O advogado Arnóbio Rocha apontou, em coluna no Brasil 247, que estaria surgindo — “ou se consolidando” — nos Estados Unidos um “novo poder ilimitado” por causa do segundo governo de Donald Trump. De acordo com ele, “aquilo que se chamou de ultraliberalismo, e que era apenas uma ideologia e uma construção no plano da ação da economia, muda nessa fusão de poderes, pois chegou ao poder efetivamente com Musk e Trump e não vai delegar a terceiros a execução das medidas que acreditam tornar os EUA um império ainda maior e implacável, com controle absoluto de um pequeno grupo: a plutocracia do poder”.
Não se vê, porém, nenhuma novidade nesse sentido. O que diferenciaria o “ultraliberalismo” do tradicional neoliberalismo? Afinal, o neoliberalismo — política oficial do imperialismo desde a crise econômica de 1974 — também funciona com o “controle absoluto de um pequeno grupo” — ou, como afirmou, “a plutocracia no poder”.
Não havendo nada novo, então, percebe-se que o articulista apenas inventou uma palavra diferente para mostrar o quão ruim será o governo de Trump e do seu principal aliado, o dono do X, Elon Musk.
Mas Arnóbio Rocha trata de “explicar” em quê consiste o “novo poder ilimitado”, seria “uma nova forma de controle sobre a burocracia do Estado está sendo gestada”. Ele escreve:
“A burocracia que garantiu que governos aparentemente tão diferentes, como Clinton e Bush I, ou Bush II e Obama, além do próprio Trump I, funcionassem, cortando as idiossincrasias de cada um deles, fazendo valer os valores da democracia no sentido liberal dos EUA, mantendo o império de pé, independente de presidentes, governadores, Legislativo e Judiciário, agindo sobre todos eles e garantindo um poder que apenas em ditaduras, como no nazismo e no fascismo, se tem referência na história moderna”.
E continua:
“Esse poder está sendo construído, e a grande diferença hoje é que Elon Musk é uma espécie de primeiro-ministro sem cargo oficial e, pessoalmente (auxiliado por cinco boçais jovens), faz uma limpa na cúpula dessa burocracia de Estado, que em algum momento denominei de Estado Gotham City. Ele está demitindo, mandando embora, moldando ao seu modo um novo tipo de controle de poder, não mais separando poder econômico (real) do poder político (mediado)”.
Quer dizer, Arnóbio Rocha parte da ideia que a burocracia que controlou os governos Clinton, Bush, Obama, Trump I e, pelo visto, Biden — já que as mudanças estão apenas ocorrendo agora — era uma burocracia que fazia “valer os valores da democracia no sentido liberal dos EUA”, mas que Musk a estaria mudando completamente.
A concepção de que o novo governo está tentando modificar a burocracia não é completamente falsa. Sem dúvida, o novo governo tem interesse em modificá-la, tendo em vista que ela é controlada pelo setor mais poderoso do sistema financeiro imperialista, que apoiou a eleição de Biden e a candidatura de Kamala Harris. No entanto, argumentar que essa burocracia fazia “valer os valores da democracia” é completo absurdo.
O que ela fazia valer — e, por isso é contra Trump — eram os interesses específicos da ditadura imperialista dos bancos, uma “plutocracia” (como diria o advogado) ainda pior e mais reacionária do que a Trump quer impor. Essa tentativa de colocar como “novo” o governo dos ricos de Trump e Musk é apenas expressão da capitulação política da esquerda, que chora — às vezes de forma velada, às vezes explícita — a saída do Partido Democrata (dos senhores de guerra) do poder.
Por estar a reboque do imperialismo (como se vê no apoio a Alexandre de Moraes), esse “novo” trumpista seria algo, para a esquerda pequeno-burguesa, extremamente mais nocivo do que o governo do Partido Democrata — de Obama, especialista em drones e bombas, e Biden, o mais novo patrocinador do genocídio palestino e impulsionador de uma nova tensão mundial do “Ocidente” com a Rússia.
