O artigo Autocracia chega à Casa Branca, escrito pelo jornalista César Fonseca para o portal de esquerda Brasil 247 e publicado no último dia 18, diz:
“Outra controvertida posição trumpista se apresentou com o acordo de cessar fogo em Gaza pelo genocida Netanyahu.
Biden, às vésperas de passar o bastão, não perdeu a oportunidade histórica: anunciou a decisão.
Vai para a história de que não foi Trump, mas Biden que deu um basta no sionismo genocida na faixa de Gaza.”
Fonseca pode não ter registrado o fenômeno, mas no aniversário do conflito, o Instituto Watson da Universidade de Brown estimava em pelo menos US$22,76 bilhões a ajudar militar oficial dada pelo governo do ex-presidente Joe Biden ao genocídio sionista. Falar que Biden “deu um basta no sionismo genocida” nessa conjuntura é no mínimo uma desinformação, incompatível com quem tem as notícias como uma das ferramentas de trabalho essenciais.
Não bastasse dar o dinheiro que, longe de “dar um basta”, financiou o genocídio do povo palestino, o governo Biden repeliu todas as tentativas feitas por meio da ONU de por um fim ao martírio de Gaza, sem nenhuma preocupação, inclusive com o fato de, a determinada altura, ser o único país com poder de veto a se opor. Não podemos esquecer, finalmente, a duríssima repressão sofrida pela população norte-americana opositora dos crimes de “Israel”, especialmente os estudantes, alvos de uma campanha repressiva nazista por parte do governo.
Ainda, é simplesmente impossível sustentar tal afirmação diante do fato de que, enquanto o governo Biden repetidamente reforçou seu apoio à ditadura sionista, Donald Trump dedicou-se a criticar a política israelense, especialmente durante o período eleitoral. Semanas antes da posse, o líder republicano chegou a republicar em suas redes sociais um vídeo chamando o primeiro-ministro de “Israel”, Benjamin Netaniahu, de “grande filho da p*ta”.
Além de ofender o dirigente sionista, Trump (e não Biden) aumentou a pressão pelo fim do conflito, ameaçando fazer “uma bagunça infernal” caso o cessar-fogo não saísse até sua posse, ocorrida ontem (20). É uma loucura completa dizer que “vai para a história que Biden deu um basta no conflito”, é até difícil supor que Fonseca acredite nessa falsificação grotesca da realidade. Deve ser a única pessoa no planeta Terra a acreditar, se acredita.
Os norte-americanos, por exemplo, que apelidaram o ex-presidente como “Genocide Joe” (“Zé Genocida”, em português), discordam veementemente da afirmação. A colocação aloprada do jornalista vai de encontro, inclusive, com o resultado das eleições presidenciais de 2024, onde o apoio incondicional dos democratas a “Israel” foi fundamental para a derrota do partido e a vitória de Trump, que ganhou inclusive junto à população islâmica e árabe, com destaque à comunidade do estado de Michigan, tradicional reduto democrata que nas eleições gerais do ano passado, deu uma grande vitória aos republicanos, com os democratas mantendo o Senado por uma vitória muito apertada: pouco mais de 19 mil votos em quase 5,5 milhões.
Estas são as colocações mais grotescas, mas não as únicas. O autor envereda pelas questões democráticas, criticando a decisão do presidente de libertar presos políticos, apresentando a medida como um exemplo de uma suposta nova orientação política, pautada pelo “direito da força no lugar da força do direito”, como se a prisão de manifestantes políticos não fosse, por si, um exercício do “direito da força” promovido pelo governo anterior. Disso, o autor conclui questionando:
“A democracia americana, nesse cenário, corre ou não perigo com a subida ao poder do autocrata?”
A princípio, a resposta mais honesta seria que o regime norte-americano não corre mais perigo com Trump do que com Biden ou a candidata derrotada nas eleições de 2024 Kamala Harris. Entendendo-se, porém, “democracia americana” não como um regime político abstrato, mas o regime político imperialista, a ditadura dos monopólios, a resposta ao questionamento de Fonseca é afirmativa, uma vez que de fato, Trump representa a crise desse sistema de opressão com atuação global.
Porque a crise no imperialismo norte-americano seria algo negativo, no entanto, é um mistério que Fonseca deveria explicar. Para a Resistência Palestina, como se vê, não foi nem um pouco negativo.