Conforme aumenta a crise internacional, nota-se que setores da esquerda abandonam a ambiguidade para apoiarem abertamente as democracias “liberais” — leia-se, o imperialismo.
O artigo O Brasil que ia mal, de Emir Sader, publicado no Brasil 247 nesta terça-feira (3), consegue criticar a Venezuela e fazer as pazes com Donald Trump, aquele que a maioria da esquerda equiparava ao próprio diabo.
Sader inicia dizendo que:
“Para o guru do bolsonarismo, Paulo Guedes, se o PT ganhasse as eleições, em três meses viraríamos uma Argentina e em seis meses uma Venezuela. Era e é a visão de que o Brasil estaria à beira do abismo. Uma visão costumeira nos meios de comunicação, que prognosticam, em geral, que o futuro do país seria negativo, que as instabilidades justificariam os juros estratosféricos, que a situação internacional tenderia a atentar contra a estabilidade econômica que aparentemente o governo consegue impor”.
Deixando Paulo Guedes um pouco de lado, a “visão costumeira” continua prevalecendo, pois os juros continuam estratosféricos. Quanto à situação internacional, o governo não está conseguindo se impor. Prova disso é que o governo Lula barrou a entrada da Venezuela no BRICS, se declarou “neutro” nas agressões gravíssimas do governo Trump ao país vizinho. E como não existe nada tão ruim que não possa piorar, Lula elogiou a política de “combate ao crime” do presidente norte-americano.
Segundo Sader, “graças ao desastre de que o Paulo Guedes era o guru econômico, o Lula e o PT voltaram ao governo. Mas não deu nada daquilo. Nem Argentina, nem Venezuela”. Mas não foi isso o que aconteceu. Lula já tinha grande chance de vencer, por isso foi preso. A questão é a polarização política no País, que continua intensa.
Causa estranhamento que o articulista escreva “nem Argentina, nem Venezuela”, sem que faça a crítica do que está acontecendo. É impossível que não tenha importância o fato de o país estar sofrendo pesadas sanções há anos, o que tem causado enormes prejuízos para a população.
Emir Sader diz que “uma das cenas mais tristes foi a de ver famílias de classe média fuçando no lixo da Avenida Corrientes, passando a dormir na principal avenida de Buenos Aires. As lojas estão vazias, a população de rua cresce vertiginosamente”. Famílias pobres têm fuçado o lixo desde sempre, talvez por isso não gere tanta comoção quanto as de classe média.
Esse cometário de Sader é sintomático. A esquerda brasileira está a cada dia mais elitizada, passou a defender as “democracias” liberais e tem se afastado da classe trabalhadora.
Sader escreve que “enquanto no Brasil, a distribuição de renda é efetiva e permite que o país tenha pleno emprego, que, ao contrário do que prognosticava Guedes, a economia cresce, os investimentos são crescentes, o país vai bem”.
Na cabeça do jornalista, “enquanto a relação da Venezuela com o Trump é péssima, Lula conseguiu uma convivência positiva com o presidente norte-americano”. Sim, isso deve ser comemorado, afinal, deve ser ótimo ter uma convivência positiva com um presidente que a esquerda chama de fascista.
Quanto à Venezuela, qual é a sugestão de Sader? Por que será que a relação é péssima? Será por conta das tentativas de golpe financiadas pelos EUA? Pelo roubo de ouro e ativos? Ou será pelo bloqueio econômico? Talvez seja pelo fato de os norte-americanos terem mandado tropas para perto da Venezuela e estarem assassinando pessoas no mar sob a desculpa do combate ao “narcoterrorismo”.
Emir Sader sustenta que, “para desespero dos seus detratores, o Brasil vai bem. Tornou-se uma referência, porque combate o neoliberalismo com eficiência, fortalecendo a democracia, convivendo perfeitamente com a oposição”.
Claro, juros estratosféricos devem ser mesmo um ótimo combate ao neoliberalismo. Gilmar Mendes, ministro do STF, acaba de tomar uma decisão, que contraria a lei, que praticamente impossibilita o impeachment de um ministro dessa corte. Logo se vê que a democracia está mesmo se fortalecendo. E, óbvio, “convivendo perfeitamente com a oposição”. Aquela oposição que não deixa Lula indicar o ministro para o Supremo? E o que significa esse convívio perfeito, que o governo se adaptou à direita, ou terá sido o contrário?
Sader pergunta, e, ao mesmo tempo, responde:
“O que significa isso? Que se pode e se deve combater o neoliberalismo, o modelo mais negativo da atualidade, que trata de mercantilizar tudo, fazer com que tudo tenha preço, tudo se venda, tudo se compre”. Não se tem visto nenhum combate ao neoliberalismo, e Sader faz uma caracterização pífia desse modelo econômico. Afinal, se pode afirmar que uma das características do capitalismo é “fazer com que tudo tenha preço, tudo se venda, tudo se compre”.
O articulista diz que “a forma de combatê-lo [o neoliberalismo] é priorizando as políticas sociais, ao invés dos ajustes fiscais. De fortalecer e de democratizar o Estado, ao invés do Estado mínimo”. Certo. E onde isso está sendo feito?
No último parágrafo, no qual Emir Sader descreve um mundo de fantasias, lê-se que “o Brasil não se tornou nem uma Argentina, nem uma Venezuela. O país tem um caminho próprio, inovador. O Brasil vai bem, muito obrigado”.
Esse delírio de Emir Sader está longe de ser um fato isolado. Na verdade, é recorrente dentro dessa esquerda, incapaz de criticar o governo Lula. É bom que se entenda que a crítica serve para partidos, ou pessoas, tomem pé da situação e possam agir sobre a realidade.
Sem um pensamento crítico é difícil tomar decisões corretas. Fingir que está tudo bem, talvez para que as coisas não piorem, não ajuda em nada, só atrapalha.
Para Sader, o Brasil vai bem. O que ele não enxerga, ou finge não ver, é que o brasileiro vai muito mal.