Assim, Arnóbio Rocha afirma que “essa fusão atenta contra a democracia, pois acaba com a perspectiva (ilusão?) burguesa de que a representação política pode ter espaços de poder e de sonhos, de soluções de mazelas, criar oportunidades para muito além do mundo corporativo e privado, incluindo o atendimento social e humano, garantias legais e a possibilidade de que a sociedade fosse plural e o poder acessível à classe trabalhadora, mesmo que de forma concedida e limitada. Essa concessão, no entanto, produziu o Estado de Bem-Estar Social, criou uma economia de massas nos EUA, melhorou e elevou as condições de vida de amplas parcelas da população”.
Quer dizer, ao mesmo tempo, em que finge ele mesmo não ser iludido com a ideia de representação política, afirma, categoricamente, que “essa fusão atenta contra a democracia”. O que, talvez, nosso advogado não saiba é que a democracia burguesa já é uma instituição do passado desde o início do século XX, e o fim da “perspectiva burguesa […]” é uma característica essencial do atual estágio da crise capitalista mundial.
Quer dizer, nem nisso, ou seja, na desmoralização da democracia burguesa, Trump seria uma novidade.
Citando uma reportagem do programa “Fantástico” de 16/2/2025, da TV Globo, Arnóbio apontou que a matéria “traz luz sobre as relações de poder nos EUA e a ascensão de Elon Musk, mostrando como ele exerce um poder que está a anos-luz do que era feito por Steve Bannon. Não se limita mais apenas ao campo das especulações, mas às ações concretas, utilizando métodos sofisticados de algoritmos e controle de redes sociais, no limite da irresponsabilidade (aparente)”.
Aqui, Arnóbio Rocha mostra como as concepções da esquerda pequeno-burguesa são diretamente estabelecidas pela imprensa burguesa. Essa, aliás, é uma das características mais marcantes da esquerda brasileira nos últimos anos. Principalmente a partir do governo Jair Bolsonaro, o que se vê é uma aproximação ainda maior da esquerda à política supostamente “democrática” do imperialismo.
Durante a Covid-19, até o então fascista governador de São Paulo, João Doria, foi pintado como “democrata”. Alexandre de Moraes, do ministro do STF que passa por cima de todos os direitos democráticos e foi ex-ministro da Justiça do golpista Michel Temer, também é um “aliado” — a ponto do presidente Lula realizar um ato “pela democracia” ao lado do ministro filiado ao PSDB.
É nisso que se explica a política completamente equivocada de Arnóbio Rocha, que é a política geral da esquerda brasileira: Trump é um monstro enquanto os verdadeiros representantes do imperialismo, como Biden, são apresentados como setores mais democráticos, mesmo que não haja nenhum tipo de embasamento para tal afirmação.
Na realidade, se podemos falar de novidade em relação a Trump é que ele assume o poder representando um setor secundário da burguesia norte-americana. Não sendo um representante direto dos bancos, Trump buscará uma política que beneficie a economia norte-americana em detrimento da política “globalista” (para usar seus termos). Em outras palavras, o conjunto da política do imperialismo vai perder alguma força no cenário mundial — por mais que Trump continue e até fortaleça algumas das ofensivas que atualmente estão em jogo.
Para isso, Trump se aliou com um importante setor do imperialismo mundial, as grandes corporações de tecnologia, como X, Meta (Facebook, Instagram e What’sApp) e Google. Isso porque esses setores têm um interesse específico em acabar com a política que foi ordenada pelo capital financeiro em suas empresas — o que acabou levando a uma perda de público em suas plataformas, em detrimento do crescimento de aplicativos chineses, como TikTok, por exemplo.
Quer dizer, a novidade seria que um setor diferente do imperialismo norte-americano (antes escanteado pela política dos bancos) está no poder nos EUA. Isso, para os povos oprimidos, inclusive, é boa notícia, quando explicita a crise completa do imperialismo no mundo. A tentativa de apresentar Trump como um monstro muito pior do que os vampiros do Partido Democrata é apenas uma forma de prestigiar os piores bandidos do mundo moderno.