Afonso Teixeira

Tradutor, formado em Letras pela USP e doutorado em Linguística com tese em tradução. Tem formação como músico, biólogo e cientista político.

Coluna

Natália – Minhas primeiras últimas palavras

Como disse Guimarães Rosa certa vez: “as pessoas não morrem, ficam encantadas”

Eu e o Rui somos irmãos por parte de mãe. O pai do Rui foi assassinado quando o Rui ainda era bebê. Certo dia, eu era ainda criança, e minha mãe falava do primeiro marido. Uma lágrima escorreu dos olhos dela e ela disse que lhe viera uma saudade dele. Eu, pequeno ainda, disse: “mas se ele não tivesse morrido, eu não teria nascido”. A mãe da Natália estava presente e contou em determinada ocasião para a filha.

Anos depois, quando eu fazia faculdade de Letras na USP, estudava de noite e morava com minha tia Inês, no Ipiranga, vizinha da Natália. E toda noite a menina me esperava chegar da faculdade para ajudá-la nas lições de casa, tirar dúvida em alguma matéria, fazer um desenho para ela. Eu contava a ela minhas histórias e ilustrava os estudos dela com diversas curiosidades.

Quando o Rui veio morar onde moro hoje, ele colocou um retrato do pai dele sobre uma estante de livros. Era o retrato de um homem jovem, com um bigodinho de galã de cinema. A Natália ficou encantada e dizia que queria muito ter conhecido o avô. Então a mãe dela, contou-lhe a história de meu passado, relatada acima.

Ainda jovem, adolescente, a Natália já mostrava um dom e uma sensibilidade para a escrita e resolveu escrever uma redação sobre o avô — não sei se para a escola ou por decisão própria. Ali, ela falava do avô, do quanto gostaria de tê-lo conhecido, do quanto ele era bonito e coisas assim. Mas, numa determinada passagem, ela lembrou-se do que a mãe lhe havia contado sobre mim. E ela colocou isso na redação. E ela dizia que teria de escolher entre ter conhecido o avô e ter-me conhecido e ela disse que escolheria a mim, o tio que a ajudava nos deveres de escola.

Mas não foi só isso, eu brincava muito com ela e continuei brincando até os últimos momentos da vida dessa menina quando ela ainda estava no hospital. Lembrei-me de que a primeira vez que Natália foi à Europa, ela foi comigo.

Eu fui a um congresso em Ourense, na Galiza. Ela tomou o avião depois e nos encontramos no hotel. Foram momentos de graça e de encanto. A Natália era muito divertida e estava sempre alegre. Alguns anos depois, quando o Rui esteve na Europa para denunciar a Lava Jato, a Natália foi com ele. Encontramo-nos em Bruxelas e seguimos para a casa da companheira Francisca, que mora em Metz, na França. A viagem toda foi uma maravilha, pois passamos muito tempo juntos.

Eu acompanhei todo o progresso da Natália no Partido. Vi o quanto ela evoluía tanto política quando intelectualmente, de menina a moça, de moça a mulher e mãe.

Mas, em seu velório, não vi ali, nem uma moça, nem uma mulher, nem uma mãe. Vi ali uma criança. Uma criança que se foi, mas que não morreu, encantou-se. Como disse Guimarães Rosa certa vez: “as pessoas não morrem, ficam encantadas”.

E, até que as minhas cinzas se juntem às dela, hei de levar dela comigo uma saudade, uma lembrança, um encantamento.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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