A Justiça brasileira condenou criminalmente Lula e, em consequência, segundo a legislação brasileira, tornou-o inelegível. Isso ocorreu praticamente às vésperas das eleições de 2018, quando todas as pesquisas o apontavam como favorito, eleito com folga já no primeiro turno. Bolsonaro foi condenado pela Justiça Eleitoral brasileira como inelegível. Recentemente, Le Pen também foi condenada pela Justiça francesa como inelegível. E todos eles, bem como seus apoiadores, afirmaram que a decisão dos respectivos Tribunais foi política. Ora, afirmar que uma decisão judicial é política constitui uma crítica feita pelos mais diversos setores sociais ao Estado de Direito. No entanto, a extrema-direita brasileira e europeia tem feito esta crítica como estratégia política: se ganha algum processo, seja como autor ou réu, ganhou, mas, se perde, passa a ser vítima de um julgamento político. O expediente também é utilizado pela esquerda liberal, embora a onda mais recente esteja favorável, já que a vez é de Bolsonaro.
A questão é: até que ponto estes processos e decisões deles resultantes são políticos?
A resposta não é fácil, mas deve-se ter em conta que todos os processos judiciais são, também, políticos. Afinal, o Poder Judiciário é um dos Poderes de Estado, o qual substitui a vontade dos cidadãos, impondo a „vontade do Estado“. Trata-se, como se sabe, de um aparelho de repressão estatal e, portanto, político! Neste sentido, todos os juízes proferem decisões políticas, seja em sede penal ou tributária, ambiental ou previdenciária.
No Estado de Direito, os magistrados atuam, ou, pelo menos, deveriam atuar, segundo a lei vigente. E, para além da letra, eles devem atuar segundo o Direito. E Direito é ciência, e, como tal, tem seu método. A estabilidade deste sistema depende, portanto, da confiança da sociedade no sistema de Justiça. Daí segue, entretanto, um problema de legitimidade, uma vez que o Estado de Direito é democrático, o que pressupõe que a soberania seja popular. Neste sentido, ainda que a sociedade civil não participe diretamente do julgamento, é necessária a devida transparência para que seja passível algum controle sobre a atuação do poder estatal. Ao menos teoricamente, é o que se espera no Estado Democrático de Direito.
Sem pretensão de apresentar uma discussão acadêmica sobre o assunto, ressalte-se o problema da transparência nos julgamentos. Mais importante que o resultado, é a forma como o julgamento é conduzido. Quando o tribunal decide a partir de pontos de vista externos ao Direito, e isto ocorre com mais frequência do que deveria, a decisão é apenas formalmente válida, mas tecnicamente ilegítima. Em outras palavras, quando o juiz decide segundo suas preferências ideológicas e despreza o método do Direito, a decisão é política, e, portanto, ilegítima, já que a dogmática e a metodologia jurídica foram abandonadas, e as decisões foram tomadas com base nos resultados pretendidos pelo magistrado. Claro que os magistrados sofrem pressões políticas e ameaça constante à imparcialidade, que é, ao mesmo tempo, um princípio e uma garantia fundamental.
Mas um processo constitucional necessita de uma certa distância em relação aos interesses particulares que rodeiam o seu objeto. Para além disso: a imparcialidade, a transparência e, acima de tudo, a abertura às novas descobertas resultantes da persecução judicial, com ampla garantia de consideração dos argumentos de ambos os lados, são fundamentos de legitimidade do processo judicial. Se o Poder Judiciário der a impressão de que, desde o início, o resultado já está dado, cria um problema insolúvel de confiança no sistema jurídico.
Por isso, é imprescindível que as decisões judiciais e as suas motivações sejam absolutamente transparentes, de modo que os advogados, os meios de comunicação e os diversos setores da sociedade tenham garantida a liberdade de seguir os julgamentos de modo crítico e de discutir sobre a legitimidade do próprio sistema de justiça.
Em tempo: na crise do capitalismo, a pressão política aumenta consideravelmente, o Direito se degenera e a confiança da sociedade no sistema resta seriamente abalada. A atribuição do termo “político” aos julgamentos passa, então, a ter uma conotação negativa e de cunho conspiratório, já que o „acordo de paz“ entre as classes é quebrado e a estabilidade do Estado de Direito é gravemente ameaçada.