O ensaio Os casos Poze do Rodo e Léo Lins, publicado na sexta-feira(15) no sítio A Terra é Redonda, tenta fazer paralelos e diferenças sobre a questão da liberdade de expressão, opondo a extrema direita de um lado; e, de outro, Noam Chomsky (progressista) e o Partido da Causa Operária (na extrema esquerda).
Segundo o autor, João Gabriel Gaspar Ballestero, “o debate sobre a liberdade de expressão é algo que se arrasta desde, no mínimo, os séculos XVIII e XIX, até os nossos dias – havendo sido posto novamente na ‘pauta do dia’ nos últimos anos, com o fortalecimento, aqui e acolá, de movimentos políticos de extrema direita”. Na verdade, o debate é anterior. John Milton (1608-1674), em 1644, durante a Guerra Civil Inglesa, publicou seu panfleto Areopagítica.
Milton, dizia que a censura prévia (Licensing Order) era prejudicial ao aprendizado e à busca da verdade. Defendia que a livre circulação de ideias permitia que a verdade se sobressaísse em seu embate com o erro; e que a restrição de publicações era irracional e feria a liberdade natural dos indivíduos.
Depois de Milton, John Locke escreveu a Carta Sobre a Tolerância. O Iluminismo, em seguida, aprofundou o debate com Voltaire, Diderot, dentre outros. Modernamente, Marx, Lênin, Rosa Luxemburgo, Trótski, os comunistas de modo geral, todos foram defensores da liberdade irrestrita de expressão. Nos últimos anos, em pleno século XXI, a esquerda pequeno-burguesa decadente, atrelada aos interesses do grande capital e infiltrada pelo identitarismo, passou a defender a censura e a restrição a esse direito.
Antagonismos
Ballestero escreve que analisando “as múltiplas conformações desse debate ao longo da história das ideias, salta aos olhos como posições antagônicas acerca da ‘liberdade de expressão’ vão sendo continuamente abraçadas por facções supostamente antagônicas do espectro político”. A defesa da liberdade de expressão pela direita é oportunista e, na maioria das vezes, demagógica. Elementos da extrema direita têm processado o PCO (Partido da Causa Operária) por conta de suas opiniões e posições.
O autor acerta ao destacar que setores da esquerda “aferram-se ao direito e à moral para justificarem uma liberdade de expressão ‘menos permissiva’ (seja ou não isso possível), em prol de algum tipo de ‘ordem’”. De fato, não se aferram ao direito, pois a Constituição garante a liberdade de pensamento. Trata-se de uma cruzada moral e a defesa da ordem. Entendendo-se por “ordem” o Estado e suas instituições, até as mais reacionárias, como o STF (Supremo Tribunal Federal).
Artistas censurados
Em seu texto, Ballestero diz que utilizará dos casos Léo Lins e Poze do Rodo para confrontar os posicionamentos tanto da direita quanto das esquerdas. Ressalta que não buscará fazer um “juízo jurídico-filosófico definitivo sobre eles”. Mas essa questão não pode ser vista de um ponto de vista “neutro”, meramente científico, como propõe o autor, pois se trata da restrição (extinção, na prática) de um direito básico da população.
Em um mundo em que a sociedade é dividida em classes, que lutam entre si, e é movido por interesses, a censura cumpre um papel fundamental para a manutenção dos privilégios da classe dominante. Portanto, a proposta de trabalhar “estritamente no âmbito do debate sobre liberdade de expressão, e, particularmente, dentro do subdebate sobre liberdade de produção artística” está de saída comprometida.
Léo Lins (Leonardo de Lima Borges Lins) foi “condenado, em primeira instância, à pena de 8 anos e 3 meses de prisão mais pagamento de multa multimilionária devido ao conteúdo de um dos seus espetáculos de stand-up comedy”. Seu espetáculo foi “entendido como ofensivo a diversas minorias sociológicas e, por extensão, promotor de ódio e ensejador/reprodutor/apologético de violência contra as mesmas”.
Poze do Rodo (Marlon Brendon Coelho Couto da Silva) “foi preso preventivamente pela Polícia Civil do Rio de Janeiro por, supostamente, fazer apologia ao crime com as letras de suas canções e por, supostamente, ter envolvimento com facções criminosas cariocas”.
Como foi grifado acima, os dois artistas foram condenados por “apologia”, um crime fictício. Quanto à questão “‘devemos censurar essa obra?’ – seja em prol da proteção a minorias sociológicas historicamente aviltadas, mais que qualquer outro grupo, supõe-se, pelas ‘classes’ dominantes; seja em prol da garantia de um futuro digno às nossas crianças e da proteção – concomitantemente – de valores éticos e morais supostamente tradicionais da sociedade brasileira”. Tudo isso é uma fraude.
O maior aviltamento das minorias, dos setores oprimidos em geral, como as mulheres, que não são minoria, se dá na remuneração. Os salários são sempre mais baixos, isso degrada a vida das pessoas. Muitas pessoas, como mulheres, travestis, são atiradas na prostituição por absoluta falta de perspectiva, isso muito antes de existir um Léo Lins ou piadas.
Futuro digno das crianças é outra farsa. A histeria do momento se chama “pedofilia”, e está servindo para se impor uma censura brutal contra os jovens que serão cerceados em seu direito de utilizar a internet.
Não existem creches suficientes, as escolas estão caindo aos pedaços, o sistema de saúde anda completamente sucateado. No entanto, de repente, estão todos preocupados com o “futuro das crianças”.
Quem mais protegeu “valores éticos e morais supostamente tradicionais da sociedade” do que a Santa Inquisição? A censura, a prisão, sempre vem sob o disfarce de proteção, valores, criancinhas. É ridículo.
Crime de opinião
No restante de seu ensaio, o autor se põe a comparar as visões de setores à esquerda e à direita. Importa para este Diário, no entanto, demonstrar que os setores da esquerda, que comemoraram a condenação de Léo Lins, condenam a prisão de MC Poze do Rodo. Esquecem que pau que bate em Chico, sempre bate em Francisco.
Os casos não são isolados, ambas condenações são fruto da ditadura instaurada no País pelo STF. As prisões arbitrárias são todas respaldadas pelas próprias ações do Supremo, que até já mandou prender mesmo admitindo não ter provas.
A esquerda que comemora as arbitrariedades contra Léo Lins, supostamente para defender minorias, está, na verdade, ajudando o Estado a apertar a mão do Estado na garganta do povo que, como sempre, é a maior vítima.



