O jornalista Tales Faria disse, na edição da última quinta-feira (2) do UOL News, programa do portal UOL, de propriedade do golpista Grupo Folha, que uma eventual confirmação da candidatura do cantor sertanejo Gusttavo Lima à presidência da República em 2026 marcaria “o fundo do poço” para o Brasil. Disse o colunista:
“Nessa curva da história que a gente está vivendo, nada é impossível. Você teve Pablo Marçal como um fenômeno eleitoral na campanha de São Paulo. Você teve o Bolsonaro eleito presidente da República agora há pouco. Graças a Deus, o mandato dele acabou.
(…)
Como diria Ronald Golias, a humanidade não está se portando muito bem. Tudo pode acontecer, inclusive o Gusttavo Lima ser candidato, tudo pode acontecer. Agora, será uma pena para o Brasil que a gente tenha que chegar a esse fundo do poço.”
A declaração do jornalista do UOL teve repercussão nos órgãos da imprensa de esquerda do País, como a matéria de Brasil247, intitulada Tales Faria: Brasil chegará ao fundo do poço se Gusttavo Lima for candidato a presidente. Ora, mas porque exatamente a mera candidatura do cantor seria um “fundo do poço”? Para quem tem a questão democrática não como uma demagogia, mas como um princípio, nada mais desejável que pessoas de fora do meio regular participando mais ativamente da vida política da sociedade.
A política brasileira, por sinal, está cheia de figuras deploráveis, se for esse o problema. Qual régua permite dizer que um Fernando Henrique Cardoso (responsável por matar uma média de 300 crianças de fome por dia no final de seu mandato) é aceitável e qualquer outro não? O vice-presidente da República Geraldo Alckmin tem incontáveis massacres em suas passagens pelo Palácio dos Bandeirantes (sede do governo paulista). Porque “fundo do poço” é aplicável ao cantor sertanejo, mas não a Alckmin?
A resposta não é tão óbvia, mas ilustrativa dos problemas da esquerda, sobretudo da esquerda pequeno-burguesa, que consegue até mesmo aceitar em suas fileiras políticos como Alckmin, mais hábeis na arte da demagogia e da desfaçatez, mas olham com horror os políticos que escapam do figurino imperialista tradicional, bem-pensante, de fala mansa e que escondem uma política extremamente virulenta. Sendo, como o nome indica, praticamente uma versão pequena e bem menos desenvolvida da burguesia, a pequena burguesia nutre o esnobismo tipicamente burguês ao dispensar ao cantor sertanejo a caracterização de “fundo do poço”, justamente por padecer dos filtros que caracterizam de maneira especial a direita tradicional, no Brasil e no mundo.
Com isso, o que seria sintoma de um regime político avançado, isto é, candidaturas de caipiras, índios, operários das mais diversas categoriais, enfim, setores populares e representantes da sociedade brasileira, é tratado com uma grande dose de elitismo da esquerda pequeno-burguesa, que reproduzindo um padrão detestável da burguesia. No caso da burguesia, existe um interesse político voltado à manutenção do sistema garantidor dos privilégios da classe dominante, o que torna a tática detestável, mas compreensiva. Já a pequena burguesia não.
A esquerda pequeno-burguesa trata Lima como “fundo do poço”, mas Simone Tebet não, por acreditar no show de ilusionismo que a máquina de propaganda do imperialismo produz. São os monopólios de imprensa, finalmente, que ditam quais candidatos são socialmente aceitáveis e quais são “fundo do poço”, e não por acaso, os que se enquadram na primeira categoria são os do seu campo, ao passo que no segundo, está a extrema direita e eventualmente a esquerda, incluindo o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, frequentemente retratado pelo jornal golpista Estado de S. Paulo com alcunhas como “apedeuta” e “demiurgo de Garanhuns”.
Ocorre que enquanto o imperialismo dispensa tais tratamentos a Lula para enfraquecê-lo, a esquerda pequeno-burguesa simplesmente acredita em ilusões, como a de que o caipira tucano Geraldo Alckmin seja diferente do caipira bolsonarista Gusttavo Lima. Que o golpista Pablo Marçal desprezado por Tales seja diferente do antigo patrão do jornalista, o falecido fundador do Grupo Folha Otavio Frias Filho, ele próprio, um banqueiro dono da PagSeguro. Não são diferentes em nada.
Com o senso crítico dominado pela propaganda imperialista, porém, a esquerda pequeno-burguesa acredita nas falsificações propagadas pelos monopólios e com isso torna-se reprodutora da política dos piores inimigos dos trabalhadores, e de todos os povos oprimidos do mundo. O começo da conquista da independência necessária começa pelo reconhecimento de que os inimigos mentem e iludem, dispondo de muito dinheiro para fazerem isso. Enquanto a esquerda insistir em dar à imprensa burguesa uma confiança indevida, continuará sendo papagaio de interesses que não são seus, mas de quem quer esmagar as classes subalternas, incluindo a própria pequena burguesia.