1º de novembro de 2024, vigora uma lei na Alemanha segundo a qual basta a autodeclaração — daí o nome da lei Selbstbestimmungsgesetz (lei da autodeclaração, em tradução livre) —, dispensada a comprovação médica, para que alguém seja considerado do gênero que optar. É isso mesmo: basta apresentar uma autodeclaração no órgão competente para determinar o gênero que for mais conveniente.

Segundo o canal Servus.TV, poucos meses após essa lei entrar em vigor, um neonazista mudou de sexo por meio de autodeclaração. Agora, condenado pela Justiça, ele deseja cumprir pena em uma prisão para mulheres. O caso levantou o debate sobre em que consiste proteger as minorias, já que encarcerar um homem (ao menos biologicamente, que seja) em uma prisão para mulheres certamente põe em risco a integridade física delas.

O primado da lei e a esfera privada

As revoluções que resultaram na tomada do poder pela burguesia e instauraram o chamado Estado Constitucional — sob o qual vivemos, mal ou bem, até os dias de hoje — tinham como uma espécie de ideologia mais ou menos marcada a premissa de que todos os homens nascem livres e iguais. Em que pese se tratar de uma igualdade formal — ou seja, uma igualdade perante a lei —, era certo que o Estado fundado sob essa ideologia estaria proibido de interferir na esfera privada dos cidadãos. Assim, as liberdades públicas, em seu sentido mais amplo (embora nem por isso mais concreto), tinham (ainda têm, ao menos no plano jurídico) o escopo de impedir a interferência do Estado na vida privada, nas questões relacionadas à liberdade de culto, de pensamento, de expressão, de comunicação, de reunião e de manifestação artística. Liberdade a ser garantida à classe dominante, diga-se, mas que, de algum modo, também beneficiaria os trabalhadores.

A liberdade sexual, desde os tempos mais remotos e ainda mais no Estado Constitucional, também é matéria para o Direito Penal, dado o desvalor da conduta violadora dessa liberdade e o gravíssimo dano por ela produzido. Até aí, justifica-se a interferência estatal na esfera privada dos cidadãos.

Salvo melhor juízo, não há notícias de que, em outros tempos, o gênero de alguém pudesse ser determinado por simples autodeclaração às autoridades públicas para então ser assim considerado. Isso levanta a questão sobre o limite do poder do Estado sobre a própria existência física das pessoas.

A ideia e a matéria

Distante de questões filosóficas fundadas na racionalidade, é preciso lidar com questões reais aqui e agora. Imagine-se que cada um possa obter tratamento perante a sociedade e os órgãos públicos de acordo com o gênero que declarou e não com o que lhe é fisicamente evidente. Enquanto isso cria uma série de problemas reais e infinitos debates teóricos inócuos, a questão fundamental — que é a dominação burguesa — é deixada de lado. Os mecanismos de sequestro da cultura e das ideias seguem firmemente eficazes.

A esquerda, que há muito se afastou do materialismo para se perder em puro idealismo, segue refém das instituições burguesas, na medida em que acredita e propaga ser a universidade o lugar do conhecimento e da verdade, sem se dar conta de que o conhecimento ali produzido está, tantas vezes, tão distante da realidade e tem servido quase que exclusivamente para legitimar a nefasta dominação vigente e/ou para confundir tantas pessoas, de modo que elas se dispersem e se separem umas das outras, deixando de se reconhecer como sujeitos livres e iguais.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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