No último dia 8, o novo secretário-geral do partido revolucionário libanês Hesbolá, xeque Naim Qassem, concedeu sua primeira entrevista à rede libanesa Al Mayadeen na condição de líder da organização. Em uma conversa com Ghassan Ben Jeddou, presidente do conselho da emissora, Qassem detalhou a estratégia do Hesbolá na guerra em Gaza, as razões para aceitar o cessar-fogo após o assassinato de Sayyed Hassan Nasseralá e os desafios enfrentados pelo partido.
A entrevista, transmitida em duas partes, marca um momento crucial para a Resistência, oferecendo uma visão interna sobre as decisões que moldaram os últimos meses de confronto com a ocupação israelense. Qassem abriu a entrevista falando sobre a entrada do Hesbolá na guerra, iniciada como uma “batalha de apoio” a Gaza, e não como uma guerra total. Ele revelou que a decisão foi tomada pelo Conselho Shura do partido dois dias após o início do conflito, em 8 de outubro de 2023, com ataques lançados a partir das Fazendas de Shebaa.
“O resultado de uma guerra total é previsível. Exige preparativos que simplesmente não estavam disponíveis”, ele disse. “Tivemos que entrar na batalha com apoio limitado e observar os acontecimentos de perto. Com base na evolução, poderíamos fazer uma escolha mais clara”, explicou, destacando a cautela estratégica para evitar um confronto desproporcional sem condições adequadas.
O líder do Hesbolá elencou os objetivos dessa operação de apoio: desviar forças israelenses para o norte, forçar a evacuação de colonos e infligir baixas ao inimigo. Essas ações, segundo ele, aliviaram a pressão sobre Gaza e mostraram aos israelenses que enfrentam uma guerra em duas frentes.
Ele negou qualquer coordenação prévia com o Hamas antes da operação de 7 de outubro, afirmando que o partido só soube dos planos através de um intermediário após o início. Discussões posteriores com líderes do Hamas, como Khalil al-Hayya, reforçaram a estratégia de apoio como suficiente para os objetivos da Resistência.
Outro ponto abordado foi o papel do Irã, aliado histórico do Eixo da Resistência. Qassem destacou a postura calculada da República Islâmica, que evitou entrar diretamente no conflito para não provocar uma escalada com o imperialismo norte-americano. “O Irã entendeu que uma entrada direta na guerra traria os Estados Unidos para um confronto com Teerã, dando exatamente o que ‘Israel’ queria: uma guerra maior com apoio norte-americano”, ele afirmou.
“O Irã fez tudo o que pôde e mais”, acrescentou. “Nunca pedimos ao Irã para participar da guerra, e ele não precisava ser solicitado. Seu apoio é a base da nossa resiliência e de toda a Resistência”. Ele enfatizou que o apoio iraniano, em formas diversas como financeiro, militar e político, foi essencial sem exigir intervenção direta.
A entrevista também tratou das falhas de segurança que abalaram o Hesbolá, como os pagers explodidos e o assassinato de Nasseralá. Qassem confirmou que comitês internos investigam as brechas, incluindo a origem de 1.500 dispositivos bugados interceptados na Turquia. Ele admitiu vulnerabilidades na cadeia de suprimentos, mas negou infiltração humana significativa, apontando a vigilância eletrônica israelense como o maior problema. “’Israel’ é uma entidade predatória. É expansionista, insaciável e criminosa”, alertou, reforçando a necessidade de resistência.
Sobre a Síria, Qassem classificou o colapso do governo como “uma perda definitiva” para o Eixo da Resistência. “O que aconteceu na Síria foi certamente uma perda para o Eixo da Resistência porque a Síria era uma rota para apoio militar”, declarou, lembrando o papel de Damasco como apoio logístico e político aos palestinos. A queda afetou a Resistência em Gaza e Líbano, mas Qassem deixou claro que o Hesbolá não interfere na política interna síria.
“Ainda não conseguimos ler claramente qual será a forma do futuro sistema sírio”, disse, questionando se surgirá um governo inclusivo ou dominado por uma facção. “Milhares de alauitas e outros foram mortos por grupos ligados ao regime. Isso representa uma séria ameaça a qualquer esforço para reconstruir um quadro nacional estável”, alertou, expressando esperança em um governo independente que rejeite a normalização com “Israel”.
A aceitação do cessar-fogo em 24 de novembro de 2024 foi outro tema central da entrevista. Qassem explicou que o Hesbolá nunca buscou guerra total, apenas retaliação, e aceitou a proposta franco-americana após negociações via Nabih Berri. “Se o inimigo parar, estamos prontos para parar. Não começamos a guerra; eles começaram”, afirmou.
O dirigente rejeitou informes de eventual pressão iraniana, destacando que a decisão foi libanesa, apoiada por comandantes de campo. A força do partido, mesmo após perdas como Nasseralá, foi evidenciada pela continuidade das operações e pela unidade libanesa, que frustrou os planos israelenses.
Qassem também abordou a liderança após o assassinato de Nasseralá, descrevendo o choque pessoal e a responsabilidade de seguir seu legado. “Seu martírio não foi apenas inesperado para o mundo, foi inesperado para nós”, confessou.
“Não choramos porque ele se foi, choramos porque não sabemos como compensar o que perdemos”. Como novo líder, ele intensificou a coordenação militar, garantindo que decisões, como o ataque a Telavive, foram coletivas no Conselho Shura. “Não há nomeação sem discussão profunda”, afirmou, destacando a estrutura organizada do partido.
Por fim, Qassem defendeu a resistência como a única resposta à ocupação, rejeitando desarmamento e normalização. “A força do Líbano está em seu povo, seu exército e sua resistência”, disse, alertando contra ameaças existenciais aos xiitas e ao Líbano.





