O Rumble, plataforma de vídeos suspensa no Brasil por ordem de Alexandre de Moraes, ministro do STF, não precisará cumprir suas determinações nos Estados Unidos, decidiu a Justiça norte-americana em 25 de fevereiro de 2025. A juíza Mary S. Scriven, do Tribunal do Distrito Médio da Flórida, rejeitou a validade das ordens de Moraes contra o Rumble e a TMTG (Trump Media & Technology Group), de Donald Trump, por falta de notificação formal via Convenção de Haia ou MLAT EUA-Brasil.
O caso, que culminou na suspensão do Rumble no Brasil, mostra que o ministro, apesar de atuar com amplo poder no país, não levou o processo aos EUA, expondo os limites de sua jurisdição e levantando dúvidas sobre a real intenção por trás da operação. A decisão judicial veio após o Rumble e a TMTG acionarem a Justiça dos EUA em 19 de fevereiro, contestando ordens de Moraes para remover perfis do jornalista Allan dos Santos, bloquear repasses financeiros a ele e indicar um representante legal no Brasil.
A plataforma, que voltou a operar no Brasil em 8 de fevereiro, foi intimada no dia seguinte a suspender as contas do Terça Livre, ligado a Santos. Em 20 de fevereiro, Moraes deu 48 horas para o Rumble nomear um representante, exigência baseada no Marco Civil da Internet, que responsabiliza empresas por danos de conteúdo se descumprirem decisões judiciais. Sem resposta, ele ordenou a suspensão em 21 de fevereiro, executada pela Anatel em 24 de fevereiro, bloqueando a plataforma em quase todo o país.
Nos EUA, porém, a resposta foi diferente. A juíza Scriven afirmou no despacho de 25 de fevereiro que “não há evidência de que o governo brasileiro, o governo dos EUA ou qualquer outra entidade tenha tentado fazer cumprir as ordens emitidas por Moraes” em território norte-americano.
Ela destacou que os tratados internacionais exigem notificação específica, via Ministério da Justiça e carta rogatória, o que não ocorreu. “Caso alguma entidade tente fazer cumprir essas diretrizes nos EUA sem obedecer às leis e tratados aplicáveis, o Tribunal está pronto para exercer sua jurisdição”, escreveu Scriven. O Rumble comemorou em comunicado: “Isso significa que o Rumble e a Trump Media não têm qualquer obrigação de cumprir com essas exigências ilegais de censura e nenhuma entidade dos EUA é obrigada a aplicá-las.”
O presidente do Rumble, Chris Pavlovski, provocou Moraes no X no último dia 25: “olá, Alexandre. Outro dia você disse que eu sou um criminoso porque expressei a opinião de que suas ordens secretas eram ilegais. Hoje, um tribunal federal dos EUA determinou que suas ordens são inválidas. Nos veremos no tribunal… se você decidir comparecer.” A empresa chamou a decisão de “vitória total da liberdade de expressão, soberania digital e do direito das empresas norte-americanas de operar sem interferência jurídica estrangeira”, enviando “uma mensagem forte aos governos estrangeiros” contra a aplicação de “ordens ilegais em solo norte-americano.”
A TMTG, dona da Truth Social, também celebrou. Embora a rede de Trump não tenha sido diretamente afetada, ela depende da tecnologia do Rumble para hospedagem de vídeos. As empresas acusaram Moraes de censura, alegando que ele extrapolou ao exigir o bloqueio de Santos, um brasileiro radicado nos EUA, e dados de usuários sem limitar a ordem ao Brasil.
O Rumble já havia desafiado o STF publicamente, recusando-se a cumprir as determinações draconianas do ministro desde outubro de 2021, quando Moraes ordenou o bloqueio inicial dos perfis de Santos por conteúdo que o ministro considerava uma “estratégia” para driblar decisões anteriores. A reação nos EUA não parou no tribunal.
Em 26 de fevereiro, o Departamento de Estado norte-americano publicou no X: “o respeito pela soberania é uma via de mão dupla com todos os parceiros dos EUA, incluindo o Brasil. Bloquear o acesso à informação e impor multas a empresas sediadas nos EUA por se recusarem a censurar pessoas que vivem nos Estados Unidos é incompatível com os valores democráticos, incluindo a liberdade de expressão.”
A nota, do Escritório do Hemisfério Ocidental, foi a primeira manifestação oficial do governo Trump sobre o caso, dias após o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) discutir o tema com diplomatas norte-americanos, pedindo sanções contra Moraes. No mesmo dia, o Comitê Judiciário da Câmara dos EUA aprovou o “No Censors on our Shores Act”, projeto dos deputados republicanos Darrell Issa (Califórnia) e María Elvira Salazar (Flórida) que torna “inadmissíveis” ou sujeitos à deportação “agentes estrangeiros” que censurem cidadãos norte-americanos em solo dos EUA. Com apoio do democrata Jamie Raskin (Maryland), o texto avança ao plenário da Câmara, controlada pelos republicanos desde 2024.
ssa declarou que o projeto responde ao “abuso de poder do STF”, mirando Moraes, enquanto Salazar o chamou de “vanguarda em uma cruzada internacional contra a liberdade de expressão e cidadãos como Elon Musk”. O projeto cita casos como os de Paulo Figueiredo e Rodrigo Constantino, brasileiros com cidadania norte-americana cujas contas foram bloqueadas por Moraes.
Após o Rumble voltar ao Brasil no último dia 8, Moraes agiu rápido: intimou a empresa no dia 9, exigindo um representante 11 dias depois e finalmente, suspendeu a plataforma no dia 21. Nos EUA, Rumble e TMTG contra-atacaram em 19 e 22 de fevereiro, enquanto a Anatel bloqueava o acesso no Brasil em 24 de fevereiro.
A decisão norte-americana de 25 de fevereiro encerrou a disputa fora do país, mas no Brasil a suspensão segue. Moraes, que já brincou preferir turismo na Europa a visitas aos EUA, não acionou os canais internacionais para impor suas ordens, limitando-se a medidas domésticas.
O caso revela uma operação de impacto local sem alcance global. Apesar de suspender o Rumble no Brasil com base no Marco Civil e em inquéritos como o das milícias digitais, Moraes não buscou aplicar suas decisões nos EUA via Convenção de Haia ou MLAT, como exige a lei internacional.
A Justiça norte-americana deixou claro que, sem isso, as ordens não valem lá, e o governo Trump reforçou a posição, alinhado a uma ofensiva de aliados como Musk e Eduardo Bolsonaro. Enquanto Moraes atua como um déspota no Brasil, sua truculência não encontra apoio nos EUA.